quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Distribuição de renda no Brasil, um pitaco

Dias atrás rolou uma discussão interessante (ainda que baseada em chutes e anedotas) nos comentários de um post sobre como São Paulo (e outras regiões do Brasil, imagino) tornou-se uma cidade muito cara e como a renda de parte dos habitantes não acompanhou essa mudança, implicando em queda no poder de consumo. Ontem o iconoclastas me mandou esse trecho de uma entrevista que o Marcelo Neri, da FGV-RJ, deu para a Carta Capital (dá pra ler a entrevista toda aqui):
CC: Os que ficaram para trás são da chamada classe média tradicional?
MN: Acho que sim, essa é uma boa classificação. Quem era classe média tradicional, perdeu. Acho que o Brasil dos últimos anos é o seguinte: boas e más notícias. A boa é que a desigualdade caiu. A má notícia é que a classe média tradicional não entrou na festa. O espetáculo do crescimento é só a preços populares, é um pouco isso. Não tenho essa visão de muita gente que diz que o Brasil entrou no século XXI. A gente está saindo do século XIX, é uma abolição da escravatura retardada. Está saindo de um país muito desigual muito rápido, mas recuperando um atraso grande.
 CC: O que explica isso?
 MN: Foi uma queda do retorno da educação. Por que a renda cresce na base da pirâmide? Pense no filho do peão. O pai dele era analfabeto ou analfabeto funcional. Ele foi lá, estudou, chegou ao ensino médio e não quer ser peão como o pai. Aí a demanda por pessoas pouco educadas aumentou muito. Tem mais gente com ensino médio, chegando ao ensino superior, com qualidade questionável da educação, é verdade, mas tem mais concorrência. Quem tem um diploma deixou de ser tão valorizado. E quem não tem diploma passou a ser valorizado porque são poucos, e tem muito trabalho braçal. Então tem o fator educação e o fator programas sociais. É o dinheiro para as pessoas lá na base, o Bolsa Família.
O Leonardo Monasterio deu três boas sugestões de leituras sobre esse mesmo tema ontem. Destaco a segunda, que mostra como o Gini do Brasil caiu muito pouco, e segue alto - pior ainda com a ressalva de que, até onde lembro, esse coeficiente não captura renda de capital, que, com a queda dos juros e valorização dos ativos nos últimos anos, deve ter crescido mais do que a renda do trabalho (quem realmente entende de desenvolvimento me corrija se falei alguma barbaridade, por favor). Se considerarmos que os mais ricos (talvez mais o 1% do que os 10%) não ficaram exatamente mal nesses últimos dez anos, uma conclusão possível é que a evolução da distribuição de renda no país no período pode ter sido algo perniciosa, com os mais pobres ganhado em detrimento da antiga classe média e aprofundando o buraco entre aqueles e os mais ricos. O bordão "classe média sofre" teria ganhado alguma substância, enfim.

Talvez seja cedo para chegar nesse tipo de conclusão, mas, se ela se provar correta, seria a hora de começar a se discutir publicamente os efeitos de segunda ordem de políticas que têm sido tão celebradas. Há mais de 2300 anos um tal Aristóteles disse:
A comunidade política mais perfeita é aquela em que a classe média está no controle, e é maior que ambas as outras classes.
E, pensando nas sociedades do mundo de hoje, isso parece não ter mudado tanto.

14 comentários:

Salgado disse...

Na minha opinião os preços aumentaram simplesmente porque a classe média paga. Tem mais gente com algum dinheiro mas o conceito de poupança ainda não superou a demanda reprimida. Tem gente que está começando a fazer parte da festa e não tem poder de análise de qualidade ou pior, quer gastar mais pq acha chique... É um processo natural do amadurecimento do consumo. No leste europeu me chamava muita atenção os novos ricos cheios de roupa D&G, GA...aqui essa fase está passando (Abercrombie para teenagers à parte) e estamos entrando na fase do jantar fora e viagens... O preço das coisas básicas não aumentou tanto, daí a inflação não subir tanto, mas a margem dos restaurantes e baladas está um absurdo, pq essa falta de maturidade não permite que o cara diga "está caro, não vou"... ele fica com vergonha... o Europeu já sabe e não paga por coisa sem qualidade... demora uns 10 anos ainda...dependendo da evolução da educação... Minha opinião... sempre aguardando ansiosamente pela réplica. Abraço. Salgado

Anônimo disse...

