segunda-feira, 7 de maio de 2012

As revoluções dos juros baixos no Brasil

Pouca coisa deve ter sobrado para ser dita sobre as mudanças nas regras de remuneração da poupança. O Brasil, no momento certo ou não, está fazendo uma tentativa ousada de levar os juros locais para patamares compatíveis com os do resto do mundo. Ainda é cedo para dizer se será possível manter os juros baixos por muito tempo (acho que são boas as chances), mas as consequências em breve serão (ou já estão sendo) sentidas:

- A poupança é o exemplo mais evidente. Há tempos o Brasil deveria ter se mexido para acabar com o direito sagrado do poupador em moeda nacional de receber, sem risco e sem impostos, juros entre os mais altos do mundo (e, tirando os impostos, isso também vale para as LFTs e os fundos DI). O poupador (ou rentista) brasileiro vai precisar se acostumar com a ideia de que o primeiro ponto da curva de juros soberana é o de menor remuneração, e retornos maiores só podem ser obtidos tomando mais risco. É o básico de qualquer teoria de finanças, mas, por muito tempo, pouca coisa foi melhor (retorno ajustado pelo risco) no Brasil do que receber o CDI.

- O problema agora, claro, é o que os poupadores vão fazer com seus recursos, que há tempos deixaram de render o cômodo e habitual 1% mensal. Minha maior preocupação é com os grandes fundos de pensão, que, até alguns meses atrás, conseguiam bater a meta atuarial (algo como inflação mais 6% ao ano) aplicando em NTN-Bs longas e correndo relativamente pouco risco. Os novos fluxos compram esses papéis a taxas de mercado perto de inflação mais 4,5% ao ano, o que vai fazer com que esses fundos sejam levados a tomar mais risco (comprando ações e títulos privados, investindo em fundos multimercado, imóveis, commodities e o que mais passar pela frente) ou reavaliem suas contas atuariais, provavelmente concluindo que o rombo é maior ou virá antes do que se esperava. Correr os riscos mencionados acima não é nenhuma garantia de que a diferença entre a meta atuarial e os retorno dos fundos será preenchida; dependendo da qualidade da gestão, justo o contrário.

- A tendência que parece estar se desenhando é: dinheiro deixando de financiar o setor público para investir no setor privado. No melhor dos casos, finalmente o Brasil conseguirá dar um grande passo no desenvolvimento do mercado de capitais (ações, dívida corporativa, dívida imobiliária, etc), o financiamento da atividade econômica passará a depender menos do governo e a remuneração dos investimentos refletirá uma taxa de mercado, proporcional ao risco tomado; no pior, como no mundo desenvolvido, as más decisões de investimento não serão punidas (investidores salvos pelo governo) e o custo do dinheiro ficará distorcido de outra maneira. Esse, porém, será assunto para daqui a alguns bons anos (mas meu lado Cassandra não pode deixar de achar que cairemos nesse pior caso) .

- A queda nos juros deixa evidente quão ridículas são as taxas cobradas por alguns fundos de baixo risco (ver a Folha de hoje). Também deveria ser uma bonança para fundos multimercado, que buscam retorno absoluto.

- Quedas nos juros, num primeiro momento, são boas para bancos - reduzem o custo de captação e marcam as carteiras de crédito pré-fixado a juros de mercado mais favoráveis. Resta saber qual vai ser a conclusão da suposta "cruzada contra o spread bancário". Sigo com a impressão de que o governo não tem incentivos para atacar os lucros dos bancos privados (nem acho que deveria fazer isso diretamente), mas posso estar enganado. De qualquer maneira, parece claro o aumento do risco para os bancos públicos, que, na prática, vão acabar cedendo créditos piores para reforçar uma postura de política econômica. Podendo, eu aproveitaria o momento para vender ações do Banco do Brasil e comprar Itaú, que foi muito punido pelos mercados no mês passado por ser o primeiro banco a demonstrar mais cautela com o atual ponto no ciclo de crédito.


Na melhor tradição da célebre frase de Rudiger Dornbusch, o cenário para os juros no Brasil está mudando muito mais rápido do que se achava possível. Para quem reclamava de inação, já no segundo ano de mandato a equipe de Dilma está tomando (grandes, dirão alguns) riscos. Tenho pouca dúvida de que as medidas vão na direção correta; saber se o tempo para elas já havia chegado, para quem respeita fatos antes de qualquer teoria, só será possível em alguns meses ou anos.

