sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Sobre o IPCA 2011

Não queria falar do IPCA de Dezembro, divulgado hoje (0,5% no mês, acumulou 6,50% no ano, exatamente o teto da meta do BC), mas tem tanta gente perguntando que um post vai facilitar minha vida:

- A inflação é alta, claro. É inaceitável? Não sei. A alternativa ortodoxa seria ter levado os juros ano passado para, sei lá, 15%, e torcer pela eficácia do instrumento. Achei estranho que, nesse ambiente, o BC tenha cortado juros, mas o gradualismo ou a preferência por medidas alternativas às altas de juros me agradam. Na minha opinião, a grande pisada de bola foi dona Dilma não ter usado o tal capital político do primeiro ano de mandato para comandar uma blitz contra a indexação de contratos, tarifas, etc. O custo disso, creio, vão ser alguns anos de inflação mais alta do que poderia ser, mas, ao contrário de muita gente de opinião respeitável, não acredito num descontrole. Na dúvida, claro, é sempre bom ter parte da poupança em NTN-Bs.

- A outra discussão levantada pelo número redondinho é se o IBGE não teria, digamos, enfeitado o resultado para o BC ficar bem na foto e não ter que escrever cartinha explicando o estouro da meta (já não teria caso fosse 6,53%, foi o combinado; claro que 0,03% de inflação pra lá ou pra cá, na prática, fazem muito pouca diferença na vida do brasileiro).

Eu não gosto de teorias conspiratórias porque não são falsificáveis: toda evidência é a favor da teoria e toda evidência contra é prova da "conspiração" tentando esconder. Para pegar esse caso, reconheço que o IBGE não tem sido exatamente um exemplo de lisura (vide os meses de vazamento do índice no site antes do horário oficial de divulgação, troca de presidente) e que a região (América Latina) tem um histórico não muito bom de transparência com a inflação. Por outro lado, acho que a inflação do Brasil é das mais acompanhadas do mundo: tem divulgação de índice praticamente todo dia e, sem exagero, centenas de pessoas acompanham isso de muito perto na iniciativa privada (bancos, fundos, corretoras, consultorias, etc), com todo interesse em que de fato o índice reflita o comportamento dos preços (afinal, boa parte do estoque da dívida pública carregada por esses agentes é remunerado por esses índices). Enfim, reconheço a probabilidade (relativamente baixa, creio) do IBGE ter limado um pouco o número para não caracterizar o estouro da meta, mas não acredito em nenhum desvio realmente significativo da realidade. Quando e se isso acontecer, creio que seria rapidamente percebido.

- Alguém tinha perguntado nos comentários do post anterior: o estoque de NTN-B em poder do público é algo como R$ 450 bilhões; portanto, uma diferença de 1 ponto-base (0,01%) no IPCA tem impacto de R$ 45 milhões no custo para o Tesouro.

34 comentários:

Anônimo disse...

É inaceitável porque foi o jeito encontrado para reduzir o salário real de muitas categorias e, assim, garantir a rentabilidade de diversos setores, esquecendo-se que o principal problema é o chamado custo Brasil.

Drunkeynesian disse...

Qual categoria teve perda de salário real no ano passado?

Anônimo disse...

"RIO - Levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que, no ano passado[2009], 89% das categorias na indústria, comércio e serviços tiveram aumento real de salário. Trata-se da maior proporção de negociações acima da inflação de toda a série, iniciada em 1996.
Segundo a entidade, após estudo dos reajustes de 700 unidades de negociação, cerca de 96% delas conseguiram, ao menos, repor a inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), desempenho ligeiramente inferior ao observado em 2006 e 2007.
Em 2010, 106 negociações (15%) apresentaram ganhos reais superiores a 3%. Em 2008, 29 haviam conseguido e, em 2009, 37 negociações. Quanto aos ganhos superiores a 5%, a mesma tendência é observada: 28 negociações, em 2010, diante de duas negociações, em 2008, e 10 negociações, em 2009.
No entanto, ainda é elevada a concentração de reajustes salariais próximos da
inflação: cerca de 74% dos percentuais negociados em 2008, 2009 e 2010 superam a inflação em 0,01% a 3%. Considerando somente as faixas de ganho real de até 2%, foram 56% das negociações em 2010; 63%, em 2009; e 64%, em 2008.
Segundo o Dieese, em 2010, houve queda no número de negociações com reajustes salariais insuficientes para repor a inflação e uma redução na magnitude dessas perdas inflacionárias. Aproximadamente 4% dos reajustes ficaram abaixo do INPC-IBGE.
O comércio apresentou a maior proporção de negociações com ganhos reais nos salários em 2010, 96% do total do setor. Indústria e serviços ficaram com 91% e 83% das negociações com aumento real, respectivamente." Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/dieese-89-das-categorias-tiveram-aumento-real-em-2010-2810245#ixzz1ihGvaPiA
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Conclusão. Não sei como ficaram as negociações para 2011. O meu ponto é que o imposto inflacionário está garantindo a manutenção do capitalismo de compadres.

