sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Som da Sexta - 25 anos sem Miles Davis

Miles não foi nem o melhor, nem o mais influente trompetista da história do jazz (como competir com Louis Armstrong?), mas foi o mais inquieto, o mais prolífico, o de carreira mais longa, o que melhor soube escolher os companheiros de banda e o que precedeu mais inovações na forma (do bebop para o cool para o hard bop para o modal para o fusion para o pré acid jazz). Às vezes me perguntam como começar a ouvir jazz. Não consigo pensar em nada melhor do que a minha experiência: ouvir o Kind of Blue umas 50 vezes, depois ir atrás de outros álbuns de Miles e dos outros monstros que tocaram naquela gravação (Coltrane, Bill Evans, Cannonball Adderley), e esse estranho mundo vai se abrindo.



P.S. A partir de 19 de Outubro o SESC Pinheiros, aqui em SP, recebe a exposição We Want Miles, montada originalmente em Paris e que estava, até ontem, no CCBB do Rio. Parece imperdível.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Leituras da semana

Hoje é a cerimônia de entrega do Ig Nobel 2011. Depois comento aqui.

- Para quem ainda aguenta ouvir falar do Michael Lewis: ele vai escrever um script de cinema para Liar's Poker (Moneyball, inspirado em seu livro homônimo sobre beisebol, estreou semana passada nos EUA). Seu novo livro, compilando relatos de viagens para regiões em crise, já está à venda nos EUA.

- Como um babuíno viciado em crack conseguiria justificar sua atividade no mercado financeiro.

- Quem influencia os leitores do influente The Big Picture.

- O Wall Street Journal falou com Robert Lucas, que culpa o welfare state pela crise na Europa. Essa turma de Chicago já foi mais criativa...

- Uma árvore de possibilidades para a resolução da crise na Grécia - e o cenário mais animador é o de risco moral (já tem tanto no mundo, mesmo...). Dica do Osmar. Uma entrevista de Barry Eichengreen sobre a Europa. A corrida bancária silenciosa, mascarada pelo BCE.

- O Spiegel continua sua cruzada contra especuladores, agora desenterrando um estudo que conclui que traders (amostra pesquisada = 28) são mais destrutivos do que psicopatas. Tire suas próprias conclusões.

- Um documentário da BBC sobre quatro grandes matemáticos e suas desgraças.

- A evolução de algumas logomarcas famosas.

- Como pular de um prédio enrolado em plástico bolha (pelo menos na teoria, funciona).

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Soccernomics is baaaaaaaaack!

Faltando pouco menos de 1000 dias para a Copa do Brasil, a turma do Itaú dá seus chutes para os classificados nas eliminatórias sul-americanas.

Itaú - South America World Cup Qualifiers

Para saber onde pisamos: um pouco da história do euro

Terminei, depois de longos três meses (dois, descontando minhas férias), o enciclopédico Pós-Guerra, do Tony Judt. É o terceiro livro dele que leio; a essa altura, já estou quase me declarando social-democrata e lamentando a falta que ele faz no debate sobre um cenário tão nebuloso para a Europa. Esses, porém, são temas para outros textos. Aqui, quero colocar um trecho no qual ele explica o contexto histórico que desembocou no euro. Segundo consta, Judt desprezava a idéia de que a história pode servir como um guia para o futuro, mas validava a tese de George Santayana de como é importante aprender história para não repetir erros do passado. Com a palavra, mr Judt:

(...) ao longo dos anos 70, um número crescente de políticos passou a crer que a inflação agora impunha riscos maiores do que os altos níveis de desemprego - especialmente porque os custos humanos e políticos do desemprego eram institucionalmente aliviados. Não era possível tratar a inflação sem alguma espécie de esquema internacional que visasse a regulação de moedas e taxas de câmbio, em substituição ao sistema de Bretton Woods, prematuramente derrubado por Washington. Em 1972, os seis primeiros Estados membros da Comunidade Econômica Européia já responderam à situação com a criação do "Serpente Dentro do Túnel": um acordo para manter a taxa de câmbio de suas moedas semifixadas dentro de determinado valor, permitindo variações de 2,25% para cima ou para baixo da taxa aprovada. Contando com a adesão inicial da Grã-Bretanha, Irlanda e dos países escandinavos, o acordo durou apenas dois anos: os governos britânico, irlandês e italiano - incapazes de resistir (ou não querendo fazê-lo) a pressões domésticas por desvalorizações monetárias além dos índices estabelecidos - foram obrigados a desistir do acordo e permitir a queda de suas moedas. Até os franceses, em duas ocasiões (em 1974 e 1976) tiveram de abandonar o "Serpente". Era evidente que algo mais seria necessário.
Em 1978, o chanceler da Alemanha Ocidental, Helmut Schmidt, propôs a reformulação do acordo em termos bem mais rigorosos: um Sistema Monetário Europeu (SME). Seria criado um esquema de taxas de câmbio bilaterais fixas, baseado numa unidade de medida meramente teórica, a Unidade Monetária Européia*, e garantido pela estabilidade e pelas prioridades antiinflacionárias da economia alemã e do Bundesbank. Os países participantes se comprometeriam a adotar uma austeridade econômica doméstica para se manterem no SME. Foi a primeira inciativa alemã nesse sentido, e traduzia, oficiosa senão oficialmente, a recomendação de que, ao menos na Europa, o marco alemão deveria substituir o dólar enquanto moeda de referência.
Alguns países ficaram de fora - notadamente o Reino Unido, cujo primeiro ministro trabalhista, James Callaghan, percebeu que o SME impediria a Grã-Bretanha de adotar políticas de reflação capazes de fazer frente ao problema de desemprego no país. Outros países adotaram o sistema precisamente por esse motivo. Enquanto "solution de rigueur", o SME teria um funcionamento semelhante ao Fundo Monetário Internacional (ou à Comissão Européia e o euro, anos mais tarde): o sistema obrigaria os países a tomar medidas impopulares cuja responsabilidade poderia ser imputada a regras e tratados formulados no exterior. Na realidade, a longo prazo, essa seria a verdadeira relevância dos novos acordos. Não era tanto o fato de eles terem conseguido expulsar o demônio da inflação, mas o fato de que, para realizar tal façanha, os novos acordos terem privado os governos de inciativa em relação à política doméstica.
Isso constituiu uma grande guinada, com consequências maiores do que se pensou à época. No passado, se um governo optasse por uma estratégia de "dinheiro duro", aderindo ao padrão-ouro ou recusando-se a diminuir as taxas de juros, era obrigado a responder ao eleitorado local. Mas, dadas as circunstâncias do final dos anos 70, qualquer governo - em Londres, Estocolmo ou Roma - que enfrentasse persistentes índices de desemprego, um setor industrial decadente ou presão para inflacionar os salários podia invocar os termos de um empréstimo contraído junto ao FMI, ou os rigores de taxas de câmbio pré-negociadas no âmbito europeu, e se eximir de responsabilidade. Os benefícios táticos desse tipo de medida eram óbvios, mas haveria um custo.
(...)
O impulso que estava por trás das ações franco-germânicas nos anos 70 era a ansiedade econômica. A economia européia crescia lentamente (ou simplesmente não crescia), a inflação era endêmica e a incerteza decorrente do colapso do sistema de Bretton Woods resultava em taxas de câmbio voláteis e imprevisíveis. O sistema "serpente", o SME e o ecu eram uma espécie de paliativo para o problema (por serem soluções regionais, e não internacionais) e introduziam o marco alemão, em vez do dólar norte-americano, como moeda de referência para banqueiros e mercados europeus. Alguns anos mais tarde, a substituição das moedas nacionais pelo euro, apesar das implicações simbolicamente problemáticas da medida, foi a consquência lógica. O surgimento de uma única moeda européia decorreu, portanto, de uma reação pragmática a problemas econômicos, e não de uma estratégia calculada e posta em prática em nome de um objetivo europeu predeterminado.
* Em inglês, "European Currency Unit" - ECU. O acrônimo tinha emprego marcantemente político: ao invocar o nome de uma moeda de prata francesa corrente no século XVIII, a palavra diminuía o constrangimento parisiense diante do reconhecimento da crescente primazia da Alemanha Ocidental em questões européias.

Algumas possíveis lições:

- O euro pode ser visto como o último legado de Bretton Woods, como a âncora que alguns países precisavam (pela falta de controle das finanças ou qualquer outro motivo) para ajudar no controle da inflação, depois do fim da paridade do dólar americano com o ouro. Tomavam-se emprestadas as credenciais do Bundesbank e o problema de credibilidade da moeda estava resolvido.  Em um cenário onde inflação não é problema, porém, essa função deixa de ser primordial. Talvez esse seja o caso agora: as economias periféricas, deprimidas, não apresentam risco inflacionário e provavelmente estariam melhor caso pudessem trabalhar com moedas mais desvalorizadas. O problema é que, uma vez abandonado o euro, há o risco da desvalorização das moedas nacionais desencadear uma alta forte na inflação. Não há almoço grátis, já diria um velhinho de Chicago.