Middle class foi a banda que inventou o hardcore

Anônimo disse...

Dizer que a classe media esta mal só pode ser piada. Olha a quantidade de SUVs rodando por aí. Quem compra essa merda e a classe media.

Drunkeynesian disse...

Acho que pros dois comentários depende como você define classe média. Para o Brasil todo, se a renda familiar per capital mensal for R$ 5000, você está entre os 1% mais ricos (http://lmonasterio.blogspot.com/2011/04/entao-voce-acha-que-e-classe-media.html). Não acho que seja classe média como se define no resto do mundo que compra SUV e Abercrombie & Fitch em São Paulo. Como o Salgado falou, isso é coisa de novo rico.

Drunkeynesian disse...

Ah, não sabia da banda... a imagem foi catada no google, achei que a combinação do nome da banda com o nome do disco cabia bem no contexto.

Lucas disse...

Algumas observações:

Se considerar que a classe média "tradicional" tá nos 10% mais ricos, foi o decil que menos teve crescimento de renda. Mas, se dum ponto de vista mais sociológico-ou-seja-lá-qual isso é "classe média", economicamente sempre foi uma elite.

De qualquer forma, é fato que os 1%(talvez nem isso, creio que os 0.1% mais ricos melhoraram muito. Ainda assim, a "classe média" que menos se beneficiou era e continua sendo uma elite, tanto financeira como em relação ao acesso a poder, mídia, etc.

Ademais, a valorização do real nos últimos anos aumentou o acesso a bens importados e a facilidade de ir ao exterior, a grande beneficiária disso é a classe média tradicional.

iconoclastas disse...

"Ademais, a valorização do real nos últimos anos aumentou o acesso a bens importados e a facilidade de ir ao exterior, a grande beneficiária disso é a classe média tradicional.

18 de janeiro de 2012 15:45"

boa, isso é verdade, até certo ponto compensa. mas os níveis de inflação do último par de anos jogam um peso substancial no orçamento dessa turma, por causa do alto volume de contratos de serviços que são indexados.

mas ...
"Ainda assim, a "classe média" que menos se beneficiou era e continua sendo uma elite, tanto financeira como em relação ao acesso a poder, mídia, etc. "

...disso eu discordo, em parte.

essa faixa de estrato social (desencavei) praticamente não é representada nacionalmente em termos políticos (ex-São Paulo), exceto, talvez, os que fazem parte do serviço público. quanto a imprensa sim, a minha percepção é de que se trata da única instituição que dá suporte as demandas dessa turma.

continuo muito no chute, mas se nem o Neri que vive debruçado sobre os dados tem certeza, não sou eu que vou ficar a cagar-regra, a minha amostra é desprezível estat[isticamente.

;^/

Inglês disse...

Até onde eu sei o Gini é calculado a partir da PNAD e os rendimentos totais calculcados utilizando a PNAD incluem rendimentos de capital sim. Portanto, ainda que os rendimentos do capital da PNAD sejam subestimados, o Gini leva sim em conta renda advinda do capital e isso torna o índice um retrato + fiel da verdadeira desigualdade do que o texto sugeriu.

Outra sugestão do texto é que a queda da desigualdade não é rápida porque o Gini não caiu muito. A taxa de queda do Gini brasileiro é substantiva e vale a analogia que o Marcelo Néri sempre usa: a renda dos 10% mais pobres cresceu como a renda chinesa nos últimos dez anos. Já a renda dos 10% mais ricos cresceu como a renda alemã. Isso significa que a diferença de renda desses dois grupos caiu pela metade numa década. Isso é muita coisa!