P.S. Parece que alguém em Brasília tem um certo apego pelo capítulo 24 da Teoria Geral (o da célebre expressão "eutanásia do rentista") - "só" faltaria começar a mexer na estrutura tributária :

Thus we might aim in practice (there being nothing in this which is unattainable) at an increase in the volume of capital until it ceases to be scarce, so that the functionless investor will no longer receive a bonus; and at a scheme of direct taxation which allows the intelligence and determination and executive skill of the financier, the entrepreneur et hoc genus omne (who are certainly so fond of their craft that their labour could be obtained much cheaper than at present), to be harnessed to the service of the community on reasonable terms of reward.

P.P.S. Não tinha visto antes de escrever este post, mas quase toda a edição da revista ValorInveste que acompanha o jornal de hoje (e depois fica à venda nas bancas) é sobre esse tema, num tom mais otimista. Vale a leitura.

18 comentários:

HedgetheEdge disse...

Vc acha que a cruzada contra o Spread vai aumentar os multiplicadores monetários ? Ou, dito de outra maneira, que o volume de crédito vai aumentar ? Ou, alternativamente, os bancos vão exigir + qualidade/colateral ?

Acho que o tempo da SELIC nesse nível depende dessa resposta..

Decompondo a curva em nível, inclinação e curvatura já percebemos um aumento do slope se acelerando...

Drunkeynesian disse...

Acho que não de imediato, já que os bancos privados parecem não estar muito confiantes na continuação do ciclo e parecem já não ter o mesmo apetite dos últimos anos para aumentar as carteiras e crédito. Talvez os bancos públicos tentem compensar isso, e, sinceramente, não sei se a queda de taxas vai compensar a qualidade do crédito, que sempre tende a ser marginalmente pior.

O curioso da curva de juros é que nos últimos dias vimos uma queda forte nos níveis sem aumento na inclinação - como se o mercado estivesse mais convencido de que o BC pode manter a inflação na meta com juros mais baixos (ou que ele não vai mexer nos juros mesmo se a inflação subir).

Anônimo disse...

Drunk,

Acho a segunda hipótese mais provável. O BC não estará nem aí. O governo Dilmantega é o único no mundo a decifrar a trindade impossível!

Trabalha com meta de juros, câmbio quase fixo (só desvaloriza) e mobilidade de capitais. E ainda soltando subsídios implícitos nas taxas de juros de empréstimo de longo prazo via BNDES e Caixa financiando bolha imobiliária.

Agora imagine o estrago que essas dívidas subsidiadas de alta duration teriam no orçamento do governo (fora o aumento do custo de rolar a dívida) caso o Banco Central resolva subir as taxas de juros?

Anônimo disse...

belo texto ...

uma coisa que talvez precise ser relativizada é que o mercado esta ganhando horrores de dinheiro vendido em juros. Não sei se 2 ou 3 dados contrarios não desmontam todo esse "apoio" apesar de concordar que os juros nao voltam mais pros patamares anteriores, exceto com um caos.

SObre os rentistas ... esta sendo curioso imaginar o que vai acontecer, pois sinceramente, por 3% de juros reais, não financio o Governo. Nesse momento com esse cenario, ninguem esta migrando pra ações. Empreender no Br ainda é coisa pra maluco. Imoveis ? agora ? ou seja o problema parece maior do que apenas correr riscos

Drunkeynesian disse...

Sim, mercado parece estar ganhando muito com a queda nos juros, mas igualmente aposta que (1) os juros não ficam nesse patamar por muito tempo e (2) a inflação vai subir. A questão agora, já que parece que vai precisar do caos para o BC voltar a subir na Selic, é quanto de inclinação da curva remunera o risco de alguma besteira na inflação.

De fato - o problema agora vai ser correr riscos comprando ativos caros. Por enquanto eu ainda prefiro financiar o tesouro a 3% reais - ou comprar um pouco de câmbio.

Anônimo disse...

Não acho a inclinação atual da curva de juros Brasil compatível com o nível de incentivos à demanda e atuais restrições no lado da oferta. Mesmo que não sejam aplicáveis os níveis de inclinação que ocorreram em 2009, penso que a estamos em níveis muito baixos. Enfim, acho interessante a compra nos níveis atuais do Jan/14 x Jan/15 a 52bp. Certamente esse call só tem sentido para quem imagina que a inflação no curto/médio prazo passará a preocupar para cima...

abc

Rodrigo, o Soneca, Pontes disse...

Eu prefiro empreender!! Há!

Reserva no Tesouro Direto, investimento de risco na minha própria empresa! Sem meio termo...

Drunkeynesian disse...

Eu não tenho opinião forte nesse call... se de fato a inflação subir, a inclinação deveria mesmo disparar. Porém, vejo dois problemas: primeiro, é um trade bastante popular, parece que o mercado inteiro está do mesmo lado; segundo, ainda acho que o governo pode tirar da manga, nos próximos meses, alguma medida de desoneração ou desindexação que baixaria algo como 0,5% da inflação anual em uma porrada só (como fez a mudança dos pesos no IPCA). Isso viraria o mercado do avesso...

