quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Espanha e os 0,1%, aplicado ao futebol

Anteontem, na premiação da FIFA de melhores de 2012 no futebol, foi escolhida uma seleção mundial - os 11 jogadores mais votados por mais de 50.000 outros jogadores profissionais. Em teoria e descontados alguns vieses, são os melhores jogadores do mundo em suas respectivas posições - ou pelo menos é seguro afirmar que estão entre os três ou cinco primeiros em todos os casos. Chamou-me a atenção que todos, 100%, os 11, jogam em clubes espanhóis - cinco no Real Madrid, cinco no Barcelona e um no Atletico de Madrid.


A Espanha, como sabemos, terminou o ano passado com mais de 25% de desemprego - 56,5% para os jovens com menos de 25 anos. Passou mais da metade dos últimos quatro anos em recessão. Ainda assim, seus clubes têm dinheiro para pagar e manter os onze maiores futebolistas em atividade no mundo. Onde está o erro?

Dá pra falar de vários aspectos desse caso (quer dizer, daria se eu entendesse alguma coisa dos assuntos), todos fascinantes: a capacidade do futebol descolar do ambiente da sede dos clubes, tanto pela transcendência do esporte quanto pelo dinheiro globalizado aplicado nos times grandes; a atual fase do futebol espanhol (mais da metade dos eleitos) e a tendência desses jogadores preferirem jogar no país / clube de origem, mesmo com potenciais ofertas melhores; o efeito "winner takes all" que o atual esquema de receitas alimenta; a enganação que são os "dois melhores laterais do mundo" brasileiros, etc... Vou me concentrar em um que especialmente me incomoda: os subsídios cruzados que ajudam a sustentar o futebol.

Os times da liga espanhola, segundo estudo de um professor da Universidade de Barcelona (mais, muito mais no ótimo The Swiss Ramble) acumulam cerca de €3,5 bilhões em dívidas - Barcelona, Real Madrid e Atlético de Madrid, somados, correspondem a quase metade desse valor. Os clubes devem a bancos, outros clubes e ao fisco espanhol (€426 milhões para este). No mundo ideal, essas dívidas um dia seriam devidamente pagas. Clubes de futebol, porém, não estão entre os melhores pagadores, talvez porque não têm grandes incentivos para tal: como executar um grande clube? Decretar sua falência, liquidar e encerrar a história? Quem vai lidar com a pressão popular, ou dos torcedores poderosos (apenas o rei da Espanha, no caso do Real Madrid)? Para piorar, estamos numa conjuntura em que bancos não podem mais quebrar, e suas más decisões de crédito, emprestar a times de futebol entre elas, acabam sendo bancadas pelo contribuinte.

No fim das contas, todos os contribuintes acabam sustentando os clubes - o governo precisa arrecadar de outra maneira os impostos que deixa de cobrar, resgata os bancos que emprestaram aos clubes e, pelo exemplo brasileiro (deve haver muitos outros), resgata os próprios clubes, quando preciso. É um crowdfunding compulsório, tendo como fundo a ideia que clubes de futebol são, ao menos parcialmente, bens públicos. Podem até ser, mas isso deveria ficar mais claro para que os eleitores decidam se é legítimo manter essa casta de multimilionários às custas da população.

O caso específico da Espanha hoje parece particularmente imoral pelo descolamento entre a conjuntura do país e a riqueza da liga de futebol, mas não é o único. Nem é o futebol - o mundo está repleto de negócios que criam milionários indiretamente subsidiados por contribuintes. É ridículo políticos defenderem uma era de austeridade geral  enquanto esses casos não se tornarem explícitos, analisados e repensados.

9 comentários:

Anônimo disse...

os times de futebol são os primeiro casos de : TOO BIG TOO FAIL da Era Moderna

teco

Anônimo disse...

Acho que tem muito o que se discutir disso no mundo todo e no Brasil principalmente. É sempre bom lembrar as palavras do ilustre filósofo brasileiro, Luiz Felipe Scolari: "Quem joga futebol tem pressão, e os jogadores têm que saber isso. Tem que trabalhar nesse aspecto. Se não quer pressão, vai trabalhar no Banco do Brasil, senta no escritório e não faz nada, aí não tem pressão nenhuma".
E essa casta de milhonários sustentados com dinheiro público ainda tem a cara de pau de desprezar os trabalhadores que os sustentam!
Enfim, parabéns pelos bons textos!
Abçs!
Farley Fiorini

Anônimo disse...

Acho que não entendi direito. Esses clubes tem um equity positivo (relevante, imagino) então a dívida não é para ser paga e sim rolada. Right?
No caso de haver benefícios tributários, perdão de dívida, BNDES futebolísticos etc a história seria outra.
Como os grandes espanhóis tem parcela relevante da receita vindo de fora, o fato da Espanha estar mal não deixa claro para mim uma situação obviamente insustentável. Será que o pay-per-view, as camisas e os tickets para os jogos são pagos pela welfare ou pelos papais espanhóis.
Maradona

Drunkeynesian disse...

Metade dos clubes da liga espanhola tem equity negativo. Os grandes têm positivo, ainda assim, acho que não têm interesse em zerar a dívida, justamente (acho) por contarem com os perdões e molezas quando precisarem. E não vejo motivo pra não pagar dívidas tributárias com o primeiro fluxo de caixa positivo que aparecer.

No post que eu linkei do Swiss Ramble tem uma análise bem detalhada do balanço de alguns clubes, vale olhar.

GusTavares disse...

Não entendi!!! Considerando o seu último parágrafo, O que o Eike Batista e os donos do JBS (Batistas também por coincidência) tem a ver com futebol?

E aproveitando que vc trabalha com econometria, existe alguma correlação estatística significante entre ser espanhol, dono de clube de futebol e receber dinheiro subsidiado?

E tropicalizando a questão, existe alguma correlação estatística entre ser milionário subsidiado no Brasil e ter Batista no sobrenome?

Drunkeynesian disse...

Todos têm patrocinadores em comum.

buginga disse...

DK, posso estar enganado, mas quando se fala em esporte sempre há um entendimento (que eu acho errado) de que se trata de um bem público. E por isso deve ser passível de vários subsídios via patrocínios privados com contrapartida em renúncia fiscal ou até o caso que você citou, onde há dívidas ao fisco que nunca são pagas.
Sei lá, se nós falamos de educação, pesquisa básica, etc é fácil ganho público de produtividade, bem-estar social, etc. Mas, subsidiar esportes amadores (e profissionais)? Vejo muito mais ganho privado via sponsorship, marketing.

Jorge Browne disse...

Belo post DK. Vou chutar, mas em época de crise o pessoal foge para a bebida e para o futebol...

Em se tratando de subsídios, é uma lástima, mas os espanhóis não parecem incomodados. No Brasil, a dívida dos clubes com a Receita é de "apenas" R$ 612 milhões
(0,01 Eikes).

Os times parecem um bem público mesmo, até aí tudo bem, se a sociedade quer manter esses milionários em prol do seu divertimento fazer o quê? Menos panis e mais circenses.

O que me incomoda profundamente é a falta de transparência na gestão dos clubes. Jogador ganha dinheiro muito em função do resultado, agora cartola enriquecendo (onde anda o Ricardo Teixeira?) já é demais. Como a Fifa vai na mesma linha isso não é nenhuma jabuticaba...

Por fim, me lembrei de uma frase antiga:"Onde a Arena vai mal, um time no nacional", depois acrescida de "Onde a Arena vai bem, um time também."

Drunkeynesian disse...

Também é um escândalo no Brasil, sem dúvida.
E, como você disse, enriquecer cartola acho que vai além de qualquer intenção da sociedade financiar o espetáculo.