terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Adeus, 2011

2011 foi um ano difícil para este escriba, mas aqui não é lugar pra se queixar disso. Para o blog, foi muito bom: a média mensal do número de visitas quase triplicou, aumentaram muito os comentários nos posts, surgiram algumas discussões boas e, sobretudo, aprendi bastante escrevendo, pesquisando e debatendo. Nada a reclamar daqui, só a agradecer pelos interlocutores.

Quem acompanhou este espaço durante o ano possivelmente notou um tom meio pessimista e desiludido com os tempos atuais. Para fazer um contraponto, gostaria de terminar 2011 com uma reflexão capenga mais para o lado Dr Pangloss: o Amartya Sen usa, como exemplo para ilustrar um ideal de igualdade (agora não lembro se a ideia original é dele ou copiada do John Rawls e estou sem o livro pra consultar), a seguinte situação: uma pessoa que ainda não veio ao mundo pode eleger onde vai nascer. Hoje, evidentemente, ela preferiria nascer na Escandinávia do que no Chifre da África; no mundo ideal, qualquer lugar ofereceria as condições básicas para que a pessoa conseguisse virar um adulto livre, capaz de fazer escolhas. Se mudarmos a variável de escolha de geografia para tempo, tenho pouca dúvida que os dias atuais seriam os preferidos (se você, como eu, já pensou que queria ter vivido no final dos anos 60, pense que poderia ter nascido não na Califórnia ou em Londres, mas em Biafra ou no Vietnã do Norte; e por aí vão os contra-argumentos). Na média, creio que em nenhum outro período da história a humanidade ofereceu tão amplamente as tais condições básicas para a liberdade, e creio que os problemas que enfrentamos hoje são quase todos no sentido de manter essa relativa prosperidade, estendê-la para mais pessoas e fazer com que ela seja reproduzível para as gerações futuras. Não é fácil, evidentemente, mas, olhando para o passado (quase qualquer deles) repleto de privações, é difícil não nos sentirmos privilegiados (mais ainda se você está lendo isso, o que quer dizer que sobreviveu por uns bons anos, é alfabetizado, sabe usar computador, tem acesso a internet, etc).

Uma ótima passagem de ano e um grande 2012 a todos. Saúde!



Humildade para o ano novo

Via Abstruse Goose.


Ibovespa em 2012

O Valor de hoje traz a coletânea de projeções do mercado para o Ibovespa em 2012 (bem menos eufóricas que as feitas no ano passado), e algumas mea culpas pelos erros neste ano. Aí vão:


O (péssimo) ano para os bancos

2011 vai ser um ano que os acionistas de bancos vão tentar esquecer. Alguns destaques:

- Todo-poderoso Goldman Sachs perdeu quase metade do seu valor de mercado;
- Bank of America perdeu quase 60%, mais que qualquer banco europeu (incluindo o Banco da Grécia, os italianos e os franceses), contribuindo para o péssimo ano de John Paulson;
- O índice de ações de bancos japoneses fez uma nova mínima desde que existe;
- Os bancos brasileiros caíram menos, mas não escaparam da marolinha (exceção ao Bradesco, que ainda tem alguma chance de terminar o ano como começou).



segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

"O mercado errou..."

Com o Ibovespa agora a 57.793 pontos, hora de conferir as previsões feitas pelo mercado no início do ano (com o índice partindo de 69.300):


A vida é muito difícil para analistas / estrategistas quando o mercado não sobe... A projeção mais conservadora errou por 30%; a mais agressiva, por mais de 50%. Não sei como será 2012, mas lembrem-se desse grão de sal quando lerem as previsões dos gurus e administradores de carteiras para o ano.


sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A Árvore de Natal do ano

Novamente, cortesia do Credit Suisse: era só ter comprado dívida indexada do Reino Unido e vendido ações de companhias gregas. Feliz Natal aos nobres leitores.


Som da Sexta - Ramones

Não pode faltar nesta época do ano.

Conferindo as previsões para 2011 - perdas & danos

No final do ano passado, me meti a fazer algumas previsões para 2011. Seguindo a tradição que diz que economistas devem dizer o que vai acontecer no futuro e depois explicar porque erraram (acho que a ideia é do Churchill), aí vai o meu confronto com a realidade. Na primeira semana de 2012 faço as previsões para o ano novo.

- Os juros longos no Brasil vão continuar caindo, possivelmente para os níveis mais baixos da história.

