Com a advertência de que quase fiquei um semestre a mais na graduação por conta de Teoria dos Jogos, aí vai uma análise rápida do que pode acontecer com o Chipre nos próximos dias:
- A condição imposta pela Troika para Chipre receber €10 bilhões de ajuda externa é conseguir arrancar dos contribuintes €5,8 bilhões em forma de uma taxa sobre o estoque de depósitos bancários (a outra questão relevante é se esse dinheiro é suficiente para salvar um sistema bancário com €126 bilhões em ativos, sete vezes o PIB da ilha - mas deixemos essa de lado, por enquanto).
- Aparentemente, a ideia inicial era aprovar as medidas rapidamente, no final de semana, evitando assim o confronto com a população. Esse plano falhou, e agora deve parecer claro que é uma espécie de suicídio eleitoral para um político defender abertamente a medida que gerou tanta controvérsia.
- Assim, é mais provável que o plano não seja aprovado (está em discussão enquanto escrevo), e a bola volta para a Troika, que pode (i) relaxar os termos e pensar em um pacote mais amigável; (ii) bater o pé e não liberar o dinheiro. Se as condições forem amenizadas, é provável que Chipre leve um pacote em termos parecidos que outros países, sem necessidade de medidas imediatas radicais e algum comprometimento para o futuro (esse tipo de blefe funcionou para a Grécia em novembro de 2011, com o então Primeiro Ministro George Papandreou ameaçando convocar um referendo para votar um acordo e provocando um recuo dos emprestadores). Caso isso não ocorra, Chipre pode decidir que passar o pacote é a melhor opção ou romper com a Troika e, possivelmente, sair do euro.
- Para resumir a confusão acima: ou Chipre entra em um acordo com a Troika (em termos ruins ou menos ruins) ou há o risco concreto de Chipre deixar a união monetária. Se isso acontecer, é provável que, novamente, a sobrevivência do euro seja colocada em questão pelos mercados e a Troika teria que apagar outro grande incêndio. Uma matriz de payoffs estilizada e meio torta pode ser:
- Creio que, por agora, Chipre tem os incentivos para adiar uma solução e tentar conseguir uma oferta melhor (ou uma negociação paralela com a Rússia - vida loka). Confrontada com essa opção, a escolha racional da Troika seria apresentar uma alternativa menos draconiana e liberar o dinheiro. Imagino que esse seja o equilíbrio se todos agirem "racionalmente".
- O problema, claro, está no "racionalmente" e em que mensagem a Troika (para alguns, leia-se: Alemanha) quer passar para os periféricos. Deixar Chipre afundar seria uma mudança importante na postura dos países fortes envolvidos, e delimitaria os termos de negociações com outras economias que futuramente precisarem de ajuda.
- Se Chipre resolver sair do euro, curiosamente, vai parecer que a melhor alternativa teria sido aceitar a taxa, já que provavelmente a desvalorização do câmbio e a subsequente inflação devem tirar do poder de compra das economias dos cipriotas muito mais do que os 6,75% (ou 9,9%) propostos. Porém, a saída da desvalorização pode parecer menos arbitrária, e, sobretudo, seria uma demonstração de soberania.
Em resumo, apostaria que esta semana o pacote seja rejeitado e volte uma oferta em condições mais amenas, que seria aprovada. Porém, levando em conta as consequências para os mercados de cada um dos cenários (business as usual, se der tudo certo versus caos, se der tudo errado) e suas probabilidades, é bastante recomendável pensar numa saída para se o pior se concretizar. Confiar na racionalidade humana raramente é uma boa estratégia de sobrevivência.
terça-feira, 19 de março de 2013
O cálculo político de Chipre
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24 comentários:
Uma solução não poderia ser aplicar uma tabela progressiva de forma a taxar de forma bem mais agressiva os depósitos cada vez mais altos? Parece que boa parte desse dinheiro, principalmente nas maiores contas, é sujo. Isso faria parecer que não houve tunga na população, melhoraria o apoio popular à proposta etc
Acho que cogitaram isso; aí o problema seria, literalmente, combinar com os russos.
