segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O que aprendi sobre a Alemanha

Algumas surpresas que descobri numa curta temporada na terra do lado certo dos 7 a 1 (saque-as naquela discussão de boteco em que alguém solta o inevitável "essas baixarias só acontecem no Brasil"):

—Brandenburg, o novo aeroporto de Berlim, vem sendo construído desde 2006. Inicialmente, a inauguração era prevista para novembro de 2011; depois, foi adiada para junho de 2012. Semanas antes do início das operações, o órgão supervisor anunciou um novo adiamento (de nove meses) por causa de falhas no sistema anti-incêndio. A promessa mais recente de inauguração é 2016, mas os jornais dizem que a estimativa mais realista é 2018. O orçamento inicial, de 2,8 bilhões de euros, foi aumentado em junho para 5,4 bilhões;

—O Hertha, maior time de futebol da capital, é patrocinado pela Deutsche Bahnhof, quase monopolista controlada pelo estado (mas de capital misto, tal qual a Petrobras) responsável pelas ferrovias alemãs;

—Annette Schavan, ministra da educação até fevereiro do ano passado, perdeu o título de doutorado (e o cargo) depois de uma acusação de plágio em sua dissertação;

—O governo de Gerhard Schröder concedeu um empréstimo de um bilhão de euros à petrolífera russa Gazprom semanas antes do fim da liderança dele, em 2005. Logo depois, Schröder foi contratado pela Gazprom para um cargo executivo (esses últimos dois itens estão num texto recente do Perry Anderson que apareceu traduzido em uma edição recente da piauí);

—Bônus, Espanha (também do texto do Anderson): Luis Bárcenas, tesoureiro do partido do primeiro ministro por 20 anos, está preso por ter acumulado 48 milhões de euros em uma conta não-declarada na Suíça. Quando o escândalo estourou, Rajoy mandou uma mensagem de texto a Barcenas dizendo: "Luis, eu entendo. Fique forte. Ligo para você amanhã. Um abraço."

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Frases do Dia—o Estado de Direito e o Capitalismo Americano

“The pioneers of American capitalism were not graduated from Harvard’s School of Business Administration. The early settlers and founding fathers, as well as those who “won the West” and built up cattle, mining and other fortunes, often did so by shady speculations and a not inconsiderable amount of violence. They ignored, circumvented, or stretched the law when it stood in the way of America’s destiny and their own—or were themselves the law when it served their purposes. This has not prevented them and their descendants from feeling proper moral outrage when, under the changed circumstances of the crowded urban environments, latecomers pursued equally ruthless tactics."

Do sociólogo Daniel Bell, citado nessa matéria interessante do Malcolm Gladwell.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O gráfico mais libertino da história?

Está na última The Economist, cuja matéria de capa fala sobre como a internet está liberalizando o comércio de sexo—cortando intermediários, distribuindo informação, tornando toda transação mais segura, etc. A revista analisou 190 mil perfis de um "site internacional de reviews" para montar uma base de dados para a matéria. O grande Alvin Roth provavelmente diria que esse é mais um mercado que está deixando de ser repugnante. De qualquer jeito, vai ser interessante olhar a seção de cartas na semana que vem.



quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Líderes políticos e desempenho econômico

Em tempos de eleição, quando políticos tendem a atribuir a si próprios as conquistas e ao azar ou a "heranças malditas" os fracassos, é interessante ver o que a academia econômica tem feito para definir sucesso econômico e a quem ele cabe. Alguns trabalhos recentes que me parecem pertinentes:

Jones & Olken, de 2005, já é meio clássico: eles usaram episódios de transição política que envolve a morte de líderes como um experimento natural e avaliaram o que ocorre depois com o crescimento do PIB. Encontraram um efeito bastante forte nas autocracias (o exemplo mais evidente é a China depois da morte de Mao), mas não em democracias, o que sugere que nestas outros fatores são mais importantes para explicar variações no crescimento do que a influência de um presidente;

Easterly & Pennings, de 2014, tenta responder a mesma pergunta de Jones & Olken (líderes importam?) usando uma metodologia diferente, que tenta decompor taxas de crescimento e encontrar, isolando fatores específicos ao país e choques aleatórios, a fração que cabe exclusivamente ao líder político. Os resultados sugerem que líderes explicam muito pouco da variação nas taxas de crescimento. Nas palavras deles: "our results are consistent with plausible views of how even seemingly unconstrained autocratic leaders  might find it difficult to exert control over the growth rate of the economy... We find in this paper little reason to believe in “great men” –either benevolent or malevolent – driving the growth process."

Blinder & Watson, de 2013, compara o crescimento econômico nos EUA com presidentes Democratas e Republicanos após a II Guerra: durantes mandatos Democratas, o crescimento anual do PIB foi, em média, 1,8% maior do que em governos Republicanos. A conclusão, porém, é que tal diferença não é produto de políticas diferentes, mas, mais provavelmente, do acaso: Democratas têm mais sorte com os preços de petróleo, choques de produtividade e se beneficiam de algo de profecia autorrealizável alimentada pelo histórico mais favorável.

—Por fim, mas não menos importante: Carrasco, de Mello & Duarte, de 2014, tentam comparar o desempenho de vários indicadores de desenvolvimento econômico no Brasil de 2003 a 2012 com o que poderia ter sido o Brasil com outro governo, este simulado a partir da composição de um grupo de países com características passadas parecidas. A conclusão é que o desempenho brasileiro, medido pela maioria dos indicadores (crescimento, investimento, inflação, redução de pobreza, etc), foi aquém do grupo de comparação—a importante exceção é o mercado de trabalho.

 
L'État, c'est moi?

Se tomarmos esses trabalhos em conjunto, um possível resumo é: (i) em democracias, líderes têm muito menos influência sobre o desempenho econômico do que se costuma supor; (ii) não houve "milagre" no Brasil dos últimos anos, mas sim uma grande oportunidade desperdiçada, com ventos externos muito favoráveis; (i) + (ii) bravatas e acusações de "herança maldita" de um governo anterior específico provavelmente são retórica oca, ao menos no que diz respeito a crescimento, e (iii) copiando o amigo Batata, provavelmente inspirado no Kahneman, o acaso é foda (e também a reversão à média).