Caíram, é verdade - os juros locais de dez anos foram de 12% para algo como 11,2% no fechamento de ontem, mas ainda estão longe dos patamares mais baixos da história (abaixo de 10%, em meados de 2007).    Na prática, a execução foi muito problemática, já que até julho os juros estavam em alta e quase todo o movimento de queda foi feito durante agosto (mês em que eu estava de férias, diga-se de passagem). Quem teve estômago e paciência fez algum dinheiro, e as quedas maiores foram nos juros curtos, mais diretamente influenciados pela mudança de postura do Banco Central. Conto a previsão como meio certa.

- A inflação no Brasil será mais baixa do que o mercado prevê.

Errei feio. O último relatório Focus do ano passado previa o IPCA de 2011 em 5,32%; deve ficar bem perto do teto da meta, 6,5%.

- Mais algum banco médio brasileiro vai ter problemas com a carteira de crédito.

A história do Panamericano é um misto disso com fraude, e o ano não foi exatamente bom para o modelo de negócio desses bancos, deve ter muito mais por vir. Ponto pra mim.

- As ações de bancos na Europa vão seguir caindo. Possivelmente alguns bancos grandes serão nacionalizados ou receberão ajuda dos governos.

O índice Stoxx 600 Banks, que engloba os bancos do continente, caiu até agora 33,3%. Todos os grandes bancos do continente, sem exceção, perderam valor de mercado, em alguns casos mais da metade (os franceses Société Générale e Crédit Agricole). A ajuda do governo, em termos de liquidez, foi ampla e enorme, e o Dexia foi nacionalizado na Bélgica. Ponto.

- A União Européia vai garantir a dívida de todos os seus membros. Dessa forma, o esfacelamento do euro que eu achava que ia ocorrer vai ser adiado, até que algum país não aguente mais conviver com uma moeda valorizada.

De fato, o euro não se esfacelou (há quem diga que chegou perto disso). Não houve uma garantia formal para as dívidas, mas estamos caminhando para isso, e, nos casos mais problemáticos, a ajuda multinacional tirou o financiamento do mercado. 3/4 de ponto, creio.

- O Brasil vai começar a ter problemas com financiamento externo. O real vai se desvalorizar. As reservas internacionais vão parar de crescer.

2/3 errado: o financiamento externo para o Brasil continuou sendo tranquilo, em parte por uma balança comercial melhor do que quase todo mundo esperava (o Focus previa US$ 8 bilhões, o acumulado até Novembro foi quase US$ 26 bilhões) e por grandes entradas de investimento direto. Como consequência, as reservas subiram para quase US$ 350 bilhões, ainda que estejam praticamente estáveis desde o final de Julho. Ainda assim, o real deve fechar o ano com cerca de 10% de desvalorização contra o dólar americano, que foi, junto com o iene, a moeda forte de 2011.

- A bolha do ouro e da prata vai estourar; o preço de ambos cairá pelo menos 20%.

Grande erro, ainda que ambos estejam longe das máximas do ano, 2011 deve terminar com o ouro ganhando mais de 10% e a prata com queda de 5%. Nada de bolha aqui, por enquanto.

- Vender volatilidade nos picos vai novamente ser uma estratégia ganhadora. O mercado caminha para cada vez mais preços controlados.

Agora vejo que essa previsão, levada ao pé da letra, é auto-realizável: se a venda é no pico, necessariamente todos os níveis posteriores são mais baixos. De qualquer maneira, olhando para o VIX, algo desse tipo teria funcionado: os grandes spikes em volatilidade duraram poucos dias, concentrados entre agosto e setembro, e sempre foram seguidos de reversões rápidas e violentas. Durante Dezembro, o VIX colapsou e deve terminar o ano perto de onde começou.

No campo mais abstrato, uma tese a ser comprovada é "as consequências econômicas de mr Taleb": a popularização da compra de seguros contra eventos extremos elevou muito o preço de "risco", a ponto desse tipo de estratégia não ser mais eficiente. Quem desenvolver isso já tem uma boa tese de mestrado pronta.

- A carteira de crédito do BNDES vai começar a ter problemas. Talvez demore mais do que um ano, mas a JBS não vai se aguentar.

Ainda não foi dessa vez que o BNDES teve que reconhecer grandes perdas em investimentos, mas mantenho a convicção. E a JBS nem é o pior caso...

- Não terminarão o ano acima dos preços máximos deste ano as ações de: Apple, Netflix, bancos brasileiros, índice do México, índice da Alemanha. E, sinto informar, o Facebook não vale US$ 40 bilhões.

