quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O problema dos fundos de pensão (e dos poupadores)

Em maio do ano passado, quando o governo mexeu nas regras de remuneração da poupança, escrevi um post sobre o que mudaria com a queda dos juros no Brasil - nenhum grande insight, só resultado de aritmética básica. Entre elas (já me perdoem a autocitação):

Minha maior preocupação é com os grandes fundos de pensão, que, até alguns meses atrás, conseguiam bater a meta atuarial (algo como inflação mais 6% ao ano) aplicando em NTN-Bs longas e correndo relativamente pouco risco. Os novos fluxos compram esses papéis a taxas de mercado perto de inflação mais 4,5% ao ano, o que vai fazer com que esses fundos sejam levados a tomar mais risco (comprando ações e títulos privados, investindo em fundos multimercado, imóveis, commodities e o que mais passar pela frente) ou reavaliem suas contas atuariais, provavelmente concluindo que o rombo é maior ou virá antes do que se esperava. Correr os riscos mencionados acima não é nenhuma garantia de que a diferença entre a meta atuarial e os retorno dos fundos será preenchida; dependendo da qualidade da gestão, justo o contrário.

Aconteceu que, no ano passado, a combinação de inflação relativamente alta e juros em queda contínua levou os fundos de pensão a terem, na marcação a mercado, um dos melhores anos de sua história, disfarçando o problema e adiando a discussão das soluções. Ontem o Valor publicou a seguinte tabela, que da boa ideia do choque de realidade que esses fundos terão que se aplicar em breve (clique para aumentar):




Atualmente, a NTN-B mais longa (vencimento: 2050) paga juros reais de 3,80%. Ainda que a inflação corrente esteja acima das premissas, se nada mudar, este ano começa a abrir um abismo entre as premissas e o mundo real. Para os gestores de fundos, duas soluções são evidentes:

1. Reconhecer o quanto antes a mudança de paradigma, capitalizar (ou comunicar os cotistas que a vida mudou, o que não funciona para os planos de benefício fixo - aí resta diluir as perdas ao longo do tempo) os fundos e refazer os cálculos para o futuro com premissas mais realistas, de retornos menores;

2. Abandonar gradualmente os títulos públicos em troca de mais risco - ações, hedge funds, crédito, private equity, etc. É o que fazem os fundos de pensão no mundo desenvolvido, com resultados pouco uniformes - isso deixará evidente quem são os bons gestores e a escassez de bons ativos no país.

Para o beneficiário, passa a ser muito relevante a escolha de um bom gestor, já que o cenário é mais difícil e a tentação para barbeiragens aumentou muito.Infelizmente muitas vezes essa escolha não existe, com o plano é atrelado ao pacote de benefícios do empregador, que tem uma equipe de gestão própria (pode, no máximo, terceirizar parte do trabalho). Cabe aí, então, acompanhamento e cobrança. O poupador brasileiro aprendeu, durante muito tempo, a se proteger de instabilidade da moeda e inflação alta; agora deve passar por uma nova readaptação. Não será fácil, nem indolor.

17 comentários:

Anônimo disse...

O investidor olha esse juros real longo 3,8%, coloca o imposto de renda e se toca que "viver de renda" mudou muito em 3 anos.
Na escassez de ativos como você lembrou, a expectativa de renda de aluguel de 6% ano, sem IR no caso dos fundos imobiliários, parece uma tentação impossível de resistir. E o mercado irá fornecer toneladas disso.
Você acha que os "juros zero" chegaram para ficar no Brasil? Esses 3,8% da NTNB2050 me parecem muito pouco atraentes.
Maradona

Drunkeynesian disse...

Tem razão, este ano provavelmente vamos ver muito dinheiro migrando de dívida soberana pra recebível imobiliário, com toda a complicação da análise de crédito / ocupação inerente.

Acho que é pra levar a sério a meta da Dilma de 2% de juro real (o que implica em juros longos um pouco maiores). Podendo optar, eu prefiro os títulos externos do Brasil em dólares a 4% do que a NTN-B aqui.

Anônimo disse...

Ao anônimo-Maradona :

O problema de recebíveis e fundos imobiliários é a bolha brasileira. No período coberto pelo FipeZap, o preço dos imóveis no Brasil aumentou mais do que em qualquer período coberto pelo Case-Shiller, desde o começo da série, inclusive o período mais crítico de inflação da bolha. Sabemos todos o que aconteceu com os CDOs e outros investimentos imobiliários. Lembrando que o mercado imobiliário brasileiro está crescentemente securitizado também.

Não vejo os fundos imobiliários como saída. A bem da verdade, não vejo sequer saída, visto a crescente repressão ao poupador, a la Rogoff e Reinhart.

Preparem-se.

A.M-BH

Anônimo disse...

A solução individual é simples: passar menos tempo aposentado (sendo que prefiro aquela q envolve trabalhar mais tempo)...

Anônimo disse...

Você parte da idéia de bolha no Brasil. Eu não tenho uma opinião firme, mas acredito que no longo prazo o valor do imóvel deva cair um pouco, nada de especial.
Concordo com os riscos nem sempre perceptíveis dos recebíveis imobiliários, a falsa idéia de "ativo real", reserva de valor etc. Só ressalto a atratividade desses produtos.
Mas se o financial repression estará por aí nos próximos 5 anos, Selic de 7% before tax, inflação sempre animada lambendo o juro real, os investimentos serão tortos mesmo. E ficar cash é duro demais. "ganharás o CDI" é a pior praga que alguém pode te jogar.
Maradona

Jorge Browne disse...

O mesmo raciocínio não serve para todo o mundo, especialmente empresas e bancos? Ou seja, acabou a barbada e se virem nos 30?

Quanto ao mercado imobiliário, sei não... essa ideia de que os ativos tem permanente valorização me parece suspeita barbaridade. Na dúvida estou postergando a compra da morada (para a total inconformidade da sra. Browne).

Drunkeynesian disse...

De certa forma, sim, acho que o Brasil virou um país de retornos mais baixos (pras empresas por enquanto ainda tem o problema do squeeze de lucros pelo encarecimento da mão-de-obra).

Drunkeynesian disse...

E, como diz meu chefe (há muito tempo), o único motivo possível pra preferir comprar um imóvel a alugar é querer mudar a cortina, piso, paredes, etc...

Anônimo disse...

Como em tudo sempre há um lado bom, fica a expectativa de que a queda dos juros obrigue os beneficiários a terem uma atitude mais ativa em relação à gestão dos respectivos fundos de pensão.

Acho que isso teria um enorme impacto na política brasileira e no próprio mercado de ações. É esperar para ver.

Abraços

Anônimo disse...

"E, como diz meu chefe (há muito tempo), o único motivo possível pra preferir comprar um imóvel a alugar é querer mudar a cortina, piso, paredes, etc.."

Drunk,

Vc não acha que o custo de ficar short em imóveis nos últimos anos não foi grande d+?

Abçs,
Daniel


Drunkeynesian disse...

Boa pergunta. Short mesmo acho que ninguém ficou, no máximo deixou de comprar e se arrependeu... e aí tem que colocar na conta o que foi feito com o dinheiro (quem usou pra comprar ações, por exemplo, deve estar batendo a cabeça na parede até agora; bem menos mal pra quem ficou na renda fixa) e o que se gastou com juros de financiamento. Precisa fazer conta, mas eu chuto que quem tinha dinheiro e podia escolher entre comprar um imóvel ou aplicar em NTN-B e pagar aluguel não saiu tão mal na foto quanto parece, não. Dá pra atribuir parcela grande da alta de preços dos imóveis na queda dos juros, o que teria também sido capturado com renda fixa.

Anônimo disse...

Posso estar enganado, mas essa queda dos juros ajuda os fundos,que mesmo não tendo mais rentabilidade de antes,como não é tão fácil perceber qual caminho está melhor em uma analise de mais de 1 ano em termos de lucratividade ajuda aos profissionais, antes era só aplicar em NTN-B que já rendia bem.

Dos países estrangeiros eu só compraria do Chile que paga juros atraentes para um pais com excelente histórico, no resto é complicado.

O que eu acredito que vai começar uma grita contra BNDES para forçar as empresas a procurarem os fundos para investimentos e não a viúva.

Abraços

Marcelo

Anônimo disse...

Os associados dos fundos de pensão (fundos de previdências fechados) não tem como escolher os gestores dos mesmos. Podem eleger parte dos representantes, mas o voto de minerva é do fundo de pensão. Não esqueçamos da importância econômica dos mesmos na economia nacional e na participação das grandes empresas listadas em bolsa.

Alguns presidentes de conselho de administração de tais empresas, como por exemplo brf3 e vale3, são indicados por fundos de pensão.

E como são entidades paraestatais a indicação para a presidência dos fundos de pensão federais são do governo federal.

Interessante saber que existem fundos cuja participação em renda variável atinge 60% do patrimônio do mesmo.


anonimo investidor

Anônimo disse...

Pergunta aos colegas do mercado financeiro: que país cresce punindo o poupador?

Drunkeynesian disse...

Quer país que pune mais o poupador que a China? Juro real negativo, não pode tirar dinheiro do país, mercado de ações caótico, bolha em real estate...

Anônimo disse...

Bom, se a China é o modelo estamos no caminho certo, ditadura de partido único e Estado corrupto, nossa especialidade.

Unknown disse...

"Juro real negativo, não pode tirar dinheiro do país, mercado de ações caótico, bolha em real estate..."

É, mas na China não tem bem-estar social. Ou o cidadão poupa ou vai trabalhar até o fim da vida.

Se ficar doente, lascou-se... Os parâmetros do trade-off entre consumir e poupar são totalmente diferentes!