segunda-feira, 2 de abril de 2012

Anatomia das crises financeiras

Acabou de sair, pelo NBER, um novo paper muito interessante de Carmen M. Reinhart, coautora do já clássico This Time Is Different. Ela monta uma sequência de eventos que antecederam grandes crises financeiras na história, tentando descobrir o que seria uma crise típica. Para os interessados no assunto, recomendo a leitura integral (apenas 36 páginas, com figuras). Os mais preguiçosos objetivos podem seguir abaixo:

1. As crises têm indicadores quantitativos antecedentes, a saber (tradução capenga minha):

- Grandes fluxos de entrada de capital
- Altas pronunciadas nos preços de ações
- Altas pronunciadas nos preços de imóveis
- Trajetória de crescimento em forma de "V" invertido
- Alta significativa no endividamento

2. Alguns fatores são listados como "amplificadores" da crise - aumentando tanto o tamanho do "boom" quanto da recessão subsequente:

- Políticas macroeconômicas procíclicas
- Dívidas ocultas (com garantias implícitas)
- Moeda supervalorizada
- Regulação pobre
- Supervisão ainda pior
- Fraudes
- Agências de classificação de risco "míopes"

[Sim, talvez seja hora de se preocupar com o Brasil, que marca (ou marcará, em breve) pontos em quase todos os quesitos listados.]

3. Uma vez iniciada, a crise tem a seguinte sequência de eventos (clique para aumentar):


4. O custo das crises bancárias para os respectivos tesouros nacionais é imenso - em média, o estoque real da dívida pública cresce 86% durante os três anos que seguem a crise:


5. O estoque de dívida é reduzido por algum dos seguintes canais (ou uma combinação entre alguns deles):

- Crescimento econômico
- Ajuste fiscal / plano de austeridade
- Calote ou reestruturação da dívida
- Aumento inesperado na inflação
- Dose constante de repressão financeira e inflação (mesmo que dentro do esperado)

Para os países desenvolvidos, com grandes estoques de dívida, o último canal parece ser a escolha menos disruptiva e mais amplamente adotada. Essa deve ser uma tendência para o futuro, junto com reversão na globalização dos mercados financeiros e aumento na regulação dos mercados domésticos. Previsão de economista, vale o que vale... mas melhor, creio, baseada no que já aconteceu do que em algum modelo de extrapolação. Vejamos quão diferente vai ser desta vez.

11 comentários:

Gian disse...

Estando do lado dos objetivos, pergunto: a crise das dívidas latino-americanas da década de 80 não foram tratadas como caso no estudo?

Drunkeynesian disse...

Na tipificação dela não conta como crise bancária... foram crises de dívida externa soberana, sobretudo.

Daniel V. disse...

Dívida oculta está cada vez mais em destaque na Europa. Aqui no Brasil imaginem oq ñ existe de dívida garantida no BNDES, BB, elétricas, etc... Drunk, vc consegue ver no Bloomberg qto ta pagando título de emissão externa em reais e os vencimentos ?

Drunkeynesian disse...

2016 paga 6,09%
2022 paga 7,73%
2028 paga 7,94%

Daniel V. disse...

Simplificando o efeito dos cupons, o custo do ambiente legal/cross-borders no Brasil é +- 4p.p. Isso c/ o governo sem intenção de impor controle a saída de K. Imagine esse spread no cenário de "increased capital controls" descrito.

Drunkeynesian disse...

Tem que botar na conta também o IOF que os estrangeiros pagam se quiserem comprar títulos no mercado local.

Anônimo disse...

Olá Mr. ... (?),

Parece-me que Paul Krugman vem sustentando uma discussão contra o resto do mundo defendendo a ideia de que não haveria inflação em face da baixa demanda, em que pese o excesso de emissão monetária.

É isso mesmo?

Qual sua posição sobre o assunto? Dá pra confiar no Krugman ou o ouro continua uma pechincha?

No Japão a crise bancária não teria sido seguida de inflação. Isso se aplica aos EUA/Europa?


Um abraço,

Rafael

Drunkeynesian disse...

Oi, Rafael,

Estou com o Krugman nessa discussão, acho que o cenário nos EUA é algo similar ao do Japão nos últimos 20 anos - período muito longo de desalavancagem (o que chama-se de "balance sheet recession") e baixo potencial de inflação, mesmo com muita emissão de moeda. O Japão não teve inflação após a crise bancária, pelo contrário - brigaram por anos contra a deflação, a média anual da inflação desde então é algo menor que 0,5%.

Quanto ao ouro... Não é barato contra o preço de extração nem contra o preço ao longo da história, muita gente compra acreditando que um dia todo o sistema de moeda fiduciária vai para o buraco, mas eu não acredito nisso - ou só passarei a acreditar depois de mais um ciclo deflacionário, que seria destrutivo para o case de alta do ouro.

Anônimo disse...

Pô Drunk, postanto as 15:hs ?
quero ver tu reclamar que teu portfólio não rendeu o quanto devia no final do ano...









brincadeirinha....



Excelente Blog. Parabéns....

Mas 15 :hs ? virou professor da USP ?

Paulo Simões Diniz disse...

Passivo externo brasileiro em dez de 2.011 segundo BC: 1,6 trilhões de dólares.

Drunkeynesian disse...

Anon #1, se tem uma coisa que não explica sucesso em gestão de dinheiro é # de horas trabalhadas (e, por sorte, trabalho em um lugar que de alguma maneira concorda com isso)... de qualquer maneira, boa parte do meu dia é dedicada a ler e escrever, dá pra ver o blog como parte do processo de tentar entender o que se passa no mundo. Obrigado pela visita & elogios, apareça sempre.

Paulo, eu tinha em mente um número que é metade disso, e já me parecia imenso (considerando que as reservas são $360 bi). A história do Brasil é de crise cambial, parece que ainda não vai ser desta vez que escapamos disso (ou bem viramos a Austrália e teremos financiamento externo garantido por décadas). Devo escrever mais sobre isso em breve.