Variações em 2011 (sem nem olhar as máximas de 2010, que são quase todas mais altas que o fechamento): Apple +23,5%, Netflix -58%, Itaú -12%, Bradesco -4%, Banco do Brasil -24%, Santander Brasil -33%, índice IPC do México -3,8% (em moeda local, -14% em dólares), índice DAX -17%. Nada mal o índice de acerto - só errei a Apple, aposta que vou renovar para 2012. Quanto ao Facebook... continuo achando que não vale US$ 40 bilhões, mas a última estimativa de precificação para o IPO é de módicos US$ 100 bilhões. Veremos...

- Preços de imóveis em São Paulo e Rio de Janeiro vão seguir altos (e, possivelmente, subindo).

O índice FIPE ZAP (Case-Shiller, o FIPE ZAP deles) de São Paulo subiu 25% até Novembro; no Rio, a alta foi de quase 30% no mesmo período. Nada de bolha estourando aqui, também.

- Eike Batista vai seguir vendendo promessas. Guido Mantega vai continuar falando asneiras. Ben Bernanke vai seguir imprimindo. Eu vou seguir reclamando.

Essa era covardia, não vou nem contar como acerto - vide as bravatas do Eike, as Mantegadas, o prosseguimento da política monetária expansiva nos EUA e a manutenção do tom rabugento deste blog.

- Vai ficar cada vez mais claro o quanto Lula foi sortudo. E a culpa vai ser colocada em dona Dilma. É do jogo...

Meu ponto aqui eram os preços de commodities, que, no geral, não caíram e seguiram disfarçando muitas fragilidades da economia brasileira. O que ficou claro, considerando as quedas quase mensais de ministros, é quanto o arranjo político dos últimos anos dependia da, digamos, flexibilidade e capacidade de afagar quase todos os lados do Lula. A vida para Dilma é mais difícil, e não necessariamente isso é culpa exclusiva dela.

- Vou errar pelo menos metade das previsões acima. Espero não perder leitores por isso. Saravá!

Na minha contagem esquisita, até agora errei 5,76 de 12 possíveis, o que significa que acertei mais da metade e errei esta metaprevisão, o que prejudica meu desempenho total (maldita falta de autoconfiança). Ficaria interessante se eu tirasse o "acima" desta previsão: colocar este erro na conta contaria como mais um acerto, e cairíamos em algo próximo ao Paradoxo de Russell (os eventuais leitores que realmente conhecem lógica e matemática podem me apedrejar).

Em resumo, foi mais um ano que confirmou a grande sabedoria de Yogi Berra: é muito difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro. Outra confirmação foi a de que na prática, a teoria é outra: ainda que eu tenha acertado relativamente bastante do cenário, o desempenho do meu portifólio foi muito aquém do que isso poderia sugerir. Resta manter o humor e tentar de novo em 2012.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Drunkeynesian Awards 2011

Fora os filmes e livros, uma listinha randômica do que me chamou a atenção durante o ano:

- Ideia econômica do ano: metas para o PIB nominal, que eu não acho particularmente brilhante, mas é o que temos, por enquanto.

- Pior ideia econômica do ano: sanções e multas para os países da Europa que não cumprirem metas fiscais.

- Acadêmico mais pertinente: Barry Eichengreen.

- Melhor research de banco: Nomura, pelo Richard Koo ter acertado (por enquanto) o script japonês das crises dos EUA e da Europa, pelos acertos de Kevin Gaynor e Bob Janjuah na direção geral dos mercados e por ter sido, por muito tempo, a única casa que dizia que o Banco Central do Brasil cortaria os juros antes e mais do que o consenso imaginava.

- Troféu sic transit gloria mundi: John Paulson, depois de ser "o" cara que lucrou com a crise de 2007/2008, vai terminar o ano perdendo quase mais que metade do capital dos clientes, em alguns fundos.

- Furos de bolha do ano: algodão (caiu 62% do pico, em março) e Netflix (perdeu 60% do valor de mercado).

- Troféu "Vivendo e Não Aprendendo": cotistas da GWI, que voltaram a confiar num gestor incompetente / maluco / mal intencionado e foram novamente varridos, desta vez por uma verdadeira marolinha do mercado.

- Pior case do mercado de ações no Brasil: disputa duríssima. Tivemos grandes micos em praticamente todos os setores, mas acho que fico com os frigoríficos amigos do BNDES, sobretudo a Marfrig, que colaborou muito para o desastre do camarada mencionado acima. Menções desonrosas para Lupatech, B2W, HRT, Gafisa, etc...