Já o ponto do declínio da classe média tradicional é + interessante. Como o Marcelo Néri menciona na entrevista, subiram muito os salários dos trabalhadores pouco qualificados. E a classe média tradicional consome muitos serviços intensivos em trabalho pouco qualificado (domésticas, faxineiras, passadeiras, cozinheiras, porteiros, zeladores, caseiros etc.). Logo, uma das faces da queda da desigualdade é um aumento no preço de vários serviços que a classe média tradicional consumia. Isso mitigou, em parte, o aumento da renda da classe média tradicional. Apesar desse efeito, acho que uma parte do mal estar de parte da classe média tradicional tem também a ver com o aumento da competição no mercado de trabalho (é mais difícil ter uma posição na ocupação que tenha status) e com a queda brutal no poder de compra relativo da classe média tradicional vis-à-vis a nova classe média.

Anônimo disse...

Concordo com o Inglês e acho que o Pérsio Árida falou merda quando disse que salário mínimo só gerou inflação. Salário mínimo gerou redistribuição porque elevou o rendimento de manicures, garçons, porteiros, zeladores, jardineiros, domesticas, etc, que, por sua vez, implicou uma perda no rendimento real da classe media tradicional, que de media nunca teve nada, sempre foi elite.

Drunkeynesian disse...

Inglês, ótimos comentários. Não tinha achado a metodologia do Gini nos livros que tenho aqui (inclusive em um monstro de 800 páginas chamado "Development Macroeconomics"), mas o que você falou deve estar correto. A observação sobre a classe média também faz sentido, e vai em linha com uma matéria que a The Economist fez na edição de fim de ano, comparando o Brasil hoje com a Grã Bretanha do início do século XX em termos da alta nos preços de alguns serviços (babás, empregadas, etc) e a reação de quem os contratava. Também corrobora o que disse o Neri ("estamos saindo do século XIX"). Vale a leitura:

http://www.economist.com/node/21541717

Anon, essa redistribuição que chamei de perniciosa - claro que ninguém pode condenar o dinheiro fluindo para as camadas mais pobres, mas, idealmente, essa distribuição deveria vir dos mais ricos, não da classe média. E, pelo o que conheço de São Paulo, acho que dá para discordar da sua afirmação que a classe média sempre foi elite - aqui há tempos existe uma classe média, com mais ou menos privilégios, mas tão distante de ser classificada como pobre quanto como rica. Para outros centros urbanos onde historicamente houve menos empregos com remuneração média, talvez valha mais a sua observação.

Raul disse...

A classe média atual paga imposto para o benefício da classe pobre e uns bem ricos. Bolsa Família, programas como Minha Casa Minha Vida e outros serviços são exclusivos para população de baixa renda. E o "rico" recebe o seu através daquelas linhas de empréstimo barato do BNDES. Quem paga juros alto no Brasil é classe média. Até essa "faixinha" azul que o governo do Rio andou pintando na rua (BRS) para melhorar o transito ferrou com a classe média. As SUVs andam pela via lenta a 10km/h, quem tem grana vai de helicoptero, e o pobre de "Mercedes" na via expressa...

Raul disse...

Se não fosse o dólar baixo a classe média já tinha acabado com a farra do pobre. Segura a onda ainda pq o pobre, coitado, não foi à Europa esse ano. As fotos nos Facebook estão restritas a Buenos Aires...por enquanto, né...deixa a empregada aparecer na casa da patroa com as fotos da viagem da Grécia no Ipad que ela não vai gostar não...deve ter passeata na rua para derrubar o comunismo...inveja né...ou vão ter que viajar de primeira classe e ficar em hotel de luxo para se diferenciar

Raul disse...

A classe média nunca será o Eike Bastita e tá incomodada com o pobre no retrovisor...rs

Anônimo disse...

Um petista vai dizer (parêntesis, notem como eles não se dizem mais petistas) que o problema da classe média é arcar com todos os tributos (ir, icms, iptu, ipva, etc.) e querer continuar consumindo bens privados (segurança, educação e saúde). Ora, isto é um disparate! Para um petista o que a classe média tem que fazer é entrar na fila do SUS, na fila da matrícula de uma escola pública e não contratar mais segurança privada. A solução petista para a classe média inclui também usar o transporte coletivo e cortar viagens para continuar pagando a elevada carga tributária. E quem falar em eficiência do setor público é um neoliberal, ou seja, uma pessoa sem coração.