quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Uma resenha para Grand Pursuit, de Sylvia Nasar

Grand Pursuit: The Story of Economic Genius, da economista (mestre pela NYU) e jornalista Sylvia Nasar, propõe-se a ser uma história de como a humanidade, a partir do século XIX, superou boa parte de suas limitações materiais (a chamada armadilha malthusiana) e fez com que o mundo pudesse ter sua população aumentada em quase seis vezes, chegando aos dias de hoje com, salvo exceções que confirmam a regra, o melhor padrão de vida desde sempre. Na visão da autora, isso deve-se em parte significativa a economistas, esses seres estranhos que apareceram mais ou menos junto com a Revolução Industrial e se propuseram a estudar como lidar com problemas sociais que envolvem produção e alocação de bens e dinheiro.

Evidentemente, é difícil isolar a contribuição dos economistas para a História, e todos os mencionados no livro são produtos de seus tempos e circunstâncias (em medida maior do que os moldaram, creio), mas Sylvia Nasar faz uma grande defesa da profissão - especialmente daqueles que não só tentaram teorizar sobre economia, mas tiveram (ou tentaram ter) papéis decisivos na formulação e discussão de políticas que visavam aumentar o bem estar da sociedade ou resolver problemas criados por guerras e outras demonstrações de estupidez do próprio homem. Daí, de início, ficam de lado alguns reconhecidos pioneiros da dismal science, como Adam Smith e David Ricardo; e Karl Marx tem a importância diminuída por sua excessiva abstração e falta de contato com a realidade (nunca visitou uma fábrica, é dito). O livro começa de verdade com Alfred Marshall, seguido por uma figura pouco estudada nos cursos de história do pensamento econômico: Beatrice Webb (foto), uma aristocrata inquieta que, entre outros feitos, foi das primeiras a estudar a condição dos trabalhadores britânicos do fim do século XIX, co-fundou a London School of Economics, colaborou com o socialismo fabiano e foi pioneira no desenho do estado de bem-estar social (welfare state).

A cronologia segue pelas vidas de Joseph Schumpeter e Irving Fisher nos anos de prosperidade antes da I Guerra, e é após o término desta, com boa parte da Europa destruída e o fim do ideal de globalização, que desponta o grande personagem do livro: John Maynard Keynes. Sua figura é predominante até sua morte, em 1946, passando pela crítica presciente ao Tratado de Versalhes, o entendimento da Grande Depressão (que, em alguma medida, desmoralizou Schumpeter e Fisher, este famoso por acreditar que as ações americanas haviam atingido uma "planície" poucas semanas antes do crash de 1929), a atuação durante a II Guerra e a influência sobre o acordo de Bretton Woods e quase todos os economistas contemporâneos.

Após Keynes, o principal pólo do pensamento econômico começa a se deslocar da Cambridge inglesa para a Cambridge vizinha a Boston (sede de Harvard e do MIT), Chicago e os demais centros universitários dos EUA. No Reino Unido ainda seriam formados Joan Robinson (que parecia a maior promessa de continuação da tradição de Keynes, mas se perdeu com a instabilidade psiquiátrica e o apoio imperdoável aos regimes comunistas) e o grande teórico de desenvolvimento e justiça social Amartya Sen (que, em 1986, também cruzaria o Atlântico para lecionar em Harvard, onde permanece até hoje). Em 1950 Friedrich Hayek transfere-se da London School of Economics para a Universidade de Chicago, onde Milton Friedman já trabalhava desde 1946. Em Chicago seria consolidado o paradigma liberal que dominou a política econômica nos últimos 30 anos. Curiosamente, a autora dá pouco destaque para os economistas americanos mais recentes - dedica apenas um capítulo a Paul Samuelson e dá mais destaque a Friedman na sua passagem pelo serviço público (onde, ironicamente, dedicou-se a aumentar a arrecadação federal) do que nos seus papéis de guru do liberalismo e possivelmente economista mais influente desde Keynes.

Keynes é o arquétipo do "gênio econômico" que emerge do livro, reunindo profunda curiosidade intelectual, flexibilidade, inteligência e veia política. Os demais retratados, ainda que com menos destaque, também tiveram influência na sociedade e em políticas públicas. Hoje o papel do economista parece fragmentado em pesquisas especializadas, muitas vezes fechadas em suas áreas e com pouco interesse no que ocorre no mundo como um tudo (como exercício, vale passar os olhos na lista de ganhadores do Nobel de Economia nos últimos anos e tentar apontar quantos foram influentes no dia-a-dia de alguma parte da população). Talvez esse fosse mesmo o caminho natural da economia e de outras ciências sociais, mas creio que uma das mensagens possíveis do livro é que pensadores econômicos generalistas, de grande capacidade de persuasão e influência política, fazem falta nos nossos dias. Amartya Sen, hoje com 78 anos, é o mais jovem retratado no livro, e quase não há menção à crise atual - talvez porque ainda está para surgir a grande figura pública que vai se meter a resolvê-la (Paul Krugman adoraria ocupar esse lugar, o que, aparentemente, não vai ocorrer).

Grand Pursuit foi amplamente comentado e resenhado, em parte pelo sucesso da autora com a biografia de John Nash (Uma Mente Brilhante) mas muito, creio, pelo grande interesse do público por história e economia e pela falta de uma obra abrangente e não-técnica desde The Worldly Philosophers, de 1953 (que vendeu mais de quatro milhões de cópias). Não é uma história do pensamento econômico (fala relativamente pouco de teoria e da evolução das ideias - para isso, Robert Solow, na resenha linkada abaixo, recomenda o também recente Economics Evolving, do norueguês Agnar Sandmo), nem uma história econômica do pós-Revolução Industrial: é a história de uma tradição de economistas agindo como intelectuais públicos e engajados com as causas pertinentes a suas sociedades. O trabalho de pesquisa foi imenso (o livro tem mais de 60 páginas de notas bibliográficas), e Sylvia Nasar tem um grande talento para entreter o leitor com anedotas, sem comprometer a linha narrativa (às vezes repete fatos já citados como se fossem novos, mas é um pecado menor). Perdoadas as omissões, é uma grande leitura, fica recomendado.

Outras resenhas mais qualificadas:

- James Grant, para o WSJ
- Justin Fox, para o NY Times
- O Nobel Roberto Solow, para The New Republic
- The Economist
- Orley C. Asehnfelter, de Princeton, num paper do NBER (que inclui o gráfico abaixo)


P.S. Não tenho notícias de tradução para o Português. Alguém tem?

6 comentários:

Danilo Balu disse...

Ela é o tipo de autora que inevitavelmente será traduzida...

M. disse...

Nao li o livro, mas pela resenha parece ser um livro bem parcial em ideologia.
Para Mankiw, não é preciso ler Keynes para ser Novo-keynesiano.(acho que estou criticando Keynes no lugar errado)

Drunkeynesian disse...

Hahaha, o espaço é aberto para críticas de qualquer natureza.

As omissões são mesmo estranhas, mas, no geral, não achei o tom do livro tão parcial. Podia, por exemplo, ter terminado usando a crise para criticar a desregulamentação dos mercados e o que se convencionou chamar de "neoliberalismo", mas escapa disso. Por mais ingênuo que possa parecer, acho que ela preferiu gastar mais páginas com boas anedotas que prendessem o leitor, e pra isso a história da vida do Keynes é muito rica.

Anônimo disse...

Discordando do editor. Sem a menor dúvida, Krugman é a grande figura pública dos dias de hoje. A virulência dos ataques a ele dão uma ideia da sua importância para o debate econômico atual.

Drunkeynesian disse...

Não discordo que seja (de fato não vejo hoje nenhum outro economista com a visibilidade que ele tem), mas acho que a influência do que ele pensa sobre o que é feito efetivamente pelos governos é muito limitada.

Anônimo disse...

É difícil medir o grau de influência de alguém. Ainda mais sabendo-se que as principais decisões de política econômica são tomadas entre dois ou três. No mais, feliz da sociedade que tem um Krugman para criticar os governos.