Paul McCartney, Gilberto Gil, Isaac Hayes, Curtis Mayfield, Lou Reed, Caetano Veloso... Puseram bastante talento na água de 1942. Gil completou 70 na última terça-feira.
sexta-feira, 29 de junho de 2012
Mais uma estimativa de juros reais no Brasil
A Bradesco Corretora fez uma estimativa de juros reais no Brasil desde 1965; a metodologia foi bem diferente da que eu usei. Os dados se resumem ao gráfico abaixo, coloquei também uma tabela comparando com os meus resultados:
O relatório completo do Bradesco está aqui.
O relatório completo do Bradesco está aqui.
Ai-que
Eike dureza ter que olhar de novo pra essa capa ridícula... |
Ontem o Arthur M. me mandou um e-mail perguntando se eu não ia escrever nada sobre a, digamos, maré de azar nas empresas do grupo X (considerando o meu muitas vezes manifestado ceticismo com relação a esses negócios). Eu respondi que não pretendia porque: primeiro, não entendo quase nada de petróleo - a maior queda (perda de metade do valor de mercado neste mês) foi da OGX, em teoria provocada por um corte de estimativa de produção em uma das áreas de exploração e; segundo, ainda era cedo para declarar Eike e suas empresas uma fraude completa. Isso foi enquanto a queda da OGXP3 no pregão era de "apenas" 7%. No fim do dia acelerou para quase 20%, a MMXM3 caiu outros 17% e fiquei com a impressão de que, na melhor expressão da célebre frase de Dornbusch, as coisas poderiam estar acontecendo mais rápido do que qualquer um poderia imaginar.
Eike é o arquétipo da ilusão do "Brasil que deu certo", que conseguiria enriquecer em uma geração com um modelo baseado em pouco mais do que exploração de commodities e a crença de que os termos de troca nunca voltariam a piorar. A genialidade de Eike foi perceber que o mundo havia se convencido dessas falácias, e que empresas pré-operacionais, com todo o risco associado a esse estágio do negócio e à exploração de commodities, poderiam ser vendidas como empresas maduras, cash cows em plena operação. Acho que o ajuste dos preços de mercado neste mês (que não sei se já terminou - de qualquer forma, o mês útil termina hoje) reflete a reversão dessa ilusão, e as empresas serão reprecificadas de forma a refletir melhor a realidade, não a expectativa de um futuro onde tudo deu certo. Uma próxima reprecificação pode ocorrer se o mercado se convencer de que alguns dos projetos vendidos são fraudes e que o investimento será perdido; não os conheço a fundo para saber se isso vai acontecer, ainda que não me pareceria uma grande surpresa. Ecoa na minha cabeça a frase que ouvi do professor L. Randall Wray em um seminário, há alguns meses: "nada é mais lucrativo que fraude". É possível que a loucura com o caso do Brasil tenha chegado a um ponto em que as expectativas exageradas de lucros só poderiam ser correspondidas com a venda de fraudes, com todas as letras. O próximo par de anos deve ser um bom teste para essa tese.
Um outro aspecto pernicioso do "fenômeno Eike" é o uso de sua história como modelo de gênio capitalista visionário - nada é mais ilustrativo disso do que a ridícula capa de uma edição de janeiro deste ano da revista com maior circulação no país. O capitalismo, nesse caso, é a exploração do setor primário, intensivo em capital e de baixíssimo potencial de inovação, fortemente regulado pelo governo, com o uso de grandes volumes de financiamento a juros subsidiados de um banco de fomento estatal. Compare com a trajetória de verdadeiros capitalistas visionários (pode ser o Steve Jobs, pra pegar um caso mais recente) e ache os sete erros. Até a alusão ao caso da China é apropriada: crescimento brutal em todos os sentidos, também com a possibilidade de ter sido alimentado além do verdadeiro potencial com uma miríade de fraudes. É esse o modelo que queremos usar?
"Não éramos tão ruins, nem ficamos tão bons", foi o que disse o professor Eduardo Giannetti em uma entrevista de dezembro de 2009. Pensando em mercados, se juntarmos a magnitude e o tempo que durou a ilusão de que eramos muito bons com a segunda regra de Bob Farrell (excessos em uma direção levam a excessos na direção oposta), podemos esperar um longo e duro período de correção, até que pareça de novo que somos muito ruins. Talvez estejamos vendo o início desse movimento. Torçamos pelo melhor, nos preparemos para o pior.
Agradeço ao Arthur M. pela provocação e discussão.
Marcadores:
academia,
ações,
Brasil,
capitalismo,
China,
citações,
commodities,
Eike Batista,
mercado financeiro,
meta,
mídia,
zeitgeist
quinta-feira, 28 de junho de 2012
Leituras da Semana
- Apresentação de Jim Chanos sobre o que ele considera armadilhas de valor (Petrobras entre elas).