- O ponto acima levanta a questão: é possível o mundo operar sem ao menos uma referência cambial? Por um lado, talvez tenhamos mais moedas flutuando por algum tempo; por outro, é razoável concluir que tal situação levaria a uma grande tentação de fixação de taxas em razoavelmente pouco tempo. Na prática: uma nova dracma, caso gerasse inflação, seria logo fixada ao que sobrar do euro (marco alemão?) ou ao dólar, numa taxa que o BC da Grécia julgasse controlável. Só especulações, tudo isso deve estar ainda muito longe de acontecer.

- Muitos governos nacionais precisam retomar a iniciativa para reerguer suas economias (ao contrário do ambiente descrito por Judt, onde a prioridade era passar medidas impopulares sem associação direta aos políticos eleitos). Isso não é prioridade nem consenso dentro da zona do euro; mais um motivo para o arranjo atual ser contestado.

- Frase que vale ser repetida integralmente: "O surgimento de uma única moeda européia decorreu, portanto, de uma reação pragmática a problemas econômicos, e não de uma estratégia calculada e posta em prática em nome de um objetivo europeu predeterminado." Se Judt está certo e isso valeu para uma época mais ideológica, onde os fantasmas da II Guerra eram muito mais recentes, mudanças devem ocorrer no euro em pouco tempo. O "objetivo europeu", no campo econômico, teria surgido como narrativa para uma resolução de problemas práticos, e não tem sustentação própria. Atualmente, a reação pragmática tem sido "chutar a lata ladeira abaixo", esperando que os problemas se resolvam com o passar do tempo ou com medidas de austeridade que são ou pouco realistas na execução, ou que não fazem diferença dado o tamanho do problema (das dívidas). Essa reação não tem levado a nenhuma resolução minimamente satisfatória; daí, creio que é questão de tempo até o pragmatismo preponderar novamente e os problemas econômicos serem encarados a sério: ou os países problemáticos traçam uma linha de quanto estão dispostos a se sacrificar pelos credores, ou a Alemanha consegue costurar uma ampla união fiscal, consenso dificílimo de ser alcançado.

No ano passado, decretei o fim do euro justamente por achar que essa união fiscal era impossível. No início deste ano, parecia estar se formando um certo consenso, e o euro vem sobrevivendo. Nesse tempo, o problema das dívidas soberanas não foi resolvido, apareceu uma questão não trivial de capitalização dos bancos (reapareceu, na verdade, posto que não havia sido resolvida em 2008) e, cereja do bolo, a atividade econômica mergulhou e parece apontar para uma nova recessão. Não há consenso, ainda mais fracamente ideológico, que resista a tantas provações e interesses conflitantes. Evoco aqui a História não como um guia para o futuro, mas como instrumento para entender o que trouxe a situação atual e, mantida a lógica do passado (um grande "se", aí talvez abusando do papel da História), concluir que havia substância por trás do projeto de integração monetária europeu. Essa substância foi se perdendo com o tempo, e, creio, o que sobrou agora são egos de tecnocratas e políticos covardes demais para enfrentarem a realidade. Mudaram os fatos, é preciso que as pessoas mudem de opinião e ajam em função de uma nova realidade.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Gráfico do dia - calotes

A conclusão inescapável é que, durante boa parte do século passado,calotes de dívida soberana foram regra, não exceção. Maybe this time is different...



Mais gráficos e análises no The Big Picture.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Especulação para amadores

Eu geralmente não gosto desses infográficos ultra-simplificadores, mas a Folha acertou na explicação para leigos de como funciona, na prática, a vida de um especulador inescrupuloso, sanguinário e pouco preocupado com a pegada de carbono (clique para aumentar - essa é a versão no tamanho que está no site da Folha, não tem resolução maior - com um pouco de esforço, dá pra ler).

Frases do dia - a heterodoxia se levanta

Enquanto o tripé ortodoxo é "taxa de juros elevada, taxa de câmbio sobreapreciada, e Estado mínimo", o tripé novo-desenvolvimentista é "taxa de juros baixa, taxa de câmbio de equilíbrio, que torna competitivas as empresas industriais que usam tecnologia moderna e papel estratégico para o Estado".

Luiz Carlos Bresser-Pereira, na Folha de hoje. Os ortodoxos dirão que os bárbaros começaram a arrebentar o portão. Eu acho que não conseguiremos escapar da descrição acima. No papel, é o modelo que enriqueceu a Coréia do Sul; na prática, não sei se é uma variedade que se adapta bem aos trópicos, e, intelectualmente, talvez pudéssemos estar em melhores mãos. Mais sobre o tema aqui, ao longo de muito tempo...