Drunkeynesian disse...

Soneca está lendo muito Taleb... isso é o que ele chama de barbell...

Anônimo disse...

quando esta todo mundo do mesmo lado, a correria costuma ser grande ...

as chances de um reajuste nos combustiveis ou de a inflação subir um pouco por conta de cambio tb existem ...

hoje, emprestar a 3% reais ou correr para um M.M são as unicas opções. No L.Prazo as pessoas vao ter que correr outros riscos. Quais serão é minha grande dúvida.

L.M

Jorge Browne disse...

Parece que o "mercado" está passando pelo que um amigo psicanalista chama de Crise Vital: momentos de angústia por transformações estruturais (como a passagem da adolescência para a idade adulta).

Por um lado a preocupação com a ampliação do crédito e possíveis bolhas, especialmente a imobiliária. Por outro, a realidade de que esse mesmo crédito ainda é muito restrito na economia brasileira, como apareceu aqui no material do Gabriel Palma.

E por falar em mercado e seu atual consenso, Keynes já dizia que para a sabedoria popular é melhor para reputação errar convencionalmente do que acertar de maneira inconvencional . Ou seja, é melhor errar com o mercado do que acertar contra ele.

Dawran Numida disse...

Tudo bem, mas como dizem lá no interior, o melhor é ficar na moita.

Queda de juros, sem falar em qualquer nível de redução de gastos, parece o caldo de cultura perfeito para que haja correria a ativos que rendam mais e mais rápido. E que sejam mais líquidos na hora de desfazer-se deles. Esse parece ser o jogo.

Pode ser até obviedades, porém, afinal, quanto o governo pretende dispor para rolar sua dívida?

E quem se disporá a financiá-la e por quanto tempo?

O nó poderá ser uma crise de confiança, não é? Talvez ai resida a busca de popularidade a qualquer custo.

HedgetheEdge disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
HedgetheEdge disse...

Risco mto grande p/ comprar taxa é o novo QE. Qto da queda da curva doméstica desde meados de março foi por causa da novela dos spreads/poupança e qto foi puxado por 10Y treasuries ? impossível saber ao certo..
Alias Drunkeynesian, seria mto legal um post com uma enquete sobre preços de ativos (Oil, S&P, IBOV...) QEzavel, isto é, qual é +- o strike da put do fed (ou qual o preço do oil q não fode o Obama se o fed acomodar)

Drunkeynesian disse...

Gostei da sugestão, vou fazer em breve.

Os movimentos da curva local costumam ser bem pouco correlacionados com qq outro mercado; acho que desta vez o leading é a disposição do BC de baixar o quanto puder o juro de 1 dia (claro que isso pode ter relação com outros mercados). Creio que a partir de onde ele parar, o ciclo de juros brasileiro ficaria mais sincronizado com o resto da civilização.

Anônimo disse...

Meus caros,
A questão, que o Dawran também colocou, é quem financiará a dívida pública. Não concordo com o raciocínio do post. Para os investidores mudarem seu mix de aplicações (mais setor privado, menos setor público), o setor público deve demandar menos financiamento. A ordem causal é inversa. Com a diminuição da pressão do governo sobre o mercado, as taxas baixam e aumenta a participação do setor privado (o famoso crowding-in). Se baixo na marra os juros, só estou contratando mais inflação ou uma taxa de juros muito maior no futuro. Ainda mais agora que estamos (já há algum tempo) trabalhando na capacidade máxima da economia (que, infelizmente, não cresce muito - olhe nossa taxa de investimento e de crescimento do PIB) e com déficit externo de 3%do PIB.
Se o setor privado realmente estivesse acreditando nas nossas perspectivas, a taxa de investimento (juntamente com nosso déficit externo) seriam maiores.
Estas são as razões porque acredito que esta política seja simplesmente populista. E, como sabemos, populismo econômico sempre acaba mal.
Saudações

Drunkeynesian disse...

Anon, na margem o setor público deve passar a demandar menos financiamento - cumprindo as metas de superávit primário e com os juros caindo, em alguns anos o país deixa de ser emissor líquido de dívida. Claro que se a inflação volta, acontece o que você falou; a aposta do governo é que isso não vai acontecer.

Jorge Browne disse...

Ah, o mítico PIB potencial...

Um cenário alternativo: com a diminuição da taxa de juros os aplicadores, fundos de pensão inclusive, vão procurar rentabilidade no setor privado, aprofundando o mercado de capitais, aumentando o investimento, fazendo a turma suar a camisa por rentabilidade etc e tal...

E vai que a inflação fica perto da meta?