Drunkeynesian disse...

I rest my case... maior episódio de pricing power da mão de obra dos últimos 15 anos, pelo menos.

Anônimo disse...

Mas isto não invalida o argumento de que vivemos sob um capitalismo de compadres.

Anônimo disse...

Eu tive. Aluguel dobrou e meu salário não acompanhou. Muita gente gasta de 30 a 40% da renda com moradia. Qual o peso no índice?

Anônimo disse...

E tem um detalhe: você pode ter 99% das categorias que tiveram ganhos reais, mas o 1% representa 80% dos trabalhadores empregados. Ademais, a pesquisa do DIEESE não representa o total de trabalhadores brasileiros.

Drunkeynesian disse...

Capitalismo de compadres: sim, concordo.

"Eu" = amostra tamanho 1. Não vale, né?

Pra não pegar o DIEESE, dá pra ver o dado de massa salarial real. Faz tempo que não olho, mas tenho quase certeza que sobe acima do IPCA há bastante tempo.

JGould disse...

"O custo disso, creio, vão ser alguns anos de inflação mais alta..." Acho que o DK matou a pau aqui. O problema é que mercado já precificou que o BC não persegue mais o centro da meta e sim algo abaixo do teto. Desancorando expectativas e, dado o nível de indexação de nossa economia(vide concessões em SP que trocaram o índice e "sifufu"), eventos como eleições municipais e a copa, o próximo biênio será do burulho. Não acredito tbm em descontrole mas, no "long-term", acho que não ficar barato.

Drunkeynesian disse...

Brasil tem uns equilíbrios estranhos... inflação acelera, mas pouca gente sente porque tem muito mecanismo de defesa via indexação e o governo compensa no salário mínimo / programas de assistência para quem não é coberto pela indexação. Os grandes perdedores são os poupadores - sobretudo FGTS, mas também poupança e fundos DI; acredito também que a maioria das empresas perdeu rentabilidade nos últimos anos, com pressão no custo da mão de obra e restrição do que consegue repassar nos preços (ainda que para quem tem alguns tipos de ativos tenha a compensação temporária dos ganhos de capital pela valorização do câmbio / ativos em real / quedas nos juros). De fato o país não é para amadores...

iconoclastas disse...

""Eu" = amostra tamanho 1. Não vale, né?"

pode por eu e meu sócios aí para engordar essa amostra...

mas sério, eu tenho ouvido a turma profissional liberal se queixar de perda de capacidade de manutenção de padrão. escolas, alimentação e contas em geral têm incomodado, e nego ( entre a 1/6 dúzia a que me refiro) não têm conseguido repassar para as notinhas...

Drunkeynesian disse...

iconoclastas, reconheço, mas acho que isso é fenômeno de bem pra cima na pirâmide de renda. O tal "brasileiro médio" deve ter menos do que se queixar.

Acho que tem um pouco de Balassa-Samuelson, há alguns anos vem uma mudança importante de preços relativos, com serviços ganhando sobre consumo. Quem usa mais serviços, sofre mais - e aí sente quem tem empregada doméstica, paga escola particular, etc.

Mesmo entre os profissionais liberais, acho que tem de tudo. Aqui em SP não é raro ver médico cobrando R$ 400 por consulta, não é possível que esse cara não esteja conseguindo ter ganho real. No mercado financeiro, por incrível que pareça, é que acho que as coisas pioraram sensivelmente e uns 3, 4 anos pra cá.

Anônimo disse...

Pode acrescentar um amigo de SP (Trabalha na TAM). Acabou o contrato dele e pediram reajuste de 100% no aluguel. Tem mais uns aqui no trabalho tb.

Drunkeynesian disse...

Bom, logo vamos concluir que todo a classe média-alta de SP ficou mais pobre, é isso?

Anônimo disse...

Quem sempre teve $$ no game está bem triste com a andada dos imóveis, mas sempre resta comprar um imóvel em Miami, pra quem custe o ambiente se sentir melhor.
Mas 2011 a dispersão de sensação econômica mudou mesmo, vejo empresário reclamando de custos, vejo classe média reclamando de aluguel e comida e o povão parece que tá de bem com a vida, mas a derivada segunda da satisfação é negativa. 2012 deve apertar mais a parada...
Fernando A.

iconoclastas disse...

"No mercado financeiro, por incrível que pareça, é que acho que as coisas pioraram sensivelmente e uns 3, 4 anos pra cá."

;^(

Drunkeynesian disse...

