quinta-feira, 21 de março de 2013

Argentina e uma possível falta de dólares no mundo

Ontem o dólar paralelo atingiu novo recorde na Argentina, cotado a 8,63 pesos (ágio de quase 70% contra a cotação oficial - mais na Folha; cotações atualizadas aqui; gráfico aqui). Todo mundo sabe do problema de escassez da moeda americana por lá, e é claro que ele tem mais motivações idiossincráticas do que globais. Mas pode ser que a Argentina esteja sendo o canário na mina de carvão, a primeira indicação de um problema de financiamento em dólares que em breve pode afetar outros países.

De alguns meses para cá, creio que os EUA se tornaram novamente o melhor destino para a poupança global - melhor até do que a Suíça, que em 2011 colocou um teto para sua moeda contra o euro. Os EUA têm bancos sólidos, já saneados; oportunidades interessantes de investimento; legisladores não muito hostis com o mercado financeiro (para dizer o mínimo) e, pelo "privilégio exorbitante" de emitir a moeda global de transações, não terão problemas de financiamento externo até onde seja possível enxergar.

Além disso, o déficit em conta corrente americano vem diminuindo desde 2006, tendo mudado de patamar desde então e, aparentemente, voltado a fechar a partir do ano passado. Se vale a alternativa de substituição de importações de combustível pelo shale gas, essa pode ser uma nova tendência. E, amigos, déficit externo americano diminuindo não é nada bom para o resto do mundo, como mostra esse gráfico do Simple Economic Concepts for Complicated Financial Markets, ótimo livro da turma do GaveKal Research que merece uma reedição (como de costume, descontem minhas incríveis habilidades de digitalização de imagens - clique para aumentar):



Se de fato a Argentina for a primeira da série de vítimas de um encolhimento da liquidez em dólares, quais serão os próximos dominós a caírem? Os candidatos evidentes são países com grandes déficits de conta corrente: entre os maiores (critério: os que aparecem toda semana nas tabelas das últimas páginas da The Economist) estão Turquia (6% do PIB) e África do Sul (5,4% do PIB). A moeda turca anda relativamente bem comportada, mas o rand sul-africano já perdeu quase 30% contra o dólar desde o topo, em abril de 2011.

Ainda que o déficit externo brasileiro seja relativamente pequeno (3,5% do PIB), me preocupa a dependência do país de commodities para gerar dólares. É provável que, se o dólar começar a se valorizar contra as principais moedas do mundo, isso afete os preços das matérias primas, e a balança comercial brasileira pode se deteriorar rapidamente (mais ainda com a nossa recém criada demanda por gasolina importada - mais nesse relatório da Nomura). Com isso em mente, tenho cerca de 30% da minha poupança em dólares, e recomendo a todos que me perguntam considerar essa opção. Os dias em que comprar até lenço de papel em Miami é mais barato podem estar acabando.

DXY (dólar americano contra cesta de moedas, preto) x CRB (índice de commodities, laranja)

14 comentários:

F. Arranhaponte disse...

Mega interessante post

Drunkeynesian disse...

Só um pouco de pajelança futurista :P

Anônimo disse...

Qual o melhor jeito de comprar dólares e tirar o dinheiro daqui?

Já quero fazer isso ha algum tempo, mas não sei como...

Se tiver um jeito cômodo e barato de investir lá fora (bonus brasileiros em dolar, ações americanas), conta aí p favor!

abs

Drunkeynesian disse...

O jeito simples é aplicar num fundo cambial em reais - só que aí você fica com um monte de riscos idiossincráticos.

Se você tiver conta em um banco global, acho que é relativamente fácil abrir uma conta lá fora e mandar dinheiro, nesse caso precisa prestar atenção para colocar os impostos na conta.

Anônimo disse...

A contabilidade dos bancos americanos é tão criativa quanto as nossas contas públicas. Há muitos ativos de bancos que não são sujeitos ao critério market to market, até onde eu sei. De resto não há dúvidas de que no passado expansão mundial somente ocorreu com o aumento do déficit em cc dos EUA. Afinal, quase 25% do PIB global é representado pelo consumo americano. KB

Drunkeynesian disse...

Qualquer balanço de banco deve ser tomado com muitos grãos de sal, mas tenho a impressão que lá os valores estão mais próximos da realidade, depois de toda a ajuda do governo. Muito diferente da Europa.

Anônimo disse...

A Argentina é vítima de um encolhimento da liquidez em dólares?!! E o default da dívida e a fixação da taxa de câmbio não conta? E a reestatização de empresas?

Drunkeynesian disse...

Isso está no primeiro parágrafo do texto:

"Todo mundo sabe do problema de escassez da moeda americana por lá, e é claro que ele tem mais motivações idiossincráticas do que globais"

A economia por lá anda uma merda há algum tempo, a questão é porque só agora o câmbio paralelo explodiu.

Anônimo disse...

Fico até incomodado com esse papo, mas acertaste na mosca! Temos um governo que não tem especial apreço por manter o valor da moeda. A doutrina econômica do governo gosta de câmbio fraco e inflação só é problema se as pesquisas eleitorais indicarem isso. No downturn isso vai ser testado sem dúvida. Se o brasileiro for tão indiferente à inflação quanto os venezuelanos e argentinos, meu apê de Ipanema vai fazer o movimento de reversão à média.
Maradona

Anônimo disse...

Mas drunk, o paralelo tá cerca de 60% a 70% do oficial há muito tempo. Eventual explosão é fruto desta ou daquela medida do governo. E você vem e fala em "motivações idiossincráticas globais"! Isso não me diz nada. Vamos botar pingos nos is: a política econômica está equivocada...

Drunkeynesian disse...

Há um problema de interpretação de texto aqui... não quero ser pedante, mas - releia a frase que eu destaquei.

Gustavo disse...

Pode haver relação entre o que você narra e uma possível troca de divisas entre Brasil e China (ver
http://blogs.ft.com/beyond-brics/2013/03/22/china-and-brazil-finally-delivering-a-currency-swap/#axzz2OHJGcNoI
)? (Peço desculpas se a pergunta for idiota, mas é que sou leigo em economia...)

Drunkeynesian disse...

Não tem, não, essa é uma medida sobretudo pra facilitar comércio entre os dois países.

Gustavo disse...

ok, obrigado pela condescendência com o leigo e rapidez na resposta. Saudações!