- Melhor factóide: risco EUA maior que risco Brasil, cortesia, claro, de Guido Mantega. E ele ainda arrisca entrar na história como o cara que decretou a "guerra cambial" dos anos 2010.

- Melhor hedge fund: Banco Central do Brasil, que passou boa parte do ano comprando dólares perto de R$ 1,60 e vendeu a R$ 1,90. Além disso, acertou na mosca (por acaso ou não) o timing da crise européia quando resolveu cortar os juros e capturou todo o rali nas Treasuries e bônus de países desenvolvidos que compõem as reservas internacionais. Só vai faltar o Tombini pedir bônus de performance para dona Dilma.

- Melhor twitter: @PSTUvote16, com um kolkhoz de vantagem.

- Melhor blog novo estrangeiro: Global Macro Monitor (é do fim do ano passado, na verdade).

- Melhor blog novo brasileiro: era para ser o A Consciência de Dois Liberais, mas parece que esse já foi abandonado prematuramente (diz-se que por criticar a FIESP. Parabéns, grupo Abril, por cultivar e defender a liberdade de expressão no país). Um dos "dois liberais", o Fábio Kanczuk, lançou o Cerebelo Econômico, que é bastante promissor.

- Foto do ano: em política / economia, esta da Merkel e Sarkozy apontando para o Mario Monti é insuperável. No absoluto, fico com essa do quebra-quebra em Vancouver depois que os Canucks locais perderam a Stanley Cup para o Boston Bruins.Corinthianos depredando o Pacaembu depois da eliminação da Libertadores são amadores.


- Disco de rock do ano: w h o k i l l, do tUnE-yArDs, apesar da grafia ridícula.

- Melhor disco de jazz que ainda não ouvi: Samdhi, do Rudresh Mahanthappa.

- Melhor show em São Paulo: empate entre Christian Scott e Chris Potter, ambos no SESC Pompéia. A apresentação do Stevie Wonder no Rock in Rio também não foi mole.

- Melhor site de comics: estrangeiro, Abstruse Goose. Brasileiro, Dinâmica de Bruto.

- Melhor destino turístico futuro: Grécia, depois da desvalorização. Mesmo com o euro, já está relativamente barato.

- Melhor paper acadêmico: o estudo sobre traumas cerebrais nas histórias do Asterix.

- Pior paper acadêmico: Male Organ and Economic Growth: Does Size Matter?

- Melhor nome de presidente exercendo o cargo: Goodluck Jonathan (Nigéria)

- Melhor nome de personagem de filme (que poderia ser presidente de algum país): Motherfucker Jones, personagem impagável de Jamie Foxx em Quero Matar Meu Chefe.

- Melhor pior analogia: Christopher Hitchens, o Reinaldo Azevedo deles. Pelo menos gerou dezenas de boas piadas.

- Palavra do ano: o Merriam-Webster diz que é pragmatic, mas só porque não tiveram coragem de eleger bunga bunga.

Ainda preciso conferir as minhas previsões e algumas do mercado para o ano, e aí 2011 estará acabado para este humilde blog. Fiquem por aí.

Papai Noel Realista

Via Abstruse Goose:


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Os Livros de 2011

Essa é a Strand, em NY, das livrarias mais legais que conheço.
De algum jeito, consegui manter a média de mais ou menos um livro por semana. Aí vai o que me chamou a atenção (não usei o critério de limitar ao que foi lançado no ano, aqui vale tudo):

Economia, mercados e afins:

- Capitalism 4.0, Anatole Kaletsky (2010)

Um bom contraponto para o pessimismo que costumo cultivar. Kaletsky divide a história do capitalismo em quatro fases, sempre destacando a capacidade do sistema se reinventar e gerar prosperidade. Às vezes soa muito Poliana, na maior parte é intrigante e bem argumentado. Falei um pouco dele aqui.

- Grand Pursuit: The Story of Economic Genius, Sylvia Nasar (2011)

Resenhei há pouco tempo.

- The Great Stagnation, Tyler Cowen (2011)

Possivelmente o livro de economia mais comentado deste ano (pelo menos na blogolândia). Cowen argumenta sobre como o ritmo de inovação e desenvolvimento dos EUA estagnou há uns 40 anos. Conciso e informativo, ainda que possa ser em grande parte resumido a um problema de retornos decrescentes.

- The Little Book of Economics, Greg Ip (2010)

Ip, além de ter o menor sobrenome do mundo, é editor da The Economist e (dizem) insider do Fed. Fez uma boa introdução ao mainstream de macroeconomia. Aliás, essa série toda (The Little Book) é muito boa.