P.S. É claro que onde está "taxa de câmbio de equilíbrio..." pode-se ler "câmbio desvalorizado". Está para aparecer o país que consegue manter o câmbio "no equilíbrio" deliberadamente.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Foto pra encerrar a semana

O estoicismo monástico é muito apropriado para esses dias. Bom final de semana a todos.

Som da Sexta - Raul Seixas

A turma do "toca Raul!" folclorizou tanto as músicas do Raul Seixas que muita coisa boa ficou soterrada numa suposta cafonice. Aluga-se é de 1980, quando chegou a ressaca da farra dos anos 1970 e do segundo choque do petróleo: o serviço da dívida externa começava a pesar e o FMI iniciava sua longa série de missões para o país (o "nós não vamo pagá nada" oficial veio alguns anos depois). Uma versão em grego, levada no bouzouki, provavelmente faria sucesso hoje.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Leituras da semana caótica

Aproveitando enquanto é cedo:

- Favorito da casa 1: Jeremy Grantham, da GMO, explicando porque este não é um mercado para jovens.

- Favorito da casa 2: o Eclectica, de Hugh Hendry, acumula ganhos de quase 40% no ano.

- O "doutor caos" Roubini não é tão favorito, mas junta-se ao coro dos que defendem um calote da Grécia. Dona Cristina Kirchner, ontem, na ONU, levantou a mesma bandeira, só faltou dizer: calotem e sejam felizes.

- Os chutes da Reuters para o Nobel de Economia. O anúncio oficial é no próximo dia 10; todos os virtuais favoritos lecionam nos EUA.

- O trading de alta frequência começa a desafiar a relatividade. Não sei o que achar.

- O Financial Times levantou algumas correlações úteis para quem precisa de material para uma tese sobre comportamento dos mercados.

- Um paper muito interessante sobre os vieses políticos embutidos em testes econométricos aparentemente isentos.

- Um bom resumo do IPEA sobre como o Brasil chega para mais uma possível crise.

- Uma (longa) aula de Nassim Taleb na Universidade da Pensilvânia.

- Montes de papers sobre o futuro da pesquisa em economia.

- Um tumblr que coleciona "coisas" que valem menos do que a Apple, como todo o ouro estocado no Fed, o PIB da Dinamarca, todas as casas de Atlanta...

- Mais um estudo sobre o impacto macroeconômico dos Jogos Olímpicos. O Leonardo Monasterio comenta.

- As consequências econômicas de dona Merkel, por Robert Skidelsky.

- Um Mister M das ciências políticas conta 10 segredos de sua profissão para os mortais (dica do Maurício).

- Anais do idiotismo: Ron Paul disse que a fome na África acaba quando o continente deixar de ser "tão socialista". Para o retorno à sanidade, a resenha do NY Times para Three Famines.

Foto do dia - termos de troca

Para você que reclama dos preços de SP e RJ: de um amigo que mora em Manaus. Possíveis explicações:

a) O apagão logístico do país faz com que a alface tenha que ser transportada na classe executiva da TAM;
b) Os produtores de Mogi das Cruzes fixaram, há dois meses, os preços em dólares para os compradores do Amazonas. Logo mais chegam os contratos de alface futuro na BM&F;
c) Por lá, alface é bem de luxo, e o preço tem que sinalizar isso;
d) A alface vem recheada de caviar beluga;
e) Tá todo mundo louco. Imagina na Copa.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

FOMC, etc

O FOMC acabou de anunciar que vai alongar suas compras de títulos (vai vender os mais curtos e comprar vencimentos acima de 10 anos). É dos dias mais malucos que já vi nos mercados, ainda que os movimentos sejam relativamente pequenos. Volto amanhã.

P.S. Movimentos eram relativamente pequenos. Fechamento dos mais feios que já vi.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Rogue Traders, Delta One e outros espécimes exóticos

Já mandei meu CV para uma porção de bancos...
Na semana passada, um leitor pediu para que eu fizesse um texto explicando em termos não-alienígenas um pouco da história do UBS e sua perda milionária em uma das mesas de trading. Vejamos se faço juz ao desafio:

O caso do UBS - um operador da equipe de Delta One (mais abaixo) teria perdido mais de US$ 2 bilhões do capital do banco - entra para a infame lista de maiores perdas por rogue trading na história. Não achei a origem exata da expressão (rogue, para o Português, geralmente é traduzido como fraudulento), mas creio que foi criada para descrever as atividades de Nick Leeson, do banco britânico Barings. Leeson ficou famoso por esconder, durante anos, perdas na operação de derivativos do Barings em Cingapura (enquanto isso, a divisão asiática do banco mostrava resultados fictícios espetaculares e o prestígio e a influência dele cresceram). Após o terremoto de Kobe, no início de 1995, prejuízos com futuros e opções de títulos da dívida japonesa e do índice Nikkei tornaram a situação insustentável, o banco reportou um prejuízo de mais de US$ 1 bilhão (que o levou a ser comprado pelo holandês ING pela quantia simbólica de uma libra esterlina) e Leeson foi preso em Frankfurt ,enquanto tentava fugir. Rogue Trader virou o título da biografia best seller de Nick Leeson e do filme (bastante assistível) inspirado na história, com Ewan "Obi-Wan Kenobi" McGregor no papel principal.