- Liaquat Ahamed, de Lords of Finance, sobre a atual geração de banqueiros centrais.
- Os últimos países AAA.
- Jens Nordvig, do Nomura, sobre a volta da dominância de política sobre a economia.
- Anatole Kaletsky sobre as consequências de uma eventual saída da Alemanha do euro.
- Mark Dow sobre metais preciosos.
- Persio Arida fala ao Estado sobre o Plano Real (prestes a completar 18 anos) e o Brasil de hoje.
- Fabuloso artigo de Deirdre McCloskey sobre felicidade, uma crítica aguda e pertinente aos "quantitative hedonists".Quando não se perde na própria erudição, McCloskey tem, de longe, o melhor texto que conheço entre economistas vivos. Vejam esse trecho: "Decades ago, I was in Paris alone and decided to indulge myself with a good meal, which, you know, is rather easy to do in Paris. The dessert was something resembling crème brulée, but much, much better. I thought, “I shall give up my professorships at the University of Iowa in economics and history, retire to this neighborhood on whatever scraps of income I can assemble, and devote every waking moment to eating this dessert.” It seemed like a good idea at the time."
- Qual o candidato à presidência dos EUA mais preparado para lidar com uma invasão alienígena?
- A Manifesto for Economic Sense
- O centro de gravidade da economia global.
- Conheça La Línea de la Concepción, a vizinha espanhola de Gibraltar e interessante (e deprimente) microcosmo da crise na Espanha.
- The Economist comenta a biografia de Ryszard Kapuscinski, agora traduzida para o Inglês.
- John Gray desconstrói Slavoj Žižek (e não sobra muita coisa).Guardian sobre Žižek .
- Um congestionamento de 12 horas em Lagos, Nigéria.
- Uma teoria geral dos tipos de Muppets.
- A resposta de Ronald Reagan a um quarto de adolescente declarado área de desastre (via goombagoomba).
- Algumas concorrentes do concurso anual de fotografia de viagem da National Geographic (a que ilustra este post está entre elas).
- Os 10 mandamentos do bowieismo.
- A Noite Estrelada, de Van Gogh, com dominós.
- Liaquat Ahamed, de Lords of Finance, sobre a atual geração de banqueiros centrais.
- Os últimos países AAA.
- Jens Nordvig, do Nomura, sobre a volta da dominância de política sobre a economia.
- Anatole Kaletsky sobre as consequências de uma eventual saída da Alemanha do euro.
- Mark Dow sobre metais preciosos.
- Persio Arida fala ao Estado sobre o Plano Real (prestes a completar 18 anos) e o Brasil de hoje.
- Fabuloso artigo de Deirdre McCloskey sobre felicidade, uma crítica aguda e pertinente aos "quantitative hedonists".Quando não se perde na própria erudição, McCloskey tem, de longe, o melhor texto que conheço entre economistas vivos. Vejam esse trecho: "Decades ago, I was in Paris alone and decided to indulge myself with a good meal, which, you know, is rather easy to do in Paris. The dessert was something resembling crème brulée, but much, much better. I thought, “I shall give up my professorships at the University of Iowa in economics and history, retire to this neighborhood on whatever scraps of income I can assemble, and devote every waking moment to eating this dessert.” It seemed like a good idea at the time."
- Qual o candidato à presidência dos EUA mais preparado para lidar com uma invasão alienígena?
- A Manifesto for Economic Sense
- O centro de gravidade da economia global.
- Conheça La Línea de la Concepción, a vizinha espanhola de Gibraltar e interessante (e deprimente) microcosmo da crise na Espanha.
- The Economist comenta a biografia de Ryszard Kapuscinski, agora traduzida para o Inglês.
- John Gray desconstrói Slavoj Žižek (e não sobra muita coisa).Guardian sobre Žižek .
- Um congestionamento de 12 horas em Lagos, Nigéria.
- Uma teoria geral dos tipos de Muppets.
- A resposta de Ronald Reagan a um quarto de adolescente declarado área de desastre (via goombagoomba).
- Algumas concorrentes do concurso anual de fotografia de viagem da National Geographic (a que ilustra este post está entre elas).
- Os 10 mandamentos do bowieismo.
- A Noite Estrelada, de Van Gogh, com dominós.
Marcadores:
ações,
África,
Brasil,
commodities,
crise,
EUA,
euro,
Europa,
fundos,
história,
Jim Chanos,
livros,
macroeconomia,
mercado financeiro,
off topic,
ouro,
política
quarta-feira, 27 de junho de 2012
terça-feira, 26 de junho de 2012
Fala Keynes
Nunca tinha ouvido a voz do velho John Maynard; semana passada, o Open Culture desenterrou esse discurso dele para a BBC, em 1939:
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Como são decisões de política econômica
As opções:
O processo.