- Speculation as a Fine Art and Thoughts on Life, Dickson G. Watts (circa 1880)

Watts foi presidente da bolsa de algodão de Nova York e contemporâneo do legendário Jesse Livermore. Esse é um livrinho de menos de 50 páginas, oito dedicadas à especulação financeira (muita experiência destilada, o difícil é ter a disciplina de aplicar) e as restantes preenchidas com aforismos sobre vida, negócios, sociedade e linguagem. Merece o status de clássico da literatura sobre mercados.

- The Secret Sins of Economics, Deirdre McCloskey (2002)

Outro pequeno grande livro, com a condição de suportar o estilo de McCloskey, que às vezes trata o leitor como semi-débil mental. A erudição e a capacidade de síntese e argumentação compensam. Está disponível  integralmente no site da autora.

- Zombie Economics, John Quiggin (2010)

Lista as ideias econômicas que, caso a ciência que as envolve realmente fosse tratada como ciência, já teriam sido abandonadas pelo confronto com a realidade (e aí entram a "grande moderação", hipótese dos mercados eficientes, privatizações, etc). Boa provocação para qualquer ideologia.

Temas menos mundanos:

- The Bed of Procrustes, Nassim Taleb (2010)

Livrinho de aforismos do Taleb, resenhei aqui.

- É Isto um Homem? (1947) e A Tabela Periódica (1975), Primo Levi

Levi consegue tirar leveza de um dos temas e épocas mais barra-pesada da história; os méritos disso não são poucos.

- Encaramujado, Antonio Lino (2011)

Uma grande viagem de kombi pelo Brasil, descrita num estilo que faz falta nos livros de viagem de autores daqui. Tem inspiração declarada num dos livros do Cortázar que mais gosto, Los autonautas de la cosmopista, e se o autor evidentemente não escreve como o Cortázar e a Carol Dunlop, os confins do Brasil são algumas vezes mais interessantes do que a estrada entre Paris e Marselha. Mais aqui.

- How to Live: Or A Life of Montaigne in One Question and Twenty Attempts at an Answer, Sarah Bakewell (2010)

O título sugere auto-ajuda, mas trata-se de uma biografia de Montaigne e uma visita a sua obra (os Ensaios), produto de anos de pesquisa por uma autora apaixonada por livros.

- Minhas Viagens com Heródoto, Ryszard Kapuscinski (2007)

Acho que foi o último livro escrito por Kapuscinski, contando de suas primeiras viagens como jornalista da agência estatal polonesa na companhia de um exemplar de História, de Heródoto.

- Mortals and Others, Bertrand Russell (2009)

Textos curtos (originalmente para jornais) de uma época conturbada (entre as guerras), quando Russell dedicava sua enorme inteligência à nobre arte da tudologia (opinar sobre qualquer assunto).

- Pós-Guerra (2005) e Ill Fares the Land (2010), Tony Judt

Respectivamente, a história da Europa desde 1945 e o penúltimo livro de Judt, uma defesa apaixonada da social-democracia e do que se conquistou no pós-guerra. Mais na resenha do Celso Barros para o livro mais recente.

- Why Our Decisions Don't Matter, Simon Van Booy [org] (2010)

Uma pequena coletânea de trechos de livros (de Sófocles a Camus) e obras de arte que tentam ilustrar o papel preponderante do acaso nas nossas vidas.

- Yoga for People Who Can't Be Bothered to Do It, Geoff Dyer (2004)

Dyer, dos melhores autores contemporâneos, divaga sobre viagens a Roma, Amsterdã, Líbia, Detroit... Divertidíssimo.

Ficção:

- Breakfast of Champions, Kurt Vonnegut (1973)

Primeiro livro de Vonnegut que leio (vergonha), não podia ter começado melhor a atacar a obra dele. A adaptação para o cinema, com Bruce Willis, é forte candidata à pior já feita a partir de um livro.

- Drown, Junot Díaz (1997)

Primeiro livro de Junot Díaz, na verdade uma compilação de diversos contos que já haviam sido publicados em revistas, todos com pano de fundo na República Domicana ou nas Nova York / Nova Jersey dos imigrantes.

- Axilas e Outras Histórias Indecorosas, Rubem Fonseca (2011)

Em certa medida como Woody Allen, Rubem Fonseca segue se repetindo, e eu sigo gostando. Para ler em uma sentada.

- The Girls' Guide to Hunting and Fishing, Melissa Bank (1999)

Comprei nas férias só pela capa e pelo título, mas o livro é ótimo (os detratores e amigos vão dizer que é girlie demais).