A história do Barings virou caso de estudo em qualquer curso de finanças e risco. Os controles do Barings eram fracos, e Leeson era responsável tanto pela operação (front office) quanto pelo controle e liquidação (back office). A matriz do banco, em Londres, mostrava-se pouco preocupada com os detalhes de uma operação que começou pequena e, em pouco tempo, tornou-se uma das principais fontes de "lucro" para o banco. Essas e outras nuances foram, em teoria, aprendidas e incorporadas aos controles de risco e compliance dos bancos, e passaria a ser mais difícil (ou praticamente impossível) para uma pessoa sozinha fazer um grande estrago.

Acontece que os casos de rogue traders com perdas de bilhões seguiram acontecendo, à razão aproximada de um a cada par de anos, e a culpa, na maioria dos episódios, seguiu sendo atribuída a uma pessoa: "o" rogue trader, que, em teoria, age sozinho, fraudando os sistemas em busca de mais alavancagem e potenciais ganhos. Daí, consigo extrair duas possibilidades:

1 - Os rogue traders estão sempre à frente dos sistemas de controle e risco, ainda que estes tenham evoluído brutalmente nesses anos. Os casos só são maiores e ganham mais publicidade porque os volumes operados cresceram, junto com os potenciais estragos. Ou, de forma mais abstrata e parafraseando um político francês, não faz sentido basear um sistema em regras mecânicas e esquecer da natureza humana por trás do que o alimenta;

2 - Com sistemas de risco rodados por áreas independentes da operação, relatórios praticamente em tempo real e inúmeras redundâncias e checagens, burlá-los depende de conivência (ou incompetência) de diversas pessoas. Quando as perdas aparecem, acha-se um bode expiatório e a vida segue para os demais responsáveis. Ou, nos casos que não ficam conhecidos, os eventuais ganhos da maior exposição a risco são apropriados e as fraudes encobertas, enquanto a estratégia funciona e garante um bônus gordo para os envolvidos.

O que realmente aconteceu no UBS (e no Société Générale em 2008, no maior rombo da história - 5 bilhões de euros atribuídos a Jérôme Kerviel) dificilmente virá a público, já que os bancos não têm o menor interesse em expor suas fragilidades ou fraudes consentidas por altos executivos. Pela minha experiência (e de muita gente que já trabalhou em mesa de operações), hoje em dia é praticamente impossível esconder, sozinho, perdas dessa escala (ou muito menores, na verdade) por mais de poucas horas sem despertar suspeita. Talvez esses casos sejam como uma queda de avião: o resultado trágico de uma sequência de erros individualmente inevitáveis; talvez sejam mais uma face do risco moral que permeia o mercado financeiro. Eu acredito mais na segunda hipótese; o leitor pode tirar suas próprias conclusões.

Mais algumas boas leituras sobre o tema:

- A notícia da prisão, na BBC;

- Barry Ritholtz explora melhor alguns dos pontos que levantei acima, e cita outras tantas opiniões;

- Os detalhes das operações no UBS, no Financial Times.
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Quem aguentou acordado até agora pode ler sobre o Delta One. Derivativos têm esse nome porque seus preços derivam de um ativo - futuros de trigo derivam do preço do trigo físico, futuros de índices de ações derivam do preço das ações que compõe o índice, e assim por diante. Delta é o termo técnico para a relação entre a variação do preço de um derivativo e seu ativo correspondente: assim, o preço de um derivativo com delta 0,5 oscila, digamos, R$ 0,50 para cada variação de R$ 1,00 no preço do ativo. Os produtos chamados Delta One, como é possível imaginar, têm delta muito próximo de um, ou seja, são cópias quase perfeitas de seus ativos. Exemplos: futuros de índices de ações e ETFs baseados nesses índices são "delta one" do índice a vista (o Ibovespa futuro negociado na BM&F e o BOVA11 acompanham quase centavo a centavo as oscilações do Ibovespa).