Tudo do espetacular episódio "Margaritaville", da 13ª temporada de South Park. Foi exibido originalmente em março de 2009, poucos dias depois da pior fase da crise nos mercados americanos - teria servido como um bom indicador contrário. Vale ver inteiro aqui. O pai de Matt Stone (um dos criadores da série), Gerald W. Stone, foi professor de economia (chegou até a escrever um livro-texto) e serviu de consultor para o roteiro, que tem um final inequivocamente keynesiano.
O processo.
Tudo do espetacular episódio "Margaritaville", da 13ª temporada de South Park. Foi exibido originalmente em março de 2009, poucos dias depois da pior fase da crise nos mercados americanos - teria servido como um bom indicador contrário. Vale ver inteiro aqui. O pai de Matt Stone (um dos criadores da série), Gerald W. Stone, foi professor de economia (chegou até a escrever um livro-texto) e serviu de consultor para o roteiro, que tem um final inequivocamente keynesiano.
Marcadores:
contrário,
Keynes,
macroeconomia,
piadas,
zeitgeist
Frases do Dia - Dados e Conclusões
The more abundant and complex the statistical data and methods used in support of a conclusion, the weaker the result. Just as in a detective novel where the person with the more elaborate alibi is most likely to be guilty. Hard results in science rest on minimal, if any, statistics.
Nassim Taleb, no Facebook. Como princípio, diz bastante sobre a discussão da semana passada.
Nassim Taleb, no Facebook. Como princípio, diz bastante sobre a discussão da semana passada.
sexta-feira, 22 de junho de 2012
quinta-feira, 21 de junho de 2012
Leituras da Semana
Não tem preço |
- David Rosenberg, economista pessimista de carteirinha, está ameaçando virar a camisa.
- Anatole Kaletsky agora tem um blog na Reuters.
- Uma aulinha da The Economist sobre como colocar 2000 anos de dados em um gráfico.
- A Foreign Affairs publicou uma série de contrapontos ao artigo pessimista com o Brasil do mês passado. De novo parei no paywall, agradeço a quem conseguir os textos e me mandar.
- Da turma do Why Nations Fail, 10 motivos que levam um país a desmoronar.
- 3x William Easterly: novo paper, que atribui quase metade do desenvolvimento global atual à colonização europeia; um cartoon sobre desenvolvimento e uma micro-opinião sobre a Rio+20.
- Há uma relação (inversa) entre índice de propriedade de imóveis e desenvolvimento?
- Deirdre McCloskey sobre os danos da intervenção estatal nos séculos XIX e XX, texto pequeno para uma discussão imensa (e ela consegue mencionar não menos que 20 autores em duas páginas - quanta gente consegue debater contra esse nível de erudição?).
- Nicholas D. Kristof visita o Irã e fala sobre os efeitos das sanções econômicas.
- Maurício Santoro sobre a Argentina, que deve entrar em recessão este ano (mas não pelos dados oficiais, claro).
- Timothy Garton Ash sobre mais um renascimento de Aung San Suu Kyi.
- Garry Wills sobre a crítica de Mangabeira Unger a Obama e o dilema ideal x possível em política.
- O grande Costa-Gavras sobre a Grécia.
- Calvin & Haroldo para entender a política no Egito.
- Karl Marx foi parar num cartão de crédito. Treme o Highgate Cemetery.
- Cartazes maximalistas de ídolos do rock.
- E há um novo vídeo da série Where the Hell Is Matt?, imperdível. Há alegria no Eixo do Mal:
Marcadores:
América Latina,
Argentina,
Ásia,
Brasil,
dados,
desenvolvimento,
EUA,
Grécia,
liberalismo,
macroeconomia,
Marx,
mercado financeiro,
mercado imobiliário,
off topic,
Oriente Médio,
política
quarta-feira, 20 de junho de 2012
Blogosfera econômica brasileira pegando fogo
Quem acompanha os blogs de economia brasileiros, a essa altura já deve ter caído em algum post sobre a polêmica Reinaldo Azevedo x professor João Manoel Pinho de Mello e outros pesquisadores da PUC-RJ e do Banco Mundial. Abaixo tento organizar o que já se falou até agora e depois coloco minhas três linhas de pitacos:
1. Este é o link para o trabalho original, que não necessariamente foi lido por quem o criticou ou defendeu:
Chioda, Laura & de Mello, João M. P. & Soares, Rodrigo R., 2012.
"Spillovers from Conditional Cash Transfer Programs: Bolsa Família and Crime in Urban Brazil,"
IZA Discussion Papers 6371, Institute for the Study of Labor (IZA).