Fernando, concordo, parece que o topo do ciclo já ficou pra trás. A ver quem sai perdendo agora...

iconoclastas, concorda?
Talvez tirando private banking, a impressão que tenho é que está pior pra todos os ramos (asset, IB, tesouraria...).

Drunkeynesian disse...

Ah, research segue bem, também, a bolha que nunca fura...

iconoclastas disse...

concordo totalmente. aliás, o pessoal de research de RV é que eu acho que tem sofrido mais.

Drunkeynesian disse...

É mesmo? Tinha a impressão de que seguem gatos gordos, mas faz algum tempo que não acompanho o mercado...

iconoclastas disse...

"Ah, research segue bem, também, a bolha que nunca fura..."

opa, sério?

acabou de sair uma barca de um banquinho aí de SP, vou mandar nego te procurar...

;^))

Drunkeynesian disse...

Hahahaha, não tinha esse dado... mas a categoria deve ter uma poupança bastante boa dos anos anteriores, vão se virar bem.

iconoclastas disse...

"mas a categoria deve ter uma poupança bastante boa dos anos anteriores, vão se virar bem."

sem dúvida, o problema é que alguns partem para montar o próprio asset e acreditam que aqueles bonus gordos eram resultado da competência própria...

já viu, né...

;^))

abs,

Drunkeynesian disse...

Hahahahaha, ótimo ponto.

Anônimo disse...

Ei, mesmo quem ta montado em ntn-b sofre com inflacao elevada, que aumenta o imposto pago sobre a rentabilidade nominal e detona a rentabilidade real liquida do investimento.

TDX

Andre disse...

É verdade. E absurdo. O IR deveria ser só sobre o lucro real, tirando inflação.

Abs

Andre disse...

"- Alguém tinha perguntado nos comentários do post anterior: o estoque de NTN-B em poder do público é algo como R$ 450 bilhões; portanto, uma diferença de 1 ponto-base (0,01%) no IPCA tem impacto de R$ 45 milhões no custo para o Tesouro."

Mas... Se arrecadação de impostos total no brasil deu 1,5 Tri em 2011, cada 0,01% a mais na inflação representa 150 milhões a mais/ano.
Sem contar que os 45 milhoes são o total da divida em NTN-B, a ser paga nos próximos anos ou décadas.

É um balanço bem positivo.

Abs

Andre disse...

Eu quis dizer 45 milhas de AUMENTO no total da divida em NTN-B.

Abs

CB disse...

Concordo que teorias conspiratórias não vão levar ninguém a lugar nenhum. Mas aceitar que órgãos públicos faltem com a verdade (por menor que a mentirinha seja) ainda não me deixa confortável (quem sabe daqui algum tempo eu me sinta melhor com essa situação).
Enfim, tive que ler esse final de semana algum ser dizer que tudo bem o IBGE roubar a inflação se for para cessar as expectativas dos agentes (o INDEC que o diga!).

E essa história de inflação alta é temporária, gente... Segundo um economista (talvez não precise citar o nome dele) o único remédio para a inflação é a própria inflação que corrói o poder de compra do povo e logo após provoca queda generalizada dos preços (?)

Drunkeynesian disse...

CB, de quem é a pérola ("tudo bem o IBGE roubar na inflação...")?

Essa de inflação para curar inflação é melhor nem comentar.

CB disse...

A pessoa não é conhecida, e é nessas horas que sabemos que Deus existe... Já pensou se essa idéia é disseminada por aí?
Li em algum comentário perdido no Facebook com vários "Likes". Até tentei expor outro ponto de vista para a pessoa, mas não fui muito bem-vinda. Como já dizia o poeta: cada um no seu quadrado.

Drunkeynesian disse...

Hahahahaha...

Pior é imaginar que uma defesa desse tipo, com um argumento um pouco mais sofisticado, poderia vir do seu Delfim...

Anônimo disse...

Sr. Drunk,
você não é diferente de qualquer um desses economistas que critica.
Faz previsões com a maior cara de pau e baseia-se, como todos os economistas, apenas no teorema de chutágoras.
Pare de dizer bobagens cara e de posar de intekitual brazuca que diz ler o livro do qual leu apenas as orelhas.

Demétrio

Drunkeynesian disse...

Sr. Demétrio,

Gostei do teorema de chutágoras. De fato, minhas "previsões" nunca tiveram pretensão de ser algo mais do que chutes ilustrados - o que não quer dizer que eu ache que elas valham muito menos do que a grande maioria dos modelos por aí.

Quanto aos livros, eu posso ter entendido precariamente, mas realmente gastei o tempo lendo. Dizer "bobagens" é a razão de existir do blog, e, incrivelmente, é muito fácil não ler.

Volte sempre!