Acontece que, na prática, ao longo do tempo o "delta one" pode se desviar do 1 teórico - os instrumentos, ainda que feitos para serem idênticos, têm diferenças de construção, liquidez, etc. A função de uma mesa de delta one é dar liquidez para esses produtos (oferecê-los para clientes) e arbitrar (via modelos estatísticos - daí a demanda por PhDs e afins) as possíveis oportunidades (por construção, o delta tende a 1, a 0,95 ou a 1,05 há um possível ganho de arbitragem). Por unidade, os potenciais ganhos dessa arbitragem costumam ser pequenos (raramente os desvios do delta 1 teórico são grandes), daí a necessidade de se operar volumes colossais para que o banco possa ter algum ganho significativo. Esses grandes volumes serviram, em tese, para diluir as fraudes no UBS e no Société Générale (Kerviel também trabalhava nessa divisão quando entrou para a história).

Se não ficou claro, não se preocupe, vive-se muito bem sem esses rodapés do mundo das finanças.

Netflix em queda livre

Parece estar terminando um dos casos de amor mais interessantes dos últimos tempos (nas finanças corporativas, evidentemente): do mercado de ações com a Netflix. A empresa perdeu mais da metade do valor de mercado em um mês, como consequência, em teoria, de uma radical reestruturação de suas atividades (há quem vá dizer que a queda coincide com o anúncio das operações no Brasil e restante da América Latina). Talvez seja um passo para trás para, no futuro, alguns à frente; por enquanto, é uma espetacular destruição de valor.

Mais no Washington Post.


P.S. Quando citei aqui a Netflix como um exemplo de destruição criativa, as ações operavam a US$ 156, máxima histórica. Esse preço beirou os US$ 300 antes do mergulho das últimas semanas. Talvez aquele preço ainda seja espetacular, e estejamos presenciando a correção de mais um de tantos exageros do mercado (início de um estouro da mais recente "bolha" de tecnologia?).

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Momento de sinceridade do dia - José Sergio Gabrielli

Acionista, esteja avisado. Na capa da Folha de hoje:


A entrevista está aqui.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Som da Sexta - Ry Cooder

Ry Cooder segue Elvis Costello e resolve fazer música de protesto para os nossos tempos. Do disco Pull Up Some Dust and Sit Down, que saiu há alguns dias:




My telephone rang one evening, my buddy called for me
Said the bankers are all leavin', you better come round and see
It started revelation, they robbed the nation blind,
They're all down at the station, no banker left behind.

Obrigado ao pela dica.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Leituras da semana

Tenho gastado mais tempo no twitter; boa parte desses links já apareceu por lá:

- Saiu o esperadíssimo livro da Sylvia Nasar (que escreveu Uma Mente Brilhante e fez Hollywood apresentar o John Nash para o mundo) sobre a história do pensamento econômico. Jim Grant e a The Economist resenham, a Bloomberg tem um trecho que ajuda a desmistificar a polarização Keynes x Hayek. Na Amazon tem um vídeo de quatro minutos bem bacana, com a própria autora apresentando a obra.

- Fala a voz da experiência: um ex-presidente do BC argentino recomenda um calote dos grandes para a Grécia. Falando na Grécia, eles andaram importando AZEITE da Alemanha (dica iconoclastas).

- O grande Barry Eichengreen fala sobre história e política econômicas.

- George Soros sobre o futuro (ou falta de) do euro.

- Mais uma história mal contada de rogue trader, desta vez no UBS de Londres.O Financial Times explica o que é o tal de delta one.

- Da série "mais estranho que a ficção": Qaddafi pode ser... judeu!

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O problema da dívida grega

Frau Merkel explica:


Recebi por e-mail, diversas vezes.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Mais um Market Wizard se aposenta

Bruce Kovner, da Caxton, anuncia o fim de uma carreira de 34 anos.

Bloomberg HF Newsletter set/2011

Frase do dia - Ricos e Pobres

“China is a poor country with only $4,000 per capita income. To talk and think about China to rescue countries with $40,000 per capita incomes is ridiculous.”

Yu Yongding, economista chinês e ex-membro do comitê de política monetária do país (via The Big Picture). Deveria ser ouvido pela turma que agora inventou que os BRICs devem ajudar a socorrer os países europeus (mais no Valor).

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Frases do dia - economistas e gênios

"The musicologist Ludwig von Köchel systematized, cataloged and published the musical output of Wolfgang Amadeus Mozart—he's the "K" that denotes a particular Mozart composition. Köchel was a botanist and mineralogist as well as musical scholar, but Mozart was the genius. In the matter of income and wealth, savings, and investment, the Köchels are the Friedmans and Schumpeters and Hayeks. The Mozarts are the Fultons and Edisons and Jobses."

Jim Grant, em sua resenha do novo livro de Sylvia Nasar (biógrafa do John Nash), sobre a história do pensamento econômico.

Esqueçamos a Grécia

O fim do jogo já chegou por lá. O título de dois anos da dívida grega opera a 65% ao ano; nenhum país desta galáxia consegue se sustentar a essas taxas, e quem compra os títulos já deve estar fazendo contas de haircut / desvalorização da moeda há tempos. Para a sobrevivência do euro, seria até melhor que os elos fracos voltassem às suas moedas, passado o choque, isso aumentaria a sobrevida da união monetária.

A questão agora é o que a Europa vai fazer com os seus bancos, muitos grandes demais para serem deixados à própria sorte. No twitter andei cuspindo alguns dados sobre os bancos franceses, que me parecem o caso mais gritante, aqui refino: somados, BNP Paribas, Société Générale e Crédit Agricole têm cerca de € 4,7 trilhões em ativos (que não diminuíram após a crise de 2008 - mais de 200% do PIB francês), com € 189 bilhões de patrimônio líquido. Basta um writedown de 4% dos ativos (que devem estar repletos de títulos soberanos marcados ao par, e isso é só a parte "nobre") para que todo o PL seja varrido. Outros países devem ter bancos na mesma situação. Enquanto os governos não bancarem uma capitalização minimamente realista, as ondas de pessimismo devem continuar.

Nada disso é novo, mas a situação parece mais urgente agora que ficou claro que a recuperação do mundo desenvolvido foi um voo de galinha e que a opção de "crescer para fora da dívida" parece otimista demais. Resta agora lidar com a realidade, o que não é exatamente uma situação apreciada por políticos.

Econometria aplicada 101

Do Estadão hoje:

Bancos refazem cálculos com os modelos de previsão do BC e chegam a inacreditáveis 5%

Mais impressionante do que a possibilidade de uma queda dessa magnitude nos juros é ver esse tipo de "revelação" feita por economistas "top", que ganham salários anuais de 6 ou 7 dígitos. Mais ainda que ela só apareceu depois de o BC ter sinalizado essa possibilidade. Qualquer primeiroanista que aprendeu regra de Taylor pode concluir que, se o PIB cai, digamos, 5% abaixo do potencial, o juro deve cair na mesma proporção (supondo que a inflação não se mexe). Os modelos são versões mais ou menos sofisticadas desse racional, e vão servir para que a ortodoxia consiga, pelas suas cartilhas, justificar um movimento que, por essas mesmas cartilhas, jamais deveria ter acontecido.

Claro que dentro do rótulo de ortodoxos existem ótimos e péssimos profissionais, mas esses episódios devem levar o leitor mais atento a acreditar que a mediocridade reina no mercado financeiro...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O mundo, de acordo com um alcoólatra

Via The Big Picture.

Som da Sexta - Horace Silver

O Silver, acreditem, é uma adaptação do nosso conhecido Silva (a família é de Cabo Verde) para algo que soasse melhor na língua de Shakespeare.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Para não passar o dia em branco

Fiquei quase o dia todo sem internet, numa experiência involuntária de como era a vida em uma mesa de operações quando a única indicação da direção do mercado era a voz do corretor do outro lado da linha (difícil, muito difícil). Amanhã voltamos com a programação costumeira.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A crise européia, explicada com Lego

De uma apresentação do JP Morgan, via Felix Salmon. Não sei se admiro o chutzpah e a criatividade ou lamento que pessoas recebem algumas centenas de milhares de dólares por ano (por baixo) para fazer isso.



  1. The toreador in a floppy hat, and the F1 driver with his helmet, represent Spain, Italy and the rest of the Euro Periphery.
  2. The three men with helmets, shields, and medieval weaponry represent the CDU, CSU and FDP parties in Germany.
  3. The blue-and-white sailor boy is Finland. Obvs.
  4. The woman with an oversized carrot and her friend in overalls with a shovel represent the Social Democrats and Greens.
  5. Wotan represents the Bundesbank.
  6. The piggy bank is the IMF.
  7. The grey-haired Banque chap is the ECB.
  8. The chap in the red bib is Poland.
  9. The artists are France.
  10. The angry chef, the sweeper with a broom, the airline pilot, and the rest of the motley crew at bottom left, represent EU taxpayers in Core countries.
  11. The storm troopers are the EU Commission and Euro Group Finance Ministers, chaired by Jose Manuel Barroso and Jean- Claude Juncker.
  12. The monocled banker and his assistant are EU bondholders and shareholders.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Leituras da volta de férias

Finalmente terminei a pilha acumulada durante agosto. Isso é o que sobreviveu ao teste dessas poucas semanas (em perspectiva, é incrível o tempo que se perde com ruído e besteiras no dia-a-dia):

- A segunda parte da carta trimestral de Jeremy Grantham, cada vez mais pessimista com o que aconteceu com o capitalismo e, sobretudo, com os EUA (na concepção dele, tomou o título da Argentina de "governo mais disfuncional")  depois da crise de 2007 / 2008.

- O texto mais recente de Michael Lewis, sobre sua viagem a Alemanha - só porque o autor já conquistou uma reputação, mas o texto é ruim, cheio de estereótipos, teorias sociais furadas e piadinhas sem graça. Ouso dizer que soa algo ressentido pelo sucesso da economia alemã (com tantos "quadrados" viciados em regras e banqueiros burros no comando) após a crise, comparado ao fiasco dos EUA. O Scott Locklin fez uma crítica ácida e muito melhor do que qualquer uma que eu conseguiria escrever (e talvez o texto original valha mais por despertar esse tipo de reação).

- Essa matéria da Der Spiegel, que alimenta a tradicional imagem de especuladores como destruidores de economias e do bem-estar geral - como todos sabem, também são culpados pela extinção dos dinossauros e pelas forminhas de gelo não se auto-encherem depois de utilizadas. Apesar dessa e de outras concepções que são, acho, equivocadas, é um bom exemplo do zeitgeist e traz alguns depoimentos interessantes.

- Os bons estrategistas da Nomura, Kevin Gaynor e Bob Janjuah, atualizam sua visão sobre os mercados e o estado da economia global. A Nomura tem sido, com folga, a casa de research que mais tem acertado o cenário macro, talvez pela boa influência do guru Richard Koo, ou porque o mundo de fato está virando japonês, no mau sentido.

- A melhor coisa que saiu de Jackson Hole este ano foi o trabalho apresentado por Dani Rodrik, da Kennedy School de Harvard. Ele fala da convergência entre os países em desenvolvimento e o mundo desenvolvido em termos realistas, sem extrapolações: ao longo da história, episódios de crescimento acelerado por muitos anos são exceção, não regra; e, choque para os ortodoxos, a transformação estrutural necessária para o desenvolvimento raramente vem do livre mercado e das "boas práticas" de gerenciamento macroeconômico (estas servem para evitar desastres, entretanto). O paper inteiro é excelente; os apressados, como de costume, podem ficar só com a introdução e a conclusão.

- Nassim Taleb e seu sócio, Mark Spitznagel, pregam um ativismo moral contra ações de bancos. O site de Taleb diz que ele está em "indeterminate leave",  alguém sabe se a saúde dele está bem?

- Bônus: todo mundo já deve ter visto, mas não custa recomendar de novo o mapa que a The Economist fez comparando os estados do Brasil com países. Paulistanos, muszą uczyć się języka Polski!

Yes, nós temos bananas...

... mas é mais barato comprar em Nova York - como quase tudo, as exceções hoje em dia são raras (a única óbvia que me vem à mente é cigarros).

Mais no Radar Econômico.

Gráfico do Dia - Grécia x Cheque Especial

E os juros dos títulos de dois anos da Grécia operam acima de 50% ao ano. Parece que a dracma volta ainda este ano.

Bad hair day...

... para os bancos europeus. Parece cada vez mais provável que teremos, em algumas semanas ou meses, um "Lehman moment" no velho continente (e, incrivelmente, banir o short selling não terá sido uma solução).


sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O impacto dos blogs econômicos

Já virou assunto da academia: paper do Banco Mundial:


"... links from blogs increase in the number of abstract views and downloads of economics papers. Second, blogging raises the profile of the blogger (and his or her institution) and boosts their reputation above economists with similar publication records. Finally, a blog can transform attitudes about some of the topics it covers."

Deve ser esse o caminho. Aqui no Brasil, como em tantos outros campos, estamos alguns anos atrasados.

Dica do Marginal Revolution.

Som da Sexta - Chris Potter's Underground

Forte candidato ao melhor show do ano aqui em São Paulo.

Rio x São Paulo

Da última The Economist, falando do renascimento do Rio para negócios.


Paulistanos adotados, amigos e família nunca vão te visitar.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Mais uma observação sobre o Copom

- A Bloomberg recolheu 62 palpites de economistas do mercado antes da reunião, e nenhum previa sequer um corte de 0.25 p.p. A curva de juros ao menos precificava algo como 50% de probabilidade de um corte desse tamanho. Como bem disse o sábio Yogi Berra, "it's tough to make predictions, especially about the future."

- Tem mais alguns pitacos aleatórios no twitter.