2. O Globo usou os resultados do paper para a matéria:
4. Vieram as reações da blogosfera: primeiro do Adolfo Sachsida, depois do Márcio Laurini.
5. O professor João Manoel Pinho de Mello escreveu uma resposta furiosa ao post do Reinaldo Azevedo, tentando explicar algo da metodologia do trabalho e suas limitações (não sem algum nível de "carteirada" e diminuindo o "blogueiro").
6. O Reinaldo treplicou em cima da resposta do professor e, aparentemente, ainda sem se dar ao trabalho de tentar ler o paper.
7. Nesse tempo, a blogosfera entrou em combustão:
- "O" Anônimo, do A Mão Visível, aproveitou os posts do Reinaldo para fazer algumas críticas pertinentes ao paper (aqui e aqui - vale ler também os comentários), com muito mais propriedade;
- Márcio Laurini comentou a resposta do professor e a tréplica do R.A.;
- Sachsida criticou o tom agressivo que tomou conta do debate;
- Chutando a Lata argumenta que a discussão evidencia a desmoralização dos economistas no Brasil;
- Mansueto Almeida falou sobre os limites da econometria e desse tipo de pesquisa;
- Claudio Shikida acompanhou as idas e vindas e notou que a econometria acaba fazendo o papel de Geni;
- Prosa Econômica acha que o R.A. armou um circo;
- Cristiano Costa entendeu a indignação do professor;
- Selva Brasilis argumenta que todos os envolvidos saem arranhados.
- Leonardo Monasterio sacou uma regra de bolso para saber quando se deve debater.
8. O R.A. ainda publicou uma "opinião de expert" totalmente furada (mais um que não leu o paper), que o Selva esculachou.
Ainda devo ter perdido alguma coisa (avisem nos comentários, por favor). Faltou a minha contribuição, provavelmente pouco relevante depois de tudo isso:
- Eu tive um pouco de preguiça dessa história desde o começo, confesso. Principalmente porque qualquer um que acompanha ou já acompanhou o Reinaldo Azevedo sabe do viés (pra não dizer ranço) antipetista dele. Para mim, o mais provável é que ele leu a notícia, não gostou da conclusão e começou a atacar a partir daí, sem gastar o mínimo de tempo conferindo se o trabalho acadêmico dizia aquilo mesmo ou tentando entender a metodologia. Também imagino que, se os mesmos pesquisadores tivessem usado exatamente a mesma metodologia e concluído que o Bolsa Família aumenta a criminalidade, ele teria destacado os resultados e chamado os autores de algo como "luzes de racionalidade no meio da névoa petralha". Enfim: não acho que o Reinaldo tenha muito compromisso com a realidade ou honestidade intelectual, ele tem uma agenda política que paira acima de tudo isso, para prejuízo do debate e conforto de quem prefere opiniões prontas e mastigadas.
- Como o Cristiano, entendo a fúria na resposta do professor. Assumindo que o trabalho foi bem feito, custou muito tempo e dedicação, etc (e não vejo motivos para duvidar disso), não deve ter sido legal ver ele sendo desmerecido em um post com uma reflexão superficial influenciada por ideologia e total ignorância sobre como esse tipo de pesquisa é conduzida e tratada. Isso levou a uma resposta que, mesmo informativa, carregou no tom de "falamos do alto da torre de marfim" e pode ter levado a um reforço no preconceito do público geral (sobretudo o leitor do R.A.) com a pesquisa acadêmica. Vendo tudo agora, creio que a resposta mais adequada dos pesquisadores seria um texto de duas ou três páginas bem didático, explicando, em termos simples (mas não simplórios), a pesquisa, os resultados e suas limitações. Tendo sido feita a propaganda, esse texto seria bastante útil para o público e poderia aumentar a reputação da academia. Perdeu-se essa chance, paciência, e, de novo, passado o tempo e à distância, é mais fácil criticar. É difícil ser conciliador logo depois de alguém pisar no seu calo, reconheço.
- Vários doutores em economia que estudaram algumas vezes mais do que eu já comentaram a parte técnica da pesquisa, e nesse quesito não tenho muito a acrescentar. As credenciais dos autores são muito boas, o que me leva a crer que é baixa a probabilidade de terem cometido alguma barbaridade metodológica. Além disso, o trabalho, para ser publicado, deve ter passado por várias revisões técnicas. Uma coisa é a metodologia e os dados usados terem limitações (e tenho pouca dúvida que os pesquisadores são dos primeiros a reconhecê-las), outra é achar que elas invalidam totalmente o trabalho.
