[O texto deve ter alguns spoilers - nada que atrapalhe muito quem ainda não assistiu, mas os mais sensíveis a isso talvez prefiram ver o filme antes de ler.]
David Denby, um dos críticos de cinema da New Yorker, disse que Margin Call é "facilmente o melhor filme já feito sobre Wall Street", afirmação da qual é difícil discordar. O que me leva a essa conclusão é tanto o que o filme mostra (mais adiante) quanto o que não mostra: aqui não têm vez prostitutas de luxo (pelo menos visualmente), cocaína, conspirações, mesas de operações histéricas e dândis de dockside sem meia ostentando relógios de ouro. Os estereótipos dão vez a um realismo cínico que é facilmente identificado por quem já trabalhou no mercado financeiro, e a história e os diálogos são tão bem construídos (claro que o elenco estelar ajuda) que mesmo quem não tem interesse particular pelo assunto vê os 107 minutos passarem com facilidade.
Margin Call acompanha 36 horas infernais na vida de um banco de investimentos americano, envolvido até o último fio de cabelo na bolha imobiliária que estourou nos EUA em 2008. As referências ao Lehman Brothers são óbvias: desde a data escolhida para o lançamento no circuito americano (15 de setembro, exatos três anos depois que o Lehman pediu falência) até o nome do presidente do banco fictício - John Tuld, mudando uma letra pode-se ter o ex-presidente do Lehman (Fuld) ou o Inglês para "pedaço de merda" (turd - não sei se essa sacanagem foi intencional, mas me pareceu evidente). Nesse tempo, um executivo de riscos é demitido e entrega para um de seus funcionários um pen drive (uma das poucas cenas pouco críveis do filme - o segurança do banco que o acompanhava no elevador jamais teria permitido). Nele estão simulações estatísticas que levam à conclusão inevitável de que o banco está muito perto de ir pelo ralo.
A partir daí, toda a hierarquia da companhia é convocada para um comitê apocalíptico. Claro que os altos executivos já haviam sido avisados da situação, mas decidiram, como a esmagadora maioria do mercado, dançar até os últimos acordes da música (imagem criada por um ex-presidente do Citi e usada com muita propriedade no filme). Aí começam as diferenças com a realidade: enquanto o Lehman não conseguiu (ou não quis) tomar as medidas que salvariam o banco, e esperou até a última hora por um comprador ou pela intervenção do governo (essa situação está muito bem ilustrada em outro filme bastante recomendável, Too Big To Fail), o banco de Margin Call é o primeiro no mercado a perceber que a música parou. Levando isso em conta, toma as medidas para salvar a companhia: uma das frases antológicas do presidente John Tuld é "existem três maneiras de sobreviver no negócio: ser o primeiro, ser o mais esperto ou trapacear"; em um dia a equipe da mesa de operações exercita um pouco de cada uma delas e, ao fim desse dia, entendo que o banco estava salvo (creio que quem fez algo mais próximo disso na vida real foi a Goldman Sachs).
Enredo à parte, a galeria de personagens, do analista recém formado até o presidente do banco, passando por traders, executivos de risco e sócios, é riquíssima e completamente sintonizada com a realidade. O elenco, como já disse, é fabuloso: só para ficar nos nomes mais famosos, Jeremy Irons, Kevin Spacey, Paul Bettany, Stanley Tucci, Demi Moore, todos excelentes em seus papéis. A direção e o roteiro, de J.C. Chandor, são muito competentes, mais ainda levando em conta que é o primeiro longa no qual trabalhou. O conjunto é um grande filme sobre os nossos tempos, informativo sem ser exageradamente denso; acima de tudo, entretenimento de grande qualidade, que acho que é dos melhores elogios que podem ser feitos a um filme.
Margin Call estreou em São Paulo semana passada, e, enquanto escrevo, ainda sobrevive em três salas. Não sei se já está disponível nos iTunes e Netflix da vida; se não, deve aparecer em breve.
P.S. Não há nenhuma chamada de margem no filme, apesar do título. E é quase óbvio dizer o quanto é desnecessário o subtítulo aqui no Brasil (O Dia Antes do Fim).
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
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4 comentários:
Vou assistir ainda hoje.
Uma pergunta, os traders das mesas de operação tem a liberdade para comprarem os ativos que quiserem ou apenas buscam fazer o melhor ''preço médio''?
Depende muito do mandato, não tem um caso geral. Tem trader que só executa da melhor maneira a ordem de um portfolio manager ou estrategista, outros têm mais liberdade.
A hierarquia superior dos bancos é tão analfabeta como o filme sugere?
Ou foi só um pretexto para falar uma linguagem mais próxima do espectador médio?
Pelos poucos casos que conheço pessoalmente, acho que dá pra dizer que o filme é bastante fiel.
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