- One Day, David Nicholls (2009)

Um dos grandes best sellers do ano (ainda que tenha demorado um tempo para ser "descoberto"). Apesar dos maneirismos britânicos, não tem como alguém de 30 e poucos não se identificar com as cabeçadas dos protagonistas. O filme, que andou no cinema há pouco tempo, é bastante assistível.

- Open City, Teju Cole (2011)

Acho que é o livro de estréia que eu queria ter escrito caso um dia virasse ficcionista. Caminhadas e viagens servem para o protagonista, intelectual e cosmopolita, divagar sobre solidão, artes, cidades, relacionamentos, violência...

- Solar, Ian McEwan (2010)

Hilário, com um protagonista canalha e a(i)moral e grande escrita.

- White Tiger, Aravind Adiga (2008)

Vale o comentário sobre o livro anterior. Grande recurso para entender um pouco sobre o "I" dos BRICS.

Quadrinhos:

- Asterios Polyp, David Mazzuccheli (2009)

Quem ainda duvida do potencial artístico e literário dos quadrinhos, pode ir direto a essa obra prima, lindamente escrita e desenhada. Polyp é um arquiteto que tenta reencontrar um rumo depois de um divórcio e um apartamento incendiado; no processo, pensa e faz pensar sobre o que realmente importa na vida.

- The Fart Party (2007) e Drinking at the Movies (2010), Julia Wertz

Vejo um pouco de Harvey Pekar na Julia Wertz, ainda que com um estilo totalmente diferente. Vale pela diversão e pelos insights da vida nos EUA nos últimos anos.

- Feynman, Jim Ottaviani e Leland Myrick (2011)

Biografia do cientista mais pop que já passou por aqui; não gostei muito dos desenhos, mas o personagem e seus "causos" e conquistas compensam (e é bastante bem escrito, baseado nos livros do próprio Feynman).

- Logicomix: An Epic Search for Truth, Apostolos Doxiadis, Christos H. Papadimitriou, Alecos Papadatos e Annie Di Donna (2009)

Junto com Asterios Polyp, tem lugar garantido na galeria de melhores graphic novels da história. Segue a carreira de Bertrand Russell, passando por diversos dos gênios matemáticos do século XX (Cantor, Gödel, Poincaré...), suas grandes descobertas, frustrações e loucuras.


Sugestões do que deixei pra trás, sempre benvindas nos comentários.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Os Filmes de 2011


No ano passado, essa mesma lista tinha só 13 filmes (de uma amostra mais ou menos do mesmo tamanho; o critério é o que passou no cinema em São Paulo durante o ano), e não acho que 2011 tenha sido um ano especialmente bom para a arte. A conclusão inevitável é que meus padrões baixaram, e o leitor deve levar isso em consideração. De qualquer maneira, ao longo deste ano gostei de:

- Abutres (Carancho), de Pablo Trapero

Uma ótima história de personagens sombrios e desesperados, bem diferente do que se costuma ver do cinema argentino por aqui. Não estranharia se fosse refilmada em Hollywood.

- Amor a Toda Prova (Crazy, Stupid, Love), de Glen Ficarra e John Requa

Porque alguma comédia americana tinha que se salvar, e essa tem atores acima da média, bom roteiro e (raridade) não apela para piadas escatológicas fora do contexto. Impressionante também ver a forma da Marisa Tomei, aos 46 anos.

- Balada do Amor e do Ódio (Balada triste de trompeta), de Álex de la Iglesia

Uma comédia de humor estranho, que começa na Guerra Civil Espanhola e termina com cenas que lembram a estética de Underground, do Emir Kusturica (só falta a trilha alucinada de Goran Bregovic).

- Cisne Negro (Black Swan), de Darren Aronofsky

Aronofsky não deixa muito espaço para sutileza e faz um filme sufocante, que tira o melhor da Natalie Portman (depois ela merecia ter o Oscar confiscado por ter feito Sexo Sem Compromisso).

- Contágio (Contagion), de Steven Soderbergh

Grande elenco e direção precisa de Soderbergh. Talvez seja o grande filme americano de 2011, e é muito representativo dos nossos tempos - confiemos no governo, quando as coisas apertam, é quem salva todo mundo (brilhante leitura do David Denby, acho que o melhor crítico de cinema que tenho lido).

- Um Conto Chinês (Un cuento chino), de Sebastián Borensztein

Sim, os malditos argentinos também sabem fazer boas comédias. Quero ver quando o Ricardo Darin se aposentar.

