terça-feira, 7 de julho de 2015

O que aprendi no mestrado

Estou há uns 3 meses enrolando pra escrever este post, que deve servir tanto para compartilhar um pouco da minha experiência com os nobres leitores quanto como um longo epitáfio para esses dois últimos anos. Agora que (temporariamente) acabaram minhas desculpas para falta de tempo livre, aqui estamos. Parte da enrolação também é devida à minha completa inabilidade de conseguir olhar para o passado em transições—vamos ver como me saio aqui.

Um bom resumo de tudo é este cartum do SMBC:

O mestrado me empurrou ladeira abaixo do "Mount Stupid" em muita coisa que eu achava que "sabia" (o sumiço do blog é, em parte, consequência disso). É muito difícil encontrar algo pra falar sobre um assunto que: i.você domina bem a ponto de saber que o básico já foi dito em outro lugar, ii. você não tem conhecimento suficiente para dizer algo que passe pelo seu novo filtro de autocrítica e, iii. você sabe de um monte de gente que escreveria melhor e com mais propriedade. Outra dificuldade associada é descer do nível de rigor e abstração que a academia impõe, que em grande medida não serve para o tal "mundo real" (i.e., a maioria dos empregos), nem para tocar um blog de público mais amplo. Acho que com o tempo vou achando um novo equilíbrio e me soltando, mas quando eu desandar a falar muito sobre qualquer coisa, tenham em mente que é mais provável que eu esteja no topo do tal Mount Stupid. 

Outras observações mais leves e, talvez, mais úteis (vou completando ao longo do tempo):

—Um outro lado do que disse acima talvez seja a tal "humildade epistêmica": saber mais sobre o tamanho do corpo de conhecimento sobre determinado assunto e a quantidade de incertezas que o cercam é o equivalente mental a levar uma surra daquele baixinho de quem você subestimou a força e chamou pra briga.

—Nessa linha, claro que a minha antibiblioteca aumentou muito por lá.

—A academia americana é muito mais generosa do que eu imaginava, pelo menos para quem consegue passar do portão. A grande maioria dos professores está disposta a gastar muito tempo com alunos, seja abrindo espaço na agenda para reuniões, respondendo e-mails ou compartilhando papers, bases de dados, códigos, etc. Um paraíso comparado ao clima de torre de marfim que predomina em alguns departamentos aqui no Brasil. Claro que alguns egos são de fato enormes e subindo na cadeia alimentar o clima talvez não seja assim tão amistoso, mas, no geral, até os professores mais famosos são acessíveis e dispostos a colaborar. No fim das contas, acho que tudo aquilo depende de uma troca incessante de ideias, e quem se isola tende a sair perdendo.

—Não dá para, hoje em dia, ser cientista social empiricista e não saber lidar com volumes colossais de dados, tanto para extrair informação e testar hipóteses quanto para gerar visualizações convincentes. Na maioria dos meus cursos usamos Stata, que é bem amigável e relativamente poderoso, mas não chega perto da fronteira. Jovens, aproveitem os neurônios frescos para aprender logo R ou Python. E a fronteira de verdade, mesmo em ciência política, está em machine learning.

—Definições são extremamente importantes, sobretudo se você não vai usar matemática para expressar seu raciocínio. O que pode parecer neutro e preciso muitas vezes carrega juízos de valor, ideologias e um monte de premissas implícitas. Sempre é bom procurar saber o que o autor quer dizer com termos que são contestáveis—muitas vezes percebe-se que ele próprio não sabe. Nessa linha, o Politics and the English Language, do Orwell, merece ser relido regularmente.

—Os trade-offs saber fazer conta/ter bom raciocínio lógico e analítico x escrever bem/ser criativo/ser articulado não existem (isso eu já deveria saber). A separação dessas habilidades é coisa da preguiça intelectual daqui, ou: dá para negligenciar totalmente um lado se você for um artista genial ou um teórico brilhante, mas para nós, mortais, é muito melhor quando os dois lados se completam.

—Muitas conclusões "definitivas" e pseudocientíficas são tiradas a partir de amostras muito pequenas. Identificação causal em ciências sociais é um pesadelo.

—A boa política pública, aprendemos, deve ser tecnicamente correta, administrativamente factível e politicamente apoiável (esta é a santíssima trindade da Kennedy School). Calculem aí o quanto é difícil fazer isso em contextos de falta de mão de obra qualificada, interesses de pequenos grupos infiltrados há séculos na política e falta de capacidade de implementação do estado. Vivemos condenados a um mundo de "second" (ou "third", "fourth"...) bests.

—Microeconomia é muito mais legal (e difícil) do que eu sempre achei—cortesia tanto da minha ignorância quanto de uma horrenda geração de professores da FEA-USP.

—E, já que é pra falar mal da alma mater: é incrível notar como a USP transforma(va?) uma geração de bons estudantes (privilegiados, claro, mas tantos outros privilegiados não passavam no vestibular) em vagabundos desinteressados, e como uma universidade excelente faz algo totalmente diferente. A maioria dos meus colegas da Poli e da FEA não é menos "inteligente" que meus colegas de Harvard, mas a maioria teve trajetórias acadêmicas medíocres e enormes potenciais frustrados ou adiados, em grande medida, creio, por um sistema de incentivos que não leva o aluno a querer aprender e perseguir seus interesses. Também é chocante notar que é muito mais fácil encontrar alunos negros em Harvard do que em algumas das unidades da USP.

Tenho um monte de outras observações de caipira brasileiro deslumbrado com os EUA, mas vou poupá-los delas. Em um post futuro, falarei mais sobre o programa de mestrado que cursei.