Eles vão chamar a polícia?
E ainda tem o problema adicional de que 1/3 da ilhota minúscula (no Brasil só não seria menor do que o DF) é administrada para todos os fins práticos pela Turquia. No cálculo político caos de um lado, estabilidade de outro... Turquia x Grécia... Prato cheio para quem gosta de cenários confusos.
Mas o governo está no começo, formalmente teria tempo para reverter eventuais mancadas.
por que poupança é necessário para investimento, num mundo onde bancos operam sem restrições de reservas?
O pacote foi rejeitado, salvaram-se até aqui boa parte da bolada de dinheiro russo que ou é sujo ou é para fugir de impostos.
Sobre a economia vai melhorar mais rápido com a saída do Euro, sinceramente depende muito se vão conseguir explorar as reservas de gás, eu não apostaria nisso, mas se traçasse um cenário vão se tornar um satélite da oliquarquia russa.
abraços,
Marcelo
Sinceramente?
Drunk, nao creio que o que esteja em jogo para o Chipre seja uma politica fiscal ou monetaria independente, ou recuperacao mais rapida. O principal para eles eh manter-se como paraiso fiscal. Mesmo a populacao entende que esse pode ser o fim dos ganhos de se ter um enorme estoque de riqueza aportado ali. Assim, acho que o dilema para o Chipre eh um pouco diferente e a percepcao de contagio tambem deve ser.
desculpe pelo sinceramente.
Teoria dos jogos assume participantes racionais. Acho que não se aplica neste caso.
Na minha opinião esta não é uma questão econômica e sim política. No fundo o que nós temos são os eleitores alemães de um lado e os eleitores cipriotas do outro. Vai ser difícil encontrar uma saída que não seja suícidio eleitoral nem Merkel nem do parlamento cipriota.
Porque os participantes nesse caso não seriam racionais? Pelo contrário, essas incertezas todas exigem alto grau de sofisticação nas ações.
Mania essa de acharmos que a política não tem racionalidade quando o problema é que a maioria dos economistas não entende p@#$a nenhuma do assunto.
Parafraseando Clemenceau: “A Economia é um assunto muito importante para ser deixado a cargo dos economistas”.
Vejo uma reação enorme à tungada dos investidores cipriotas, uma economista muito boa do Brasil afirmou que foi uma burrice enorme, outros dizem que coloca em risco toda a estrutura bancária, abre um precedente terrível, coisa e tal. Acho que tungar via impostos, inflação ou desvalorização pode, mas mexer nas aplicações é crime. entendo o efeito manada, portanto falo em tese pois sempre parece que bail-out com dívida pública é o mal menor, mas acho que quando o sistema bancário se torna muito (muito mesmo como é o caso de muitos países europeus) grande e a coisa fede, o investidor deve participar com sua grana mais do que os tax-payers. Não consigo achar um absurdo nem teria pena se isso fosse feito em países maiores europeus associado a um krugmanismo. Tempos extraordinários mesmo. Heterodoxias 1 vez a cada século em países ortodoxos.
Maradona
Maradona! A eleição do papa - finalmente descobriram um argentino abaixo de Deus :) - te tornou heterodoxo?
Brincadeira cara, mas acho que acertastes bem no ponto: ao aventar a hipótese de os aplicadores também pagarem a conta abre-se um precedente pavoroso (para alguns).
Pô Jorge, você conhece minha carreira, mas um papa portenho me deixou mais sensível mesmo.
Evito a heterodoxia por me parecer que eles propõe um atalho para felicidade que ninguém viu. E por refutar os que acham que os ortodoxos são financiados por texanos que matam ursinhos panda. Quer perder peso? Evita o rodízio de pizza, porra!
Enfim, acho que em situações estranhas devemos afastar a religião das decisões mesmo, até o papa portenho. Todo o aplicador em um sistema bancário alucinado deveria estar na lista de convidados a pagar a conta, mesmo que não seja russo mafioso e seja uma família classe média. O aplicador já tomou várias porradas historicamente, 10%/15% numa situação bancária limite acho que deve ser pensado. Sei, tem o contágio...