- Para quem ficou só nos posts do R.A., provavelmente vai mesmo sair com a impressão que pesquisadores são uns lunáticos, não sabem nada sobre o mundo real e perdem-se entre seus cálculos esotéricos. Uma pena. Se há algo que esse debate todo evidenciou é: primeiro, a ignorância geral sobre a metodologia de pesquisa econômica e a confusão ao tomar resultados estatísticos (aceitáveis apenas dentro de um grau de confiança e, portanto, sempre sujeito a erros) como peças de ideologia ou conclusões determinísticas ou lógicas e; segundo, as dificuldades da academia na comunicação com jornalistas e o público leigo. Por outro lado, reforçou-se o estereótipo (que acho errado, fique claro - ou pelo menos é errado para toda a classe) que jornalistas não têm espaço ou capacidade para ir além da superficialidade. Talvez ainda haja algum esclarecimento nesses sentidos, mas, por enquanto, as chances foram perdidas. Em resumo: quem não tem formação em economia ou acompanhou apenas um dos lados da discussão provavelmente saiu com preconceitos reforçados e pouco mais.
- Como tinha dito, a história toda me deu um pouco de preguiça no início. Porém, como disse um amigo, levou a boas discussões sobre pesquisa acadêmica, econometria, causalidade, comunicação, política, etc; além disso, não lembro de outra questão ter mobilizado tanto a blogosfera econômica brasileira (aqui está o ex-preguiçoso, empolgadão, terminando texto à 1 da manhã) - que sempre deveria dar as boas-vindas a esse tipo de diálogo e, no fim das contas, enriqueceu com essa história. Serendipity, baby.
P.S. Outra coisa legal que surgiu nas discussões foi esse texto que o goombagoomba indicou, sobre a crítica conservadora à educação superior.
P.P.S. Bem que o Hermenauta podia sair da hibernação para entrar na discussão.
1. Este é o link para o trabalho original, que não necessariamente foi lido por quem o criticou ou defendeu:
Chioda, Laura & de Mello, João M. P. & Soares, Rodrigo R., 2012.
"Spillovers from Conditional Cash Transfer Programs: Bolsa Família and Crime in Urban Brazil,"
IZA Discussion Papers 6371, Institute for the Study of Labor (IZA).
2. O Globo usou os resultados do paper para a matéria:
Bolsa Família reduz violência, aponta estudo da PUC-Rio3. Reinaldo Azevedo, com sua sutileza habitual e muito provavelmente só com base na notícia (sem ter procurado o paper), chamou o estudo de "cascata autoevidente", acusou os pesquisadores de ideólogos e tentou mostrar com "lógica e bom-senso" os furos do trabalho.
4. Vieram as reações da blogosfera: primeiro do Adolfo Sachsida, depois do Márcio Laurini.
5. O professor João Manoel Pinho de Mello escreveu uma resposta furiosa ao post do Reinaldo Azevedo, tentando explicar algo da metodologia do trabalho e suas limitações (não sem algum nível de "carteirada" e diminuindo o "blogueiro").
6. O Reinaldo treplicou em cima da resposta do professor e, aparentemente, ainda sem se dar ao trabalho de tentar ler o paper.
7. Nesse tempo, a blogosfera entrou em combustão:
- "O" Anônimo, do A Mão Visível, aproveitou os posts do Reinaldo para fazer algumas críticas pertinentes ao paper (aqui e aqui - vale ler também os comentários), com muito mais propriedade;
- Márcio Laurini comentou a resposta do professor e a tréplica do R.A.;
- Sachsida criticou o tom agressivo que tomou conta do debate;
- Chutando a Lata argumenta que a discussão evidencia a desmoralização dos economistas no Brasil;
- Mansueto Almeida falou sobre os limites da econometria e desse tipo de pesquisa;
- Claudio Shikida acompanhou as idas e vindas e notou que a econometria acaba fazendo o papel de Geni;
- Prosa Econômica acha que o R.A. armou um circo;
- Cristiano Costa entendeu a indignação do professor;
- Selva Brasilis argumenta que todos os envolvidos saem arranhados.
- Leonardo Monasterio sacou uma regra de bolso para saber quando se deve debater.
8. O R.A. ainda publicou uma "opinião de expert" totalmente furada (mais um que não leu o paper), que o Selva esculachou.
Ainda devo ter perdido alguma coisa (avisem nos comentários, por favor). Faltou a minha contribuição, provavelmente pouco relevante depois de tudo isso:
- Eu tive um pouco de preguiça dessa história desde o começo, confesso. Principalmente porque qualquer um que acompanha ou já acompanhou o Reinaldo Azevedo sabe do viés (pra não dizer ranço) antipetista dele. Para mim, o mais provável é que ele leu a notícia, não gostou da conclusão e começou a atacar a partir daí, sem gastar o mínimo de tempo conferindo se o trabalho acadêmico dizia aquilo mesmo ou tentando entender a metodologia. Também imagino que, se os mesmos pesquisadores tivessem usado exatamente a mesma metodologia e concluído que o Bolsa Família aumenta a criminalidade, ele teria destacado os resultados e chamado os autores de algo como "luzes de racionalidade no meio da névoa petralha". Enfim: não acho que o Reinaldo tenha muito compromisso com a realidade ou honestidade intelectual, ele tem uma agenda política que paira acima de tudo isso, para prejuízo do debate e conforto de quem prefere opiniões prontas e mastigadas.
