quarta-feira, 23 de maio de 2012

Bastiat e as contas externas do Brasil

Provavelmente a citação que os leitores frequentes deste blog estão mais cansados de ver repetida por aqui é a mais famosa do pioneiro liberal Frédéric Bastiat, que diz que o economista deve levar em conta tanto o que se vê quanto o que não se vê. Bem, aqui está ela de novo. Os dados de conta externas do Brasil não podem ser qualificados exatamente como "não vistos" (basta uma meia dúzia de cliques no site do banco central para encontrar as tabelas), mas são frequentemente esquecidos em nome de alguma conveniência ou pura ignorância.

Falou-se muito nos últimos dias que o Brasil está preparado para uma eventual nova crise (em graus que vão de 200% a 300%, dependendo da autoridade consultada), que as condições são melhores que as de 2008, que temos mais reservas internacionais, etc. Neste caso, as reservas internacionais são "o que se vê"; o outro lado é o inevitável passivo externo acumulado no período, posto que o Brasil, desde 2007, deixou de ter superávit em conta corrente. Vejamos os dados:

Notem que ambas as séries estão na mesma escala, e que há um grande espaço em branco na parte de cima do eixo. Desde o final de 2008, as reservas aumentaram em US$ 160 bilhões, enquanto o passivo externo líquido cresceu US$ 450 bilhões. Essa é, a meu ver, a principal fragilidade da economia brasileira, que, ao contrário do que se prega, só aumentou nos últimos anos. Parte significativa desse aumento no passivo externo correspondeu à entrada de investimento estrangeiro direto, que tende a ser mais resiliente a choques globais de curto prazo (desde que, claro, não consista de investimento em carteira disfarçado, para evitar tributação). O restante do financiamento, porém, foi feito via endividamento (privado) e investimento em carteira. Um episódio de aversão a risco poderia provocar saída de parte desse enorme volume de capital e causar uma forte depreciação no câmbio - talvez já estejamos vendo o início desse movimento, com o real tendo perdido neste ano mais de 10% do seu valor contra o dólar durante este ano. Também já disse aqui que a história econômica do Brasil pode ser facilmente contada por meio de suas crises cambiais. Nos últimos anos, fomos levados a acreditar que "desta vez é diferente" e que esse risco estava definitivamente afastado (nossa versão do "fim da história"); não foi preciso nem uma reversão forte nos termos de troca para essa ideia começar a ruir. 

18 comentários:

Delfim Bisnetto disse...

Entre a virada 2008-09 e meados de 2011 o passivo externo mais que triplica...

Algum motivo em especial pra isso?

Drunkeynesian disse...

Aumentaram quase todas as quebras: IED, carteira, empréstimos... Na tabela do BC é fácil de ver:

http://www.bcb.gov.br/?SERIEPIIH

Arthur disse...

A relação reserva / posição internacional de investimento parece ter melhorado na verdade. E a diferença absoluta não parece estar pior, de olhada.

Anônimo disse...

bom, se serve de consolo....temos cambio flutuante (ou quase). soh resta saber como esta o endividamento em USD (sem hedge). acho que essa eh a grande diferença novamente em relaçao a crises anteriores

Drunkeynesian disse...

Artur, no fim de 2008 a relação reservas / posição internacional de investimentos era 0,68, caiu pra 0,48 atuais. A diferença absoluta é a que mencionei no texto: reservas $ 160 bi maiores, passivo $ 450 bi maior.

Drunkeynesian disse...

As companhias aumentaram o endividamento em dólar, mas é difícil saber quanto disso tem hedge. O que me parece muito diferente é que o mercado em 2008 era muito mais alavancado em derivativos (vide Sadia, Aracruz), não acho que vamos ter casos dessa magnitude tão cedo.

Anônimo disse...

casos como sadia e aracruz de fato nao parecem ser o stress dessa vez. china, e europa provavelmente. Mas comentaristas internacionais estao exagerando um pouco em relacao ao link brasil comodities. acho q eles nunca olharam qual o percentual do comercio exterior no nosso pib. Claro, que se eles quiserem conversar sobre o esgotamento do modelo de crescimento via credito-consumo, ok...ai sim. p/ falar a verdade a merda toda foi colocar o nosso B nos Brics. pessoas agora acham q o brasil deveriam crescer como a china. por favor, olhem para o brasil na decada de 70. por favor estudem Solow!!!

Drunkeynesian disse...

De fato é estapafúrdio comparar os casos de Brasil com China. Mas não acho que um problema cambial teria pouco impacto na economia. Justamente pelo comércio exterior ser pequeno com relação ao PIB, os ajustes no setor externo são mais difíceis. E o Brasil passou tantos anos com o câmbio apreciando e termos de troca melhorando que, pra colocar de um jeito meio tosco, o setup do país vai ter dificuldades pra se adaptar a uma nova conjuntura. Nada que não tenhamos feito diversas vezes na história, porém. A vida fica mais difícil, mas o país não desmorona.

Delfim Bisnetto disse...

Opa, valeu pelo link do BC...

Mas a pergunta era sobre o que teria atraído tanto capital especificamente para o Brasil? Acho que a Argentina, por exemplo, não deve ter esse problema...

A falsa euforia dos BRICs como último refúgio de crescimento + um monte de dólares ociosos pelo mundo + nossa configuração específica de política monetária e cambial?

Algo mais?

Drunkeynesian disse...

Essa combinação que você mencionou parece correta. Brasil por um bom tempo foi visto como capaz de capturar o crescimento da China, com juros altos, câmbio robusto e ambiente de negócios se não maravilhoso, pelo menos não hostil. Pra pegar um caso meio emblemático: há uns meses o presidente (ou CFO, não lembro direito agora) da Coca-Cola falou que estava aplicando parte do caixa da companhia no Brasil.

Anônimo disse...

Nao se esqueça que o passivo externo eh crise-ajustavel. Vide 2008. Em momentos de crise o passivo cai fortemente por causa da desvalorização dos ativos de estrangeiros em reais e também por causa da desvalorização cambial. O mesmo nao ocorre com as reservas.

Anônimo disse...

Seria interessante ver qual foi o aumento do estoque do capital especulativo em ações e renda fixa. Esses mulambos, se repetirem o feito em 2008, não resgatarão muito. Naquela ocasião o dito estoque era equivalente às reservas (acho que $ 240 bilhões na época). Resgataram apenas U$ 17 bilhões e o estoque caiu para U$ 120 bilhões em dez/08 com as depreciações do Real e das ações.

p disse...

Para quem acredita em simbolismo, parece um iceberg o gráfico

Drunkeynesian disse...

Tem essa quebra na mesma tabela que indiquei acima. Alguém tinha comentado (e o blogger ignorou) que o passivo é auto-ajustável, já que os ativos em real se desvalorizam na crise - ótimo ponto.

Tudo isso dito, o recado é o mesmo: há algum tempo as reservas não são fruto de superávits. Muito do aumento de reservas pode se provar ilusório em caso de uma saída de capital. Não estamos em condições melhores que em 2008.

Angelo disse...

Não tá melhor que 2008, mas tá parecido.. A desvalorização é fruto da crise, como em 2008, acredito que seja passageira. Tudo depende do climax dessa nova-velha crise.

Paulo Simões Diniz disse...

Esta posição de investimento é o passivo externo bruto? Se for, não bate com a posição do Banco Central.

Drunkeynesian disse...

É o líquido, passivos - ativos.

Alex disse...

Um ponto importante é o descasamento de moedas. "Devemos" em reais (IED, portfólio local) e somos credores em moeda estrangeira, i.e., a desvalorização do real erode passivos (não todos, é claro), mas mantém ativos inalterados em USD.

De qualquer forma, é necessário fazer a conta...