Mas tenho em mente que tomar dinheiro dos outros com a caneta é sempre atraente para dirigentes e só pode ser pensado na ante-sala do inferno. E não vale fazer uma tonelada de besteira para entrar na sanha de "vamos invadir a cobertura e fazer um churrasco". Não conheço país que tenha esse ambiente e não seja uma tragédia sem fim. Os odiadores do capital e da acumulação de riqueza estão muito presentes, não se pode dar muita moral para eles geralmente.
Maradona
Até acredito que seja um golpe mortal para Chipre como centro financeiro internacional.
Apesar do "imposto" ter tirado os gregos, qualquer depositante estrangeiro sabe que agora tem risco, só que racionalmente você como alemão quer pagar a conta de um paraíso fiscal que pagava juros atraentes ou ver o estrago?
O que os investidores russos pensaram que a Europa iria cobrir a sua posição, coisa que agora sabemos que não. O resultado foi que a confiança para o setor bancário está abalada. o Presidente de Chipre havia prometido quando candidato nunca aceitar um corte nos depósito.
Ou seja se a Troika já demostra má vontade com os paraísos fiscais, o presidente cipriota muda de ventos muito fácil, ameaçando até o dinheiro de quem estava nos bancos sem problemas, esta decisão de punir todos os poupadores igualmente em todos os bancos, independentemente de solvência do banco, irá afetar os dois maiores bancos que vinham concentrando os depósitos principalmente dos nativos.
E fica a questão por que só os gregos tiveram tratamento diferenciado, a queda do acordo só vai aumentar a sangria diária em um país sem confiança com custo maior do resgate, e com o norte da Europa não querendo pagar a conta de salvar, a única saída no horizonte é o Chipre sair do Euro, e vermos o que vai dar, sem mercado financeiro resta-lhes ao ver começar a prospecção dos campos de gás e quem sabe alugar base para russos.
Marcelo
Concordo, Marcelo, o golpe foi fatal para qualquer pretensão de centro financeiro.
Estou curioso para saber como vai ser a volta do feriado bancário, não vejo motivos para alguém em sã consciência que conseguir sacar em euros (mesmo com o hit de 10%) deixar o dinheiro lá.
Tá aí Maradona, deixando os estereótipos de lado tem-se muito em comum. A afirmação da Teoria Econômica de que "não existe almoço grátis" acrescentamos a pergunta da Economia Política "então como distribuímos a conta?". Esse é o bom debate.
Informação do pessoal de lá, interessante ver o outro lado.
O Nouriel Roubini parece ter a mesma opinião sobre os russos.
@Nouriel 20 mar
Russia doesn't just want the right to Cyprus offshore gas reserves; it also wants a military naval base there in exchange for a bailout
E ontem a noite ainda li um rumor que um grupo russo tinha oferecido 5 bi pelo maior banco estatal do Chipre.
Abraços,
Esse rumor foi desmentido pelo BCE... de qq jeito, é isso, o plano A é ser tungado pela Troika, o B virar quintal da Rússia. Tá fácil a vida.
Na retrospectiva não parece que se a Grecia tivesse saido do euro a cinco anos estaria muito melhor?
Os proximos cinco anos dentro do euro pro Chipre parecem que vão ser melhores ou piores que os da Grécia?
Se acertassem na política econômica depois (um grande "se"), acho que estariam bem, sim - o exemplo mais bem acabado é a Islândia (ainda que com todos os caveats - país pequeno, desvalorização tem grande efeito na economia, etc).
Eu não vejo saída boa pra situação de Chipre. Não consigo imaginar outra coisa que não uma corrida bancária quando os bancos reabrirem. Não consigo entender porque um cipriota manteria dinheiro no banco se puder sacar em euros (mesmo com o imposto) e puder mandar pra qualquer outro lugar (mesmo pra Grécia).
Drunk, você reparou no nome do governador do banco central do chipre? Panicos.
Sim, disseram... piada pronta.
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