- Como o Cristiano, entendo a fúria na resposta do professor. Assumindo que o trabalho foi bem feito, custou muito tempo e dedicação, etc (e não vejo motivos para duvidar disso), não deve ter sido legal ver ele sendo desmerecido em um post com uma reflexão superficial influenciada por ideologia e total ignorância sobre como esse tipo de pesquisa é conduzida e tratada. Isso levou a uma resposta que, mesmo informativa, carregou no tom de "falamos do alto da torre de marfim" e pode ter levado a um reforço no preconceito do público geral (sobretudo o leitor do R.A.) com a pesquisa acadêmica. Vendo tudo agora, creio que a resposta mais adequada dos pesquisadores seria um texto de duas ou três páginas bem didático, explicando, em termos simples (mas não simplórios), a pesquisa, os resultados e suas limitações. Tendo sido feita a propaganda, esse texto seria bastante útil para o público e poderia aumentar a reputação da academia. Perdeu-se essa chance, paciência, e, de novo, passado o tempo e à distância, é mais fácil criticar. É difícil ser conciliador logo depois de alguém pisar no seu calo, reconheço.
- Vários doutores em economia que estudaram algumas vezes mais do que eu já comentaram a parte técnica da pesquisa, e nesse quesito não tenho muito a acrescentar. As credenciais dos autores são muito boas, o que me leva a crer que é baixa a probabilidade de terem cometido alguma barbaridade metodológica. Além disso, o trabalho, para ser publicado, deve ter passado por várias revisões técnicas. Uma coisa é a metodologia e os dados usados terem limitações (e tenho pouca dúvida que os pesquisadores são dos primeiros a reconhecê-las), outra é achar que elas invalidam totalmente o trabalho.
- Para quem ficou só nos posts do R.A., provavelmente vai mesmo sair com a impressão que pesquisadores são uns lunáticos, não sabem nada sobre o mundo real e perdem-se entre seus cálculos esotéricos. Uma pena. Se há algo que esse debate todo evidenciou é: primeiro, a ignorância geral sobre a metodologia de pesquisa econômica e a confusão ao tomar resultados estatísticos (aceitáveis apenas dentro de um grau de confiança e, portanto, sempre sujeito a erros) como peças de ideologia ou conclusões determinísticas ou lógicas e; segundo, as dificuldades da academia na comunicação com jornalistas e o público leigo. Por outro lado, reforçou-se o estereótipo (que acho errado, fique claro - ou pelo menos é errado para toda a classe) que jornalistas não têm espaço ou capacidade para ir além da superficialidade. Talvez ainda haja algum esclarecimento nesses sentidos, mas, por enquanto, as chances foram perdidas. Em resumo: quem não tem formação em economia ou acompanhou apenas um dos lados da discussão provavelmente saiu com preconceitos reforçados e pouco mais.
- Como tinha dito, a história toda me deu um pouco de preguiça no início. Porém, como disse um amigo, levou a boas discussões sobre pesquisa acadêmica, econometria, causalidade, comunicação, política, etc; além disso, não lembro de outra questão ter mobilizado tanto a blogosfera econômica brasileira (aqui está o ex-preguiçoso, empolgadão, terminando texto à 1 da manhã) - que sempre deveria dar as boas-vindas a esse tipo de diálogo e, no fim das contas, enriqueceu com essa história. Serendipity, baby.
P.S. Outra coisa legal que surgiu nas discussões foi esse texto que o goombagoomba indicou, sobre a crítica conservadora à educação superior.
P.P.S. Bem que o Hermenauta podia sair da hibernação para entrar na discussão.
Marcadores:
academia,
econometria,
internet,
meta,
mídia,
política,
teoria econômica
terça-feira, 19 de junho de 2012
segunda-feira, 18 de junho de 2012
Escrevendo para fora, em Inglês
Há umas três semanas, coloquei aqui um texto em Inglês que era um teste para um projeto paralelo. Por conta dele, recebi um convite da Bertelsmann Stiftung (uma fundação e think tank alemã riquíssima, dona de 77.4% do conglomerado de mídia Bertelsmann AG, que controla, entre outras empresas, a Random House - maior editora de livros de interesse geral do mundo - e Gruner + Jahr - maior editora de revistas da Europa) para escrever no blog do Global Economic Symposium. O evento é organizado anualmente (desde 2008) pela Bertelsmann em parceria com o respeitado Kiel Institute for the World Economy e cooperação com o Leibniz Information Centre for Economics, dono da maior biblioteca de economia do mundo. A edição deste ano ocorre no Rio de Janeiro, entre 15 e 17 de outubro.
