segunda-feira, 4 de março de 2013

Qual classe média?

Terminei no fim de semana The Haves and the Have-Nots: A Brief and Idiosyncratic History of Global Inequality, do economista do Banco Mundial Branko Milanovic. O livro é uma ótima introdução não-técnica (quer dizer, até onde consegue ser para adentrar o tema) sobre os vários jeitos de medir desigualdade, temperado com pequenas vinhetas sobre casos específicos.

Uma delas (3.2) pergunta e se propõe-se a responder se há uma classe média global. Nos cálculos do autor, a classe média global (por um critério que considera como classe média famílias que têm renda a até 25% da renda mediana) abrange 850 milhões de pessoas, com renda média diária entre $2,5 e $4 por dia (já ajustados por poder de compra). A reflexão final desse ensaio merece ser compartilhada, sobretudo num país que tem celebrado uma "nova classe média" com renda per capita entre R$291 e R$1.019 por mês (o critério brasileiro é diferente e mais opaco):

Due to the technological revolution (there were no cell phones ten years ago) and the decline in relative prices, consumer goods are now available to a lot of people. Far be it from me to deny their value and importance, but a cell phone does not a middle class make. If one lives in a shack, in insalubrious conditions, with a volatile income that is barely above subsistence, and is unable to send his kids to school or offer to his family decent health care, it makes no sense to classify him as part of some imaginary "global middle class" because he can dial a cell phone.

18 comentários:

Gabbardo disse...

Thomas Friedman entra em colapso ao ler esse parágrafo, hein.

Anônimo disse...

O que vc quer dizer com este post?

Drunkeynesian disse...

Que comemorar o aumento da "classe média" com base em um critério estatístico não vale muita coisa.

Drunkeynesian disse...

Que comemorar o aumento da "classe média" com base em um critério estatístico não vale muita coisa.

Anônimo disse...

Alguém me explique o que se passa com a família X. O Mr. X sempre foi um pouco fanfarrão demais, mas como o mercado pode mudar de opinião tão rápido. O chão é o limite?

Abraços

Drunkeynesian disse...

"You can't lose what you ain't never had"

http://drunkeynesian.blogspot.com.br/2012/06/ai-que.html

Anônimo disse...

Pra quem entrou nessa tal classe média, isso aí não foi "critério estatístico", mas sim bife na janta.

Drunkeynesian disse...

Não estou negando que houve avanço no combate à pobreza, só contesto o jeito de medir.

Gustavo Noronha disse...

Mas será que a classe média de R$291 consegue ter bife na mesa, mesmo?

André Egg disse...

Muitos saíram de miseráveis para pobres, e poucos entraram na classe média.

O critério de renda é insuficiente, ainda mais em um país em que a renda compra tão pouco conforto como no Brasil.

É bem interessante perceber que um sujeito que aumentou bastante sua renda em anos recentes, mas, por exemplo, não tinha um imóvel bem localizado, continua não podendo comprá-lo, porque os preços subiram bem mais que a renda.

Por outro lado, você ter renda, mas não ter acesso a bens culturais, não chegarem boas revistas na banca do teu bairro, não ter padaria perto, não poder sair à noite por não saber se volta vivo, etc., pode não ser um grande indicativo.

Ou seja, ser de classe média envolve muito mais que renda - tem que considerar de que patamar sócio cultural o sujeito está partindo, para depois adicionar a renda como critério de classificação.

Aliás, tem bastante debate teórico sobre esse negócio de a Classe C (renda) ser mesmo uma "nova classe média", posição social.

Qual é o economista brasileiro (ou será sociólogo, não lembro) que chama a Classe C (corretamente, no meu entender) de "trabalhadores pobres"?

A vida melhorou um bocado no Brasil, mas continuamos muito abaixo do padrão de países vizinhos como Argentina, Uruguai e Chile. Para chegar no padrão de um desempregado espanhol precisamos melhorar décadas...

Ticão disse...