- Em um Mundo Melhor (Hævnen), de Susanne Bier

Acho que Incêndios (abaixo) merecia o Oscar de filme estrangeiro, mas esse filme perturbador sobre grandes temas (paternidade, ódio, caridade) não faz feio com o prêmio.

- O Discurso do Rei (The King's Speech), de Tom Hooper

Talvez não tenha merecido tanta consagração (e Colin Firth estava melhor em Direito de Amar), mas não deixa de ser um bom filme.

- Fora da Lei (Hors-la-loi), de Rachid Bouchareb

Um épico sobre o movimento de independência da Argélia, contado do ponto de vista de três irmãos que são forçados a migrar para a França. Foi muito criticado (justamente) por algum revisionismo histórico; descontado isso, é um filmaço.

- Homens e Deuses (Des hommes et des dieux), de Xavier Beauvois

A história (real) de um monastério trapista na Argélia não precisa ser sonolenta, acreditem.

- Incêndios (Incendies), de Denis Villeneuve

Foi o filme favorito do Tyler Cowen; como disse acima, teria o meu voto para o Oscar de filme estrangeiro. Grande história com a guerra civil do Líbano como pano de fundo.

- Jogos de Poder (Fair Game), de Doug Liman

Das histórias reais que são mais estranhas do que obras de ficção, produto da política externa americana dos anos Bush.

- Margin Call - O Dia Antes do Fim (Margin Call), de J.C. Chandor

Resenhei aqui.

- Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual (Medianeras), de Gustavo Taretto

Confirmando o comentário de Um Conto Chinês, desta vez na linha da comédia romântica. A história se passa em Buenos Aires, mas poderia ser em São Paulo, Nova York, Paris, Hong Kong...

- Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris), de Woody Allen

Algumas notas acima de Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos, mantem a impressionante média de produção de Allen e extrai uma boa atuação de Owen Wilson. Não é pouca coisa, acho.

- Minha Terra, África (White Material), de Claire Denis

Pode ser lido como uma versão atualizada e sombria de Entre Dois Amores (Out of Africa). Denis cresceu entre Burkina Faso, Somália, Senegal e Camarões, sabe muito bem do assunto que trata.

- A Minha Versão do Amor (Barney's Version), de Richard J. Lewis

Barney Panofsky (personagem do Paul Giamatti) é um idiota, e por isso me identifiquei com ele (deve acontecer o mesmo, em alguma medida, com homens dos 20 aos 50). E Rosamund Pike, ex-Bond girl, aqui morena, nunca esteve tão bonita.

- Saturno em Oposição (Saturno contro) e O Primeiro Que Disse (Mine vaganti), de Ferzan Özpetek

Até agora gostei muito de todos os filmes que vi de Özpetek, turco radicado na Itália que gosta de filmar belas cidades e amores complicados.

- O Sequestro de um Herói (Rapt), de Lucas Belvaux

Thriller francês impecável e tenso, parte do sequestro de um empresário e vai construindo um retrato pouco simpático de como são geridas as grandes corporações.

- Um Sonho de Amor (Io sono l'amore), de Luca Guadagnino

Tilda Swinton, uma das minhas atrizes preferidas, consegue convencer como uma russa que fala italiano.

- Submarino (Submarine), de Richard Ayoade

Grande sensação cult da Mostra de São Paulo, divertido e despretensioso.

Também recomendável, embora não tenha passado no cinema (passou na HBO): Too Big To Fail, de Curtis Hanson. Falei dele aqui.

Outros filmes da minha amostra (notas de 1 a 5 asteriscos):


A Pele Que Habito *** (acho que o Almodóvar errou a mão pela primeira vez em muito tempo)
A Inquilina *
Além da Vida ***
Amizade Colorida ***
Apenas Uma Noite ***
Biutiful ***
Bruna Surfistinha ***
Caminho da Liberdade **
Cópia Fiel ***
Inverno da Alma ***
Malu de Bicicleta ***
Melancolia ** (gosto muito do Von Trier, minha birra com a Kirsten Dunst deve ter atrapalhado)
Missão Madrinha de Casamento ***
Namorados Para Sempre *** (pegadinha ridícula da distribuidora no Brasil, foi lançado com esse título no fim de semana do dia dos namorados, mas a história é de um relacionamento caindo aos pedaços)
Não Me Abandone Jamais *
O Casamento do meu Ex ***
O Mágico ***
O Vencedor ***
Os Amores Imaginários ***
Professora Sem Classe * (segundo pior do ano)
Que Mais Posso Querer ***
Quero Matar Meu Chefe ***
Reencontrando a Felicidade ***
Rio *** (grande patriotada a crítica local ter gostado tanto)
Se Beber, Não Case! Parte 2 **
Sexo Sem Compromisso * (pior do ano)
Shocking Blue ***
Trabalho Interno *** (critiquei aqui)
Um Dia ***
Um Lugar Qualquer **

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Um grande filme sobre a crise e o mercado financeiro: Margin Call

[O texto deve ter alguns spoilers - nada que atrapalhe muito quem ainda não assistiu, mas os mais sensíveis a isso talvez prefiram ver o filme antes de ler.]