O evento é dividido em temas e, dentro deles, sessões. Eu vou cobrir a sessão "The Future of Central Banking: Inflation Targeting versus Financial Stability", dentro do tema "The Global Economy". Até o início do simpósio, devo publicar pelo menos dois posts por mês no blog. O primeiro já está na rede (mas não ainda debaixo do blog principal, isso deve ser resolvido ainda esta semana), e pode ser acessado aqui. Um trecho:
Comentários, críticas e sugestões são, como de costume, muito benvindos. E ponham o blog do evento nos favoritos, vai ter muita gente boa escrevendo por lá.
O evento é dividido em temas e, dentro deles, sessões. Eu vou cobrir a sessão "The Future of Central Banking: Inflation Targeting versus Financial Stability", dentro do tema "The Global Economy". Até o início do simpósio, devo publicar pelo menos dois posts por mês no blog. O primeiro já está na rede (mas não ainda debaixo do blog principal, isso deve ser resolvido ainda esta semana), e pode ser acessado aqui. Um trecho:
I believe we’re living through times of very difficult political coordination in the developed world: one of the paradoxical legacies of several decades of prosperity and stability is a very powerful defense of the status quo (partly because, as late historian Tony Judt said, there’s too much to be preserved), hence little disposition for taking risks in the form of bold action that could damage the current arrangements of power and privileges. In this environment, central bankers became the quintessential technocrats, with a mandate for discretionary action, no need of political legitimacy, and an aura of neutrality and technical knowledge.
Comentários, críticas e sugestões são, como de costume, muito benvindos. E ponham o blog do evento nos favoritos, vai ter muita gente boa escrevendo por lá.
Marcadores:
academia,
bancos centrais,
macroeconomia,
meta,
Tony Judt
Algumas linhas sobre a Grécia pós-eleição
Ontem me perguntaram se eu achava que a Grécia ia sair do euro após as eleições, e eu disse que não, mesmo se o resultado apontasse vitória do partido de esquerda radical (Syriza). Um amigo atento lembrou deste post, onde eu disse que a probabilidade disso acontecer tinha aumentado substancialmente. Desde então, soubemos que: 1) a maioria dos gregos prefere continuar no euro; 2) o próprio líder do Syriza escreveu no Financial Times, com todas as letras (chamei de "Carta ao Povo Grego"), que seu partido está comprometido em manter a Grécia na zona do euro (OK, acredita em político, trouxa...); 3) a Espanha conseguiu um bailout em termos mais favoráveis, o que deve levar a um afrouxamento nas condições impostas para Grécia e Irlanda. Sigo achando que a saída da Grécia do euro será uma decisão dos eleitores gregos, que, quando não estiverem mais dispostos a pagar o preço da austeridade, votarão em um candidato cuja principal bandeira será a volta a dracma. Achei que isso podia acontecer já este ano, pelo visto ainda teremos que esperar. Ruim com o euro, pior sem ele, parece ser a mensagem mais clara das urnas gregas.
Uma outra (boa) opinião (opiniões "boas" geralmente são as que concordam com o que pensamos): Satyajit Das no Wall Street Journal.
Uma outra (boa) opinião (opiniões "boas" geralmente são as que concordam com o que pensamos): Satyajit Das no Wall Street Journal.
Uma lista de livros sobre mercados, por Ed Seykota
Ed Seykota, o lendário trader e tocador de banjo escreveu o prefácio para o novo Hedge Fund Wizards, onde conta uma parábola sobre o mercado de trigo em um reino e recomenda uma curta lista de livros para entender como os mercados funcionam:
- Edwin Lefèvre, Reminiscences of a Stock Operator (na tradução, Reminiscências de um Especulador Financeiro);
- Gustav Le Bon, The Crowd (na tradução, Psicologia das Multidões);
- Charles Mackay, Extraordinary Delusions and the Madness of Crowds (na tradução, Ilusões Populares e a Loucura das Massas);
- Jack Schwager, Market Wizards series: Market Wizards (na tradução, Magos do Mercado), New Market Wizards, Stock Market Wizards, Hedge Fund Wizards (nenhum desses traduzido).
