Eu sou leitor da Folha de São Paulo desde que me entendo por gente (talvez até antes disso). E, como sabemos, uma vez que algo vira hábito, é difícil livrar-se dele. Mas, além do hábito, ainda acho que a Folha é um bom jornal, com bons colunistas, matérias pertinentes e alguns bons editoriais. O que, às vezes, me dá vontade de parar de ler a Folha são as suas visões do século retrasado. Hoje, por exemplo, a manchete principal (da capa, não só do caderno de economia) diz que "Estrangeiro lucra o dobro com dívida do governo". Dois fatores explicam esse "fenômeno": a valorização do real e a isenção de imposto de renda para os investidores não-residentes. Isso não deveria ser novidade para ninguém que acompanha minimamente o mercado financeiro: quando o estrangeiro compra um título brasileiro, além dos riscos de crédito e de juros, ele toma também um risco de moeda, que pode ou não ser neutralizado com uma outra operação (hedge). Como o hedge tem um custo não desprezível, e a tendência da moeda tem sido de valorização, a maioria dos investidores opta por carregar esse risco. Da mesma forma, se o real se desvalorizasse, os investidores teriam parte dos seus ganhos corroídos - e duvido que a Folha noticiaria algo do tipo "Estrangeiro lucra a metade com dívida do governo".
Já a isenção do IR faz parte da política de administração da dívida. Vários estudos (posso indicar um da ANDIMA, disponível aqui) mostram que, no caso de países como o Brasil, a abertura do mercado de dívida pública para estrangeiros ajuda a melhorar o perfil da dívida, tanto em sua composição (a divisão entre títulos pós-fixados, pré-fixados e indexados à inflação) quanto em sua duração (estrangeiros tendem a preferir títulos mais longos). A isenção do IR, nesse contexto, é um incentivo para a entrada de capital estrangeiro, o que facilita o gerenciamento da dívida e acelera a convergência para uma estrutura ótima para os passivos do país (traduzindo, outros estudos indicam uma composição ótima da dívida - onde a evolução dos passivos do país, a dívida, é compatível com a evolução dos seus ativos, basicamente a arrecadação de impostos).
Ao dar destaque para o que não deveria ser notícia, a Folha contraria a sua premissa ("Um jornal a serviço do Brasil", é o que se lê no topo da primeira página de cada edição) e alimenta as visões mais toscas de repúdio ao capitalismo global - as do tipo "capital estrangeiro prejudica o país, estrangeiros tem lucro fácil". Infelizmente, em certa medida, parece ser esse tipo de visão que predomina na edição do maior jornal do Brasil. Tanto pior para o país.
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Só eu faço comentários aqui???
Acho que você perdeu um pouco o foco... a grande manchete da Folha é: "RAIKKONEN SUPERA FAVORITOS E LEVA TÍTULO".
Já te apresentei o Balu??
Eu te aconselharia a passar a ler o Estado de São Paulo.
Postar um comentário