"renda média diária entre $2,5 e $4"
Presumo que sejam dólares.
2,5 x 2 x 30 = R$ 150,00
4 x 2 x 30 = R$ R$ 240,00

E o parâmetro do gov brasileiro 
"uma "nova classe média" com renda per capita entre R$291 e R$1.019 por mês (o critério brasileiro é diferente e mais opaco)"

Diferente, sem dúvida. Mais opaco, não entendi porque.
Tá certo que "um celular não faz uma classe média". Mas o que é que faz?
Escola? Pública ou privada? Meio dia ou integral? E como classificar a qualidade da escola?
Serviços de saúde? Com lista de doenças não cobertas? Quais doenças? Com direito a quantos dias de ÚTI? Remédios 100 % incluídos ou com lista de restrição? Mesmo os experimentais?
Revista de qualidade? E jornais também? Se a iniciativa privada não providencia a banca perto de casa o estado deve instalar? Vai rolar uma "bancabrás"? E uma comissão de notáveis para definir que revista é de qualidade e qual é meia boca?

Que tal pelo menos 2 ingressos anuais para uma ópera?
Não podemos nos esquecer do acesso a pelo menos um show do Caetano. 6 ingressos para um parque aquático ou 2 para um Fla-Flu.

Salário de 5.000 na Suécia é de classe alta. E no Iemem é de classe baixa.
Muito estranho esse raciocínio. 
Acho que vou criar meu próprio critério de classes sociais e assim vou poder dizer de boca cheia "vocês todos estão redondamente enganados". 

Ticão

Drunkeynesian disse...

Ticão, são dólares ajustados por paridade do poder de compra, então pra chegar em reais tem que multiplicar por um fator de conversão (que, pro caso do Brasil, deve ser próximo de 1, dá na mesma - só pra ser chato, mesmo).

Critério do Brasil é mais opaco porque não leva em conta só os percentis da população, considera outros fatores pra chegar nos limites.

Pra olhar outras coisas que não renda, a melhora do IDH aqui nem de longe acompanhou a de renda. Renda é um indicador importante, mas não pode ser o único, menos ainda num país com inflação alta, como o Brasil.

LP disse...

Drunk,

O Adolfo no link abaixo também fala sobre a classe média. O que ele expõe também é bastante importante.

http://bdadolfo.blogspot.com.br/2013/01/a-classe-media-realmente-aumentou.html

Abs

Anônimo disse...

Devemos comemorar crescimento da classe média com base em que tipo de critério? Impressão? É um critério razoável, e qualquer brasileiro deve ter sentido as mudanças gigantescas, mas creio que seja um pouco inadequado pro Governo se manifestar oficialmente em cima de IMPRESSÕES.

Definições estatísticas são sempre limitadas, cabe entender o que cada uma tá dizendo.


Agora, o que o trecho diz, muito diferente do que acontece no Brasil que é um avanço significativo das classes mais em TODAS áreas do consumo, no salário, no acesso a todo tipo de serviço e etc, é com algumas definições pós-modernosas de classe média que acham que ESTAR INSERIDO NA INTERNET significa mais do que realmente é. Como se um pobre coitado morrendo de fome mas com um smartphone fosse de uma NOVA CLASSE MÉDIA MUNDIAL.

Anônimo disse...

O critério brasileiro é muito mais rico do que este, pois leva em conta o risco do "classe média" voltar a ser pobre.

André Egg disse...

Só pra esclarecer meus critérios opacos para o Ticão:

O conceito de classe média para um economista é uma coisa. O conceito sociológico é bem outra, pois tem a ver com conceitos clássicos de estudos sobre a burguesia européia ao longo dos séculos XVIII e XIX e os white colars nos EUA do século XX.

Acho que eu vou procurar os autores, e citar direito aqui.

Anônimo disse...

off-topic:
Drunk, nao sei se vc chegou a ver esse trabalho sobre a Argentina, comparando a inflação oficial (divulgada pelo governo) vs. evolução dos preços online.
Na pg. 38 o autor testa se a inflação do governo e a inflação online atendem à Benford's Law.
O resultado é interessantíssimo hehe.
Segue link: http://www.mit.edu/~afc/papers/Cavallo-Argentina-P.pdf
abs,
J

Drunkeynesian disse...

Tinha visto alguns estudos de consultorias, mas não esse paper. Obrigado, vou dar uma olhada.