- Edwin Lefèvre, Reminiscences of a Stock Operator (na tradução, Reminiscências de um Especulador Financeiro);
- Gustav Le Bon, The Crowd (na tradução, Psicologia das Multidões);
- Charles Mackay, Extraordinary Delusions and the Madness of Crowds (na tradução, Ilusões Populares e a Loucura das Massas);
- Jack Schwager, Market Wizards series: Market Wizards (na tradução, Magos do Mercado), New Market Wizards, Stock Market Wizards, Hedge Fund Wizards (nenhum desses traduzido).
sábado, 16 de junho de 2012
Comecemos a nos preocupar
A China planeja construir o edifício mais alto do mundo (838m), em três meses, em Changsha, capital da província de Hunan (que, com 7 milhões de habitantes, não está entre as 30 maiores cidades do país - !!!). O porquê da preocupação? Veja no (ótimo) Humble Student of the Markets.
P.S. Poucos sabem que a versão correta desse gráfico é esta aqui.
P.S. Poucos sabem que a versão correta desse gráfico é esta aqui.
Marcadores:
Ásia,
bolhas,
China,
contrário,
mercado financeiro,
mercado imobiliário
sexta-feira, 15 de junho de 2012
Som da Sexta - Yemen Blues
Sonzeira fruto de um dos aspectos mais bacanas de Israel - o cosmopolita, claro.
Leituras da Semana
Elinor Ostrom, 1933-2012 |
- Por que o aluguel em Berlim é barato? (via Marginal Revolution)
- Boa discussão no Guardian sobre porque acreditamos em economistas.
- Três grandes economistas sobre o ajuste nominal na Letônia: Olivier Blanchard, Paul Krugman e Dani Rodrik.
- Brain drain: Thomas Sargent vai receber US$ 1.3 milhão por ano para se transferir da NYU para a Universidade Nacional de Seul.
- A poderosa dinastia de economistas criados no MIT. Rudiger Dornbusch é uma espécie de Vito Corleone da macroeconomia.
- Eliana Cardoso (que foi casada com Dornbusch) sobre Why Nations Fail e Jared Diamond.
- Bom relatório da SPX Capital sobre os juros no Brasil.
- Um novo prefácio de Barry Eichengreen e Brad DeLong para o livro de Charles Kindleberger sobre a Grande Depressão. Eichengreen sugere redução da jornada de trabalho como ajuda para o combate à crise.
- Porque a Alemanha deve assumir definitivamente o papel de liderança na Europa.
- A dinâmica do financiamento da dívida dos países europeus.
- Duas distopias: uma imaginada na vida real por Dani Rodrik, outra criada em 10 anos contínuos de um jogo de Civilization II.
- Bronte Capital sobre a cleptocracia chinesa.
- Na terça morreu Elinor Ostrom, a primeira (e única, até agora) mulher com um Nobel em economia. Mansueto Almeida e Peter Boettke comentam. O último texto dela foi sobre a Rio+20.
- Os problemas da meritocracia.
- Belo texto de Zadie Smith (quase um pleonasmo) sobre a importância de preservar espaços públicos, sobretudo bibliotecas.
- A burrice dos inteligentes, na New Yorker e The Economist.
- Paul Theroux indica cinco livros sobre viagens.
- Série bacana do Financial Times com atletas de todos os Jogos Olímpicos desde 1924.
- Herlander Coimbra, da seleção de basquete de Angola, que jogou contra o Dream Team em 1992: "To keep our hopes up, our coach told us that only Larry Bird and Michael Jordan were really, really good—that the other Dream Teamers were just okay."
Marcadores:
academia,
Brasil,
China,
comércio exterior,
commodities,
crise,
desenvolvimento,
Europa,
livros,
renda fixa,
Tony Judt
Libertários
Dilbert de hoje.
P.S. Para quem não acompanha, Elbonia é a república de bananas para onde a empresa de Dilbert terceiriza produção.
P.S. Para quem não acompanha, Elbonia é a república de bananas para onde a empresa de Dilbert terceiriza produção.
quinta-feira, 14 de junho de 2012
Indo pra prateleira...
Umas três ou quatro vezes por ano o carrinho da Amazon passa por aqui e faz a alegria deste ser antiquado que prefere papel às telas de tinta eletrônica ou cristal líquido. Desta vez, chegaram (fora os quadrinhos e romances pouco pertinentes):
- Central Banking in Theory and Practice, de Alan Blinder - vou começar a escrever em breve sobre bancos centrais para outro projeto, e para isso resolvi seguir a indicação de um chefe há uns cinco anos e me informar um pouco mais. Blinder foi um dos chefes dos conselheiros econômicos de Bill Clinton e braço direito de outro Alan, o Greenspan. Esse livrinho é produto das Robbins Lectures que Blinder proferiu na London School of Economics em 1996. Naquela época os EUA estavam quase zerando o déficit do orçamento, cresciam a 4% ao ano e, creio, a vida de banqueiro central era bem mais fácil. Vai ser interessante ver o que mudou nesses longos e esquisitos 16 anos.
- Financial Turmoil in Europe and the United States, de George Soros - coletânea de artigos curtos mