O Plano Real e a moeda que leva seu nome fizeram 15 anos, e não faltaram homenagens na imprensa ao aniversário da "conquista da estabilidade". Falou-se muito da genialidade do mecanismo de substituição da moeda antiga por uma moeda indexada e da coragem política dos seus implementadores; os mentores e executores foram louvados e chamados a falar sobre suas contribuições para a prosperidade do país. Entretanto, talvez o mais importante seja justamente o que não foi escrito, o que não é óbvio olhando-se para o passado:
- A maioria dos "pais intelectuais" do Plano Real (Persio Arida, Edmar Bacha, André Lara-Resende, etc) também estavam por trás do Plano Cruzado, que foi um clamoroso fracasso. Num país sério isso bastaria para que eles não tivessem uma segunda chance como formuladores de política econômica. Aqui, tiveram e passaram a ser tratados como gênios.
- Em 1994, o mundo já havia deixado de ser inflacionista e começava um longo ciclo de queda da inflação. O gráfico acima mostra a inflação anual no Brasil e nos demais países do G20 (que, curiosamente, tem apenas 19 membros -- o vigésimo é um representante da União Européia). Podemos ver que o pico da inflação mundial foi em 1993, praticamente coincidente com o último suspiro da hiperinflação no Brasil e o Plano Real. Qualquer que seja o motivo da queda da inflação mundial, esta não pode ser ignorada em qualquer análise do caso brasileiro -- para usar uma das metáforas futebolísticas tão queridas do nosso presidente, seria como atribuir a conquista da Copa de 1970 ao técnico Zagallo, ignorando que em campo estavam Pelé, Rivellino, Tostão, Gerson, Jairzinho...
O caso, claro, não é novidade. Nassim Taleb explorou o tema em seu Fooled by Randomness, de 1994 (aqui traduzido como Iludido pelo Acaso - A Influência Oculta da Sorte). O tema do livro é o acaso (ou aleatoriedade, fatores que não são controláveis e que são de grande importância e impacto), e como ele, muitas vezes, é confundido com habilidade e sabedoria. Nas palavras do próprio Taleb (tradução livre minha do original, talvez não corresponda ao que está na versão em Português):
"... sorte disfarçada e percebida como 'não-sorte' (isso é, habilidades) e, mais genericamente, aleatoriedade disfarçada e percebida como não-aleatoriedade (isso é, determinismo). Ela se manifesta na forma do tolo sortudo, definido como a pessoa que se beneficia de uma fatia desproporcional de sorte, mas atribui seu sucesso a outra razão, geralmente muito precisa. Essa confusão aparece nas áreas mais inesperadas, mesmo na ciência, embora não tão acentuada e obviamente como no mundo dos negócios. É endêmica na política, podendo ser encontrada na forma de o presidente de um país discursando sobre os empregos que 'ele' criou, 'sua' recuperação e a 'inflação do seu antecesssor."
(qualquer semelhança da última frase com a postura do nosso presidente não é mera coincidência)
Não sejamos, portanto, iludidos pelo acaso, como a maioria da imprensa. Talvez o Plano Real mereça algum crédito, mas não podemos esquecer que o mundo é regido por forças muito mais poderosas e imprevisíveis do que idéias de economistas e políticos tupiniquins.
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Matérias sobre o Plano Real:
- Na Veja desta semana
- Gustavo Franco no Valor de sexta-feira
Tem muito mais por aí, é só usar o Google...
segunda-feira, 6 de julho de 2009
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