domingo, 27 de maio de 2012

O dia de fúria de Lagarde

Algumas das frases do ano, até agora, na entrevista da diretora geral do FMI para o Guardian (grandes méritos para a entrevistadora, Decca Aitkenhead):


Asked whether she is able to block out of her mind the mothers unable to get access to midwives or patients unable to obtain life-saving drugs, Lagarde replies: "I think more of the little kids from a school in a little village in Niger who get teaching two hours a day, sharing one chair for three of them, and who are very keen to get an education. I have them in my mind all the time. Because I think they need even more help than the people in Athens."


Lagarde, predicting that the debt crisis has yet to run its course, adds: "Do you know what? As far as Athens is concerned, I also think about all those people who are trying to escape tax all the time. All these people in Greece who are trying to escape tax." She says she thinks "equally" about Greeks deprived of public services and Greek citizens not paying their tax.


"I think they should also help themselves collectively." Asked how, she replies: "By all paying their tax."


Asked if she is essentially saying to the Greeks and others in Europe that they have had a nice time and it is now payback time, she responds: "That's right."


(...)



In her interview Lagarde says Greece is not getting softer treatment than a poor country in the developing world, and that the IMF does not find it harder to impose strong conditions on a rich nation.


"No, it's not harder. No. Because it's the mission of the fund, and it's my job to say the truth, whoever it is across the table. And I tell you something: it's sometimes harder to tell the government of low-income countries, where people live on $3,000, $4,000 or $5,000 per capita per year, to actually strengthen the budget and reduce the deficit. Because I know what it means in terms of welfare programmes and support for the poor. It has much bigger ramifications."

Talvez tenha faltado algum tato na escolha das palavras e medida do impacto desse tipo de declaração (além, claro, dos problemas com a generalização dos hábitos tributários da população de um país inteiro). Mesmo pesando isso, acho que é exatamente esse tipo de postura que falta em políticos quando se discute a crise: essa é linguagem para adultos, sem dissimulação ou promessas impossíveis de serem cumpridas. O FMI está longe de ser uma entidade filantrópica, representa interesses e defende uma certa visão de política econômica. Que os eleitores envolvidos informem-se e tomem a decisão que julgarem mais adequada, pesando as consequências associadas. Declarações desse tipo ajudam nessa tarefa, mas tem sido tão raras que devem ser celebradas. Bien fait, madame Lagarde.

A última pergunta da entrevista foi menos destacada, mas também merece registro:

I try once more. When history books are written about the financial crisis, they will say it began in 2008. What date will they give for its end? "Hmm, after the hyphen? After 2008? Two thousand," she says firmly. How odd, I think – her English is perfect, but she must have misunderstood the question. I ask again, but she is laughing. There was no misunderstanding.


"Well, I'm sure about the first two digits: 20. But I'm not sure about the last two digits."

7 comentários:

Bruno Silva disse...

Políticos nunca teriam a coragem de utilizar esta linguagem ou tratar o seu povo como adultos pois depende de voto para se reeleger.

O que diga se de passagem é patético, e é mais um dos subprodutos danosos que a democracia nos trás.

"O" Anonimo disse...

A Lagarde está defendendo seu emprego. Foi ela quem emprestou para a Grécia quando não deveria.

Alex Catarino disse...

Claro que os políticos deviam dizer a verdade (salvo algumas exceções estratégicas) ao povo, mas que a digam no momento certo. No caso grego isso seria antes das eleições que levaram o PASOK ao poder em Outubro de 2009... talvez o povo grego tivesse feito um referendo, saído do euro de forma ordenada e ter desfrutado da desvalorização da sua nova moeda para não destruir sua economia.
O desabafo de Lagarde é o mesmo que chutar cachorro morto. E ela só faz isso agora quando os gregos já não estão a fim de seguir a cartilha do FMI. Onde estava a coragem de Lagarde em Junho de 2011 quando ela assumiu o FMI? Ou melhor, quando era candidata a esse cargo?

Drunkeynesian disse...

"O", quando ela assumiu o FMI já não tinha muito o que fazer, não? Perto do dinheiro que já tinha entrado na Grécia "indevidamente" pela UE, a contribuição do FMI foi pequena.

Alex, não acho que exista algo como "saída do euro de forma ordenada". De qualquer forma, você tem razão quando diz que haveria horas melhores pra ela falar. Ainda assim, mesmo atrasada, ela é das poucas a colocar as coisas como são, esse é o crédito que estou dando.

Consta que o eleitorado da Grécia vai dar um passo atrás na opção pelo radicalismo feita nas primeiras eleições. Não se o quanto esse tipo de declaração tem influência. Também não sei o quanto os gregos têm real ideia da escolha que estão fazendo.

Alex Catarino disse...

Eu estou parafraseando Christine Lagarde no que diz respeito ao termo "saída ordenada do euro" (http://goo.gl/r07KE). ;-)

Eu entendo e concordo com a sua visão de tratar as pessoas como adultos, mas os Gregos estão claramente em estado de choque (faz lembrar o livro de Naomi Klein): por um lado não querem austeridade e por outro não querem sair do euro. Então, está na hora de os tirar do estado de choque e lhes dar uma oportunidade para se recompor.

Não sei se posso concordar com a noção de que os Gregos dão um passo atrás se optaram pelos partidos que não sejam do centrão. Como é que um cidadão Grego, mesmo em plena consciência, pode votar no Nova Democracia (que cozinhou os números do défice) ou no PASOK (que mentiu em relação aos planos de austeridade)? Eles estão num mato sem cachorro...

Drunkeynesian disse...

Hahahaha, bem apontado... deixemos ela se enganar.

As opções para os gregos parecem entre o ruim e o muito ruim. Dos gregos que parecem sensatos que andei lendo, todos acham que PASOK e Nova Democracia são ruins, mas entregar o governo para os radicais seria abrir uma Caixa de Pandora.

De qualquer maneira, eu achei que já nessas eleições iria aparecer um partido defendendo com todas as letras sair do euro e dar um novo calote na dívida, e que essa bandeira iria atrair uma parcela importante do eleitorado. O passo para trás foi nesse sentido (sem nenhum julgamento de estar certo ou errado): flertaram com o radicalismo (ainda que não tão explícito como descrevi) e estão recuando para uma opção mais moderada, com todos os problemas que tem (alguém vai dizer que ao menos esses problemas são conhecidos).

Frank disse...

eu tb admiro essas declarações adultas, mas vamos reconhecer: é + fácil para quem não depende da "escolha popular"...