domingo, 28 de outubro de 2007

Desserviço ao Brasil, parte 2

Antônio Ermírio de Moraes é, sem dúvida, um dos maiores capitalistas do Brasil. Seu império (o grupo Votorantim) engloba empresas de cimento, celulose, metais, logística, e mais alguns setores. A figura de Antônio Ermírio, com seus ternos velhos e mal-cortados é um símbolo do "Brasil que dá certo", do empresário que sempre confiou no país e foi recompensado por isso com uma fortuna de alguns bilhões de reais.

Hoje, em sua coluna semanal na Folha de São Paulo, Antônio Ermírio comenta o texto que comentei no texto abaixo. O título da coluna é "A festa dos especuladores", de onde se pode facilmente inferir o conteúdo. Alguns trechos: "Com inflação ou sem inflação, eles (os especuladores) sempre fazem rodar a seu favor a nefasta ciranda financeira."; "Os brasileiros precisam de empregos, atenção às crianças, saúde bem cuidada e segurança individual. De que forma os especuladores colaboram para esses objetivos?".

Eu já critiquei os argumentos do texto original, e fico decepcionado ao ver um grande empresário embarcando nesse tipo de discurso retrógrado. Interessante também é constatar que Antônio Ermírio de Moraes pode ser demagogo, mas não é burro: o grupo Votorantim também atua no mercado financeiro, por meio de um agressivo banco de investimentos, uma gestora de recursos e uma financeira (posso estar esquecendo mais algum negócio), em busca dos lucros advindos da "ciranda financeira" brasileira. Creio já ter ouvido falar que Moraes teria vergonha dessas companhias, mas até onde se sabe elas seguem lucrativas e sem planos de serem vendidas ou desativadas.

Na prática, os estrangeiros vão continuar aplicando em títulos do Brasil enquanto os juros que pagamos pela nossa dívida pública continuem, ajustados pelo risco, brutalmente maiores do que os de outros países. As razões por trás deste fenômeno preencheriam vários livros, mas creio que resta pouca dúvida de que essas razões incluem o nosso estado glutão e ineficiente. Diminuindo o déficit nominal (a diferença entre o que o governo arrecada e gasta, incluindo o serviço da dívida), teríamos menor oferta de títulos para uma determinada demanda, forçando juros menores. Se a meta de inflação tivesse sido reduzida para 4% neste ano, em teoria teríamos juros de equilíbrio 0,5% menores (afinal, juros futuros podem ser decompostos, grosso modo, em juros reais + expectativa de inflação + prêmio de risco). Enfim, o que não se vê é que os juros altos e a "ciranda financeira" são um efeito colateral do modelo econômico que o Brasil resolveu seguir. O resto é conversa mole.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Desserviço ao Brasil

Eu sou leitor da Folha de São Paulo desde que me entendo por gente (talvez até antes disso). E, como sabemos, uma vez que algo vira hábito, é difícil livrar-se dele. Mas, além do hábito, ainda acho que a Folha é um bom jornal, com bons colunistas, matérias pertinentes e alguns bons editoriais. O que, às vezes, me dá vontade de parar de ler a Folha são as suas visões do século retrasado. Hoje, por exemplo, a manchete principal (da capa, não só do caderno de economia) diz que "Estrangeiro lucra o dobro com dívida do governo". Dois fatores explicam esse "fenômeno": a valorização do real e a isenção de imposto de renda para os investidores não-residentes. Isso não deveria ser novidade para ninguém que acompanha minimamente o mercado financeiro: quando o estrangeiro compra um título brasileiro, além dos riscos de crédito e de juros, ele toma também um risco de moeda, que pode ou não ser neutralizado com uma outra operação (hedge). Como o hedge tem um custo não desprezível, e a tendência da moeda tem sido de valorização, a maioria dos investidores opta por carregar esse risco. Da mesma forma, se o real se desvalorizasse, os investidores teriam parte dos seus ganhos corroídos - e duvido que a Folha noticiaria algo do tipo "Estrangeiro lucra a metade com dívida do governo".

Já a isenção do IR faz parte da política de administração da dívida. Vários estudos (posso indicar um da ANDIMA, disponível aqui) mostram que, no caso de países como o Brasil, a abertura do mercado de dívida pública para estrangeiros ajuda a melhorar o perfil da dívida, tanto em sua composição (a divisão entre títulos pós-fixados, pré-fixados e indexados à inflação) quanto em sua duração (estrangeiros tendem a preferir títulos mais longos). A isenção do IR, nesse contexto, é um incentivo para a entrada de capital estrangeiro, o que facilita o gerenciamento da dívida e acelera a convergência para uma estrutura ótima para os passivos do país (traduzindo, outros estudos indicam uma composição ótima da dívida - onde a evolução dos passivos do país, a dívida, é compatível com a evolução dos seus ativos, basicamente a arrecadação de impostos).

Ao dar destaque para o que não deveria ser notícia, a Folha contraria a sua premissa ("Um jornal a serviço do Brasil", é o que se lê no topo da primeira página de cada edição) e alimenta as visões mais toscas de repúdio ao capitalismo global - as do tipo "capital estrangeiro prejudica o país, estrangeiros tem lucro fácil". Infelizmente, em certa medida, parece ser esse tipo de visão que predomina na edição do maior jornal do Brasil. Tanto pior para o país.

domingo, 21 de outubro de 2007

Kippis, Kimi!

Este humilde blog etílico-econômico rende uma homenagem ao mais bêbado dos pilotos de Formula 1 e atual campeão mundial, o finlandês Kimi Raikkonen. Uma vodka on the rocks para o homem de gelo!

Pois é, economia, que é bom, nada. Mas hoje é domingo...

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Quem tem medo do lobo mau?

Estou há um tempo para escrever um texto maior sobre isso (tentarei fazê-lo no final de semana), mas, como aperitivo, devo dizer que o governo está matando cachorro a grito para não perder a receita-molezinha da CPMF. Ontem, o presidente em exercício (enquanto Lula flana pela África) disse: "É claro que todas as pessoas são contra essa CPMF, mas todos compreendem que é preciso que se cuide do Orçamento da União para evitar qualquer problema ligado a retorno da inflação. Porque desequilíbrio orçamentário significa abrir espaço para a inflação voltar. E nós não queremos isso".

Para ficar no monetarismo mais rasteiro, de estudante de economia de primeiro semestre, inflação é sinônimo de moeda em excesso. Ou seja, um problema orçamentário só se traduz em inflação se o governo optar por resolvê-lo do jeito mais primitivo possível: imprimindo dinheiro. O Brasil cansou de fazer isso, há alguns anos. Ouvir de um membro da alta cúpula do governo que existe a possibilidade de isso voltar a ocorrer, por mais que eu saiba que seja uma ameaça vazia e grosseira, me dá vontade de bater a cabeça na quina da mesa.

Para quem assina a Folha: Inflação vai voltar sem o tributo, diz Alencar

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Chuck Norris aplicado ao mercado financeiro

Acredito que quase a totalidade dos que estavam ligados na internet nos últimos meses testemunhou a ressurreição gloriosa de Chuck Norris por meio dos hilários "Chuck Norris Facts". Pois bem: demorou, mas Chuck Norris chegou ao mercado financeiro. Enquanto estava de férias, recebi um e-mail com a aplicação do homem que já contou até infinito duas vezes para o dia-a-dia dos neuróticos que acompanham o vai e vem da economia e dos mercados mundiais. Piada nerd, da qual a maioria da população não vai achar a menor graça, mas eu achei excelente, e o blog é para isso, mesmo. Enfim, aí vão os "Chuck Norris Facts" para o mercado financeiro - tradução livre minha:

  • Chuck Norris não persegue metas para a inflação. Ele as chuta até que implorem piedade.
  • O dólar de Chuck Norris compra 3 dólares canadenses e opera em paridade com o euro.
  • As lágrimas de Chuck Norris proveriam liquidez suficiente para resolver a crise de crédito. Pena que ele nunca chora.
  • Quando a taxa de um título de renda fixa do Chuck Norris sobe, o preço também sobe. (esta é MUITO nerd).
  • Chuck Norris opera em ganância e medo simultaneamente.
  • Alan Greenspan chama Chuck Norris de "O Maestro".
  • Chuck Norris já recebeu o seu pagamento de dividendos da Northern Rock Plc.
  • Chuck Norris se financia a LIBOR careca.
  • Chuck Norris Asset Management ganhou 50% no seu fundo de títulos lastreados em hipotecas subprime no último mês.
  • Chuck Norris não toma emprestado na janela de redesconto do Fed. Chuck Norris empresta na janela de redesconto.
  • As curvas de juros de Chuck Norris nunca se invertem.
  • A receita líquida do Goldman Sachs subiu 79% no terceiro trimestre; o lucro da Chuck Norris Securities subiu 80%.
  • Não há um regulador de mercados. Apenas uma lista de ativos que Chuck Norris permite que sejam negociados.
  • O iPhone de Chuck Norris nunca precisa ser recarregado.
  • Chuck Norris não compra ouro para se proteger contra inflação. O ouro compra Chuck Norris para se proteger contra inflação.
  • Chuck Norris cobra uma taxa de penalidade para empréstimos ao Banco da Inglaterra. E garante seus depósitos.
  • Chuck Norris é o piloto que Ben Bernanke chama quando quer inundar a economia com notas de dólar. Às vezes, Chuck Norris recusa-se a voar.
  • Chuck Norris não faz marcação a mercado. O mercado se marca a Chuck Norris.
  • Quando a economia americana espirra, o mundo pega um resfriado. Quando Chuck Norris espirra, a economia americana pega pneumonia.
  • Quando Chuck Norris te oferece um preço, não é uma oferta; é uma obrigação para comprar.
  • Chuck Norris não é um "market maker"; ele É o mercado.
  • Chuck Norris ainda consegue uma hipoteca de 125% de uma casa de 2 milhões de dólares sem comprovar renda.
  • Os títulos lastreados em hipotecas subprime de Chuck Norris ainda operam a 100% do valor de face.
  • Chuck Norris tem um superávit comercial com a China.

Via Mark Gilbert, da Bloomberg.

A triste volta ao trabalho e o aniversário da Segunda-Feira Negra

Depois de quase três semanas de vida mansa, a volta ao trabalho é sempre dura. Principalmente vindo direto para um emprego novo, mudando de um banco gigantesco para uma empresa pequena e recém-nascida. Uma das minhas citações favoritas de Keynes, que está na introdução da famosíssima "Teoria Geral" é: "The difficulty lies, not in the new ideas, but in escaping from the old ones, which ramify, for those brought up as most of us have been, into every corner of our minds." (algo como "A dificuldade está não em criar novas idéias, mas em escapar das antigas."). Espero que, como o próprio patrono deste humilde blog, eu consiga superar esse obstáculo em breve.

Tenho vários assuntos para dar palpites. Para começar, esta semana (dia 19) teremos aniversário de 20 anos da famosa Segunda-Feira Negra, o fatídico dia em que a bolsa americana (medida pelo índice Dow Jones) teve a maior queda da história, vertiginosos 22,6% em um único pregão. Essa foi a prova de fogo para Alan Greenspan, que tinha assumido o Fed pouco mais de um mês antes. Como toda boa crise financeira, a Segunda-Feira Negra ainda não tem uma explicação definitiva, mas entrou para a história como mais uma prova de que mercados financeiros podem, às vezes, esconder qualquer indício de racionalidade e agir puramente em função do pânico.

A mídia deve, nos próximos dias, fazer um festival de cobertura por conta dessa data; por enquanto, fique com a compilação feita pelo The Big Picture (infelizmente, só em inglês; quando eu achar algo interessante em português, colocarei aqui).

Vou tentar atualizar os demais assuntos nos próximos dias. Fiquem ligados!

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Férias, doces férias

Este humilde escriba tirará alguns dias de férias, voltando no próximo dia 15. Voltará com material para uma análise empírica da economia do velho continente, a la o clássico de Jason Vieira. Que o dólar continue barato até lá!

Não leve BRIC muito a sério

O termo BRIC (acrônimo para Brasil, Rússia, Índia e China) foi, antes de tudo, um achado de marketing do banco Goldman Sachs, para denominar as economias que, segundo eles, estarão entre (note: não serão) as economias mais dominantes do mundo em 2050. A comparação deveria parar por aí, já que a estrutura das economias desses países e os desafios de desenvolvimento que eles terão nos próximos anos são tão diferentes entre si quanto um saca-rolhas de um iPod. Simplificando um pouco, o Brasil precisa melhorar drasticamente sua educação, abrir sua economia (temos o mesmo nível de abertura - a soma de exportações e importações como percentual do PIB - de Cuba!), investir mais (principalmente em infraestrutura) e diminuir o tamanho paquidérmico do estado; a Rússia terá de lidar com uma população que se reduzirá a um ritmo de 0,5% ao ano (até 2025, segundo o U.S. Census Bureau, o país terá perdido cerca de 13 milhões de habitantes) e uma economia dependente de receitas de petróleo e gás natural; a Índia terá que incrementar uma série de indicadores de desenvolvimento, como o IDH (o menor, disparado, entre os BRICs e a um Oceano Pacífico dos países desenvolvidos); e a China vai se ver obrigada a resolver pelo menos algumas de suas imensas aberrações econômicas, políticas, sociais e ambientais, que só devem se agravar após os longos anos de crescimento explosivo. Enfim, como dito acima, o nome BRIC deve ser visto como uma simples jogada de marketing, e não como um "conceito" ou um grupo coeso de países - por isso acho simplesmente estéreis as discussões que às vezes aparecem tentando concluir se o Brasil é ou não um "BRIC". É, pois a Goldman Sachs assim o quis, ponto final.

Na Assembléia Geral da ONU, que está sendo realizada em Nova York, nosso chanceler disse que quer transformar o BRIC em uma "oportunidade política de diálogo". É claro que o escopo da diplomacia vai além da economia, mas não dá para não usar este episódio para pensar na completa distorção de prioridades de comércio internacional no Itamaraty. Enquanto o Chile e o Peru, para citar dois exemplos próximos geograficamente, arquitetaram importantes acordos de livre comércio (o Chile possui esses acordos com países que, somados, representam mais da metade do PIB mundial), o Brasil preocupou-se em multiplicar seu comércio com Gâmbia, Guiné Bissau e Angola, mantendo sua economia fechada e pouco exposta à concorrência internacional. Ganham algumas indústrias ineficientes e sem vantagens comparativas, que conseguem vender seus bens internamente mesmo não sendo competitivas globalmente; perde o consumidor, que paga mais por produtos de qualidade muitas vezes inferior aos similares em outros países. O "diálogo" com os BRICs vai ter efeito nulo para o brasileiro médio, será uma perda de tempo para um país que ainda tem tantas coisas básicas para melhorar.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

BM&F, a jóia da coroa

A Agência Estado noticia que a Bolsa de Chicago, que faz parte do CME Group (surgido da união de duas das maiores bolsas de derivativos e commodities do mundo, a Chicago Board of Trade - CBOT - e a Chicago Mercantile Exchange - CME), negou-se a comentar os rumores de uma possível troca de patrimônio com a BM&F. O negócio consistiria na troca de 10% da BM&F por 2,5% da bolsa americana. Ontem a assembléia da BMF aprovou uma desmutualização de patrimônio (o fim do privilégio de propriedade da bolsa para um pequeno número de detentores de títulos), que culminará na venda de R$ 1 bilhão da BM&F para a General Atlantic, uma empresa de growth equity baseada em Connecticut.

Muito já se falava de uma abertura de capital da BM&F, e as notícias acima sinalizam que esse processo já está bastante avançado. Há uma tendência global de fusões e aquisições entre bolsas (a união das bolsas de Chicago mencionada acima é um bom exemplo disso), e não haveria porque a BM&F ficar de fora. A BM&F é a quinta maior bolsa de derivativos (em volume negociado, veja o gráfico abaixo) do mundo, opera com grande eficiência, possui uma variedade muito atrativa de produtos e já passou por diversos (e severos) testes de choque. Somando a isso o potencial de crescimento e diversificação dos mercados financeiros no Brasil, temos na BM&F um alvo extremamente atrativo para investimentos estrangeiros.



Como em qualquer setor, a abertura de capital das bolsas brasileiras (comenta-se que a Bovespa também deve abrir o capital até o final deste ano) deve ser comemorada. O aumento da base de investidores e o adequamento às regras de boa governança devem trazer mais transparência e eficiência para as operações. Além disso, a aquisição de parte dessas bolsas por alguma bolsa estrangeira pode viabilizar a comercialização no Brasil de diversos produtos financeiros atualmente indisponíveis localmente, o que aumentaria a possibilidade de diversificação das carteiras de bancos, fundos e pessoas físicas. É torcer para que querelas jurídicas (a assembléia da BM&F mencionada acima parece já ter sido suspendida por uma liminar na justiça) e visões retrógradas e protecionistas não atrapalhem essa evolução.


Para os interessados no assunto, recomendo uma matéria publicada recentemente na onipresente The Economist.

* Por algum motivo, o Blogger não aceita o "&" nos marcadores, por isso o aportuguesamento de M&A. Até que não ficou ruim...

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

UBS Pactual domina o "sell-side"

O ranking anual da revista Institutional Investor é a maior fonte de combustível para a fogueira das vaidades dos analistas de ações, macroeconomia e renda fixa das corretoras de valores que operam no Brasil. O ranking é construído com votos de investidores institucionais (ou seja, bancos, fundos, seguradoras, etc), o chamado "buy-side", para esses analistas das corretoras (o "sell-side"). A presença no ranking é muito cobrada em algumas instituições, e é uma grande fonte de prestígio, exposição e, mais importante, dinheiro no bolso do analista.

Explicações feitas, neste ano o UBS Pactual não deixou muito espaço para a concorrência. Se o UBS já tinha uma equipe prestigiada (foi o segundo do ranking geral em 2006), a fusão com o Pactual (o líder do ano passado) resultou em um time difícil de ser batido. O UBS Pactual arrematou oito dos doze primeiros lugares nos setores, liderando o ranking ponderado com larga vantagem sobre o Credit Suisse, segundo colocado.

Entretanto, o ranking deste ano apresenta várias distorções: por conta da dança das cadeiras que dominou o mercado entre o final do ano passado e o primeiro semestre deste ano, diversos nomes fortes não receberam votos. Além disso, muitos votos levaram em conta a situação do mercado antes da fusão da compra do Pactual pelo UBS, o que fez com que, em diversas categorias, dois analistas atualmente na mesma instituição aparecessem entre os três indicados. A disputa em 2008, com um mercado mais consolidado, novos players e analistas estabelecidos há algum tempo promete ser bem mais interessante.

A sombra de Greenspan

Após a decisão de ontem do FOMC, é difícil não pensar que o Fed ainda vai demorar um bom tempo para sair da sombra de Alan Greenspan - cujos editores, por sorte ou oportunismo, optaram por lançar "A era da turbulência", sua biografia oficial, exatamente no dia anterior da decisão de política monetária mais importante dos últimos anos. A impressão que se tinha, reforçada pelo discurso de Ben Bernanke na conferência de Jackson Hole* (onde ele afirmou que "não é responsabilidade do Fed - nem seria apropriado - proteger fornecedores de crédito e investidores das consequências de suas decisões financeiras), é que o Fed atual queria acabar com a chamada "Greenspan Put", a impressão dos agentes de que, depois de uma determinada queda nos preços de ativos, o Fed sempre correria para socorrer os mercados, como se os ativos carregassem uma opção de venda implícita, ou, em outras palavras, um limite para suas desvalorizações. Com o corte de 0,5% na taxa básica de juros, por mais que este seja futuramente justificado pela fraqueza da economia americana, a impressão que se tem é que a "Greenspan Put" continua viva e muito bem, obrigado.

Muito já se falou que esse comportamento assimétrico do Fed - deixar que preços de ativos se valorizem livremente e, quando essa valorização começar a se reverter, cortar os juros rapidamente - estimula a criação de bolhas. Embora eu não concorde com essa noção (não acho que seja papel de um banco central se preocupar com preços de ativos, e tenho dúvidas que um estouro de bolha induzido seja menos danoso do que quando este ocorre de forma natural), a impressão que tenho é que ou o Fed ou os mercados estão cometendo um grave erro de leitura da conjuntura atual: uma economia americana que precisa de um corte de meio ponto percentual nos juros básicos parece estar sob um risco considerável de recessão (visão do Fed), o que não condiz com o S&P 500 a apenas 1,7% de sua máxima histórica. Ou seja, os próximos dados econômicos ou corroborarão a festa dos mercados por conta da antecipação da queda dos Fed Funds em direção a sua taxa neutra (que deve ser algo em torno de 4%, pela regra de Taylor) ou darão razão ao Fed e trarão mais turbulência para os preços de ativos. Façam suas apostas.


* Impressionante a capacidade de síntese e de criar termos pomposos da língua inglesa. Imagine se o banco central brasileiro resolvesse promover uma conferência em um lugar chamado "Buraco do Filho do Zé".

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Pérola do dia

De um dos maiores çábios do nosso governo, o ministro Guido "Magda" Mantega (falaremos muito dele aqui):

O ministro Guido Mantega recomendou aos brasileiros que passem a ler publicações internacionais, "como a revista britânica "The Economist'", que falam bem do Brasil. Segundo ele, as avaliações sobre a economia do país publicadas na mídia brasileira e realizadas pelos analistas financeiros domésticos estariam "contaminadas" pelo que ele chamou de "doença do niilismo".

Sem comentar o nojento lado stalinista da declaração, será que o ministro sabe ler em inglês?


Algumas frases pinçadas de matérias recentes da The Economist sobre o Brasil:

Sobre a visita de um correspondente da revista às obras da hidrelétrica do rio Madeira:

"I leave wondering if the dams can be built on time. Most big projects here run over deadline and over budget. Brazil’s activists, though not as powerful as the big companies arrayed against them, have shown creativity in their campaigns, using occupations, hunger strikes and the like. If the dams are not completed, Brazil faces a serious prospect of electricity rationing, as happened in 2001. Rationing may be necessary even before the dams’ scheduled completion in 2012."

Comentando a morte de ACM:

"But Brazil is not yet free of the influence of African-style “big men”. In the more backward parts of the country, personality and patronage can still trump ideology and organisation. The party system is weak, with 21 different parties represented in Congress. Legislators regularly switch between them."

Logo após o acidente da TAM, em Julho:

"The aviation situation is a serious problem in and of itself, damaging to the economy, the government’s credibility and to Brazil’s image abroad. Beyond that, it highlights the wider issues of inadequate infrastructure and problematic regulatory environments that affect other areas of the economy."

Sobre corrupção:

"The costs of corruption are huge. One study found that in districts with fewer than 450,000 inhabitants—90% of the total—a tenth of the money transferred by the federal government was gobbled up by graft. "

Sobre o imobilismo do governo:

"The government seems trapped in torpidity. Six months into his second term, Lula has just completed his cabinet, adding a 37th minister—one for “strategic planning”. But what are all these ministers for? The government's agenda is unambitious, and its reaction to events often tardy and fumbling."

A propósito, adivinhem onde foi publicada a charge que ilustra este texto?

Ainda prefiro não tratar a minha "doença do niilismo".

To be a rock and not to roll

Confesso a minha ignorância: até meados da semana passada, eu só conhecia o banco inglês Northern Rock do uniforme do Newcastle United, sendo que eu sequer imaginava que tal patrocinador se tratava de um banco (e isso é nome de banco? Cairia melhor numa marca de cerveja...) - sinal claro de que eu deveria parar de insistir em escrever sobre economia e mercados financeiros e criar um blog de futebol. De qualquer maneira, após o Banco da Inglaterra ter jogado a bóia para os correntistas, a piada abaixo é mais do que oportuna:






























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sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Citação do dia

Vai para o blog da The Economist, o Free exchange:

"Subjective states are simply one more type of thing I may have preferences over. It is a fairly reliable generalisation that people prefer pleasure over pain. But it is is not a part of the model. People do run marathons and watch Jim Carrey movies, after all."

Brilhante, embora eu goste muito do Jim Carrey. O texto de onde a pérola acima foi pescada também merece uma leitura, principalmente por sua conclusão.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

À guisa de introdução

Começo aqui um novo projeto, que espero que se prove duradouro e consistente. A idéia é emitir opiniões isentas sobre economia, mercados financeiros e assuntos relacionados, pretensiosamente tentando preencher uma lacuna na mídia local. Em outras palavras, cansei de ler análises desinformadas e/ou simplesmente burras, e acho que posso contribuir nesse sentido - ao menos fazer as minhas próprias análises desinformadas e burras.

Acho que cabem aqui alguns esclarecimentos:

-- Inicialmente, minha verdadeira identidade ficará anônima. Assim poderei escrever sem me preocupar em contrariar interesses ou opiniões das entidades onde trabalho ou trabalhei. Ainda não enriqueci ou envelheci o suficiente para não me preocupar com isso.

-- Não sou keynesiano. Sou libertário. Na classificação acéfala que costuma se usar no Brasil, sou ortodoxo (e não "desenvolvimentista", embora eu, assim como, acredito, a imensa maioria dos "ortodoxos", não tenha absolutamente nada contra desenvolvimento).

Segundo o livro-texto de Olivier Blanchard, os keynesianos enfatizavam a política fiscal (em vez da política monetária) como chave para combater recessões; muitos acreditavam na existência de um dilema confiável entre desemprego e inflação, mesmo no longo prazo; e acreditavam na eficácia do estado como formulador de política econômica. Após a revolução das expectativas racionais, muitas dessas idéias foram sepultadas, e os chamados neo-keynesianos focaram seus estudos em outros pontos, bem menos controversos (como a rigidez nominal de salários e preços, imperfeições no mercado de crédito, etc). Entretanto, as idéias dos keynesianos de primeira época ainda encontram adeptos, como se a teoria econômica não tivesse evoluído desde os anos de 1940.

"When the facts change, I change my mind. What do you do, sir?" Esta é uma das citações mais famosas do próprio John Maynard Keynes. Se estivesse vivo, até ele discordaria dos keynesianos.

-- Então, qual é o porquê do nome? Primeiro, porque me pareceu um bom trocadilho. Mais do que isso, é original - tente fazer uma busca no Google por "drunkeynesian": orgulhosamente, "nenhum documento correspondente" aparece (bem, em breve aparecerá ao menos este humilde blog).

Tirando os motivos mundanos, acho que homenagens ao velho Keynes nunca são excessivas. Além disso, Keynes foi um bêbado, ainda que tardio. Supostamente suas últimas palavras foram: "I should have drunk more Champagne." Em resumo, Keynes foi o primeiro "drunkeynesiano", sou apenas um modesto discípulo.

-- Odeio escrita obtusa. Os escassos leitores podem me cobrar por isso. O título deste texto é irônico.

-- Escrever sobre economia e mercados financeiros sem usar termos em inglês é virtualmente impossível (que o Aldo Rebelo não me leia...). Tentarei respeitar a língua de Camões e MC Serginho, mas, às vezes, os leitores serão brindados com algumas palavras ou siglas consagradas que fogem do vocabulário-padrão do português. A Investopedia resolve a maioria das dúvidas; as restantes podem ser esclarecidas, com o maior prazer, nos comentários.

-- Não vou vender nem comprar nada que eu ataque ou defenda aqui. Não tenho dinheiro. Portanto, também não adianta me processar.

Por enquanto, é isso. Divirtam-se!