David Denby, um dos críticos de cinema da New Yorker, disse que Margin Call é "facilmente o melhor filme já feito sobre Wall Street", afirmação da qual é difícil discordar. O que me leva a essa conclusão é tanto o que o filme mostra (mais adiante) quanto o que não mostra: aqui não têm vez prostitutas de luxo (pelo menos visualmente), cocaína, conspirações, mesas de operações histéricas e dândis de dockside sem meia ostentando relógios de ouro. Os estereótipos dão vez a um realismo cínico que é facilmente identificado por quem já trabalhou no mercado financeiro, e a história e os diálogos são tão bem construídos (claro que o elenco estelar ajuda) que mesmo quem não tem interesse particular pelo assunto vê os 107 minutos passarem com facilidade.

Margin Call acompanha 36 horas infernais na vida de um banco de investimentos americano, envolvido até o último fio de cabelo na bolha imobiliária que estourou nos EUA em 2008. As referências ao Lehman Brothers são óbvias: desde a data escolhida para o lançamento no circuito americano (15 de setembro, exatos três anos depois que o Lehman pediu falência) até o nome do presidente do banco fictício - John Tuld, mudando uma letra pode-se ter o ex-presidente do Lehman (Fuld) ou o Inglês para "pedaço de merda" (turd - não sei se essa sacanagem foi intencional, mas me pareceu evidente). Nesse tempo, um executivo de riscos é demitido e entrega para um de seus funcionários um pen drive (uma das poucas cenas pouco críveis do filme - o segurança do banco que o acompanhava no elevador jamais teria permitido). Nele estão simulações estatísticas que levam à conclusão inevitável de que o banco está muito perto de ir pelo ralo.

A partir daí, toda a hierarquia da companhia é convocada para um comitê apocalíptico. Claro que os altos executivos já haviam sido avisados da situação, mas decidiram, como a esmagadora maioria do mercado, dançar até os últimos acordes da música (imagem criada por um ex-presidente do Citi e usada com muita propriedade no filme). Aí começam as diferenças com a realidade: enquanto o Lehman não conseguiu (ou não quis) tomar as medidas que salvariam o banco, e esperou até a última hora por um comprador ou pela intervenção do governo (essa situação está muito bem ilustrada em outro filme bastante recomendável, Too Big To Fail), o banco de Margin Call é o primeiro no mercado a perceber que a música parou. Levando isso em conta, toma as medidas para salvar a companhia: uma das frases antológicas do presidente John Tuld é "existem três maneiras de sobreviver no negócio: ser o primeiro, ser o mais esperto ou trapacear"; em um dia a equipe da mesa de operações exercita um pouco de cada uma delas e, ao fim desse dia, entendo que o banco estava salvo (creio que quem fez algo mais próximo disso na vida real foi a Goldman Sachs).

Enredo à parte, a galeria de personagens, do analista recém formado até o presidente do banco, passando por traders, executivos de risco e sócios, é riquíssima e completamente sintonizada com a realidade. O elenco, como já disse, é fabuloso: só para ficar nos nomes mais famosos, Jeremy Irons, Kevin Spacey, Paul Bettany, Stanley Tucci, Demi Moore, todos excelentes em seus papéis. A direção e o roteiro, de J.C. Chandor, são muito competentes, mais ainda levando em conta que é o primeiro longa no qual trabalhou. O conjunto é um grande filme sobre os nossos tempos, informativo sem ser exageradamente denso; acima de tudo, entretenimento de grande qualidade, que acho que é dos melhores elogios que podem ser feitos a um filme.

Margin Call estreou em São Paulo semana passada, e, enquanto escrevo, ainda sobrevive em três salas. Não sei se já está disponível nos iTunes e Netflix da vida; se não, deve aparecer em breve.

P.S. Não há nenhuma chamada de margem no filme, apesar do título. E é quase óbvio dizer o quanto é desnecessário o subtítulo aqui no Brasil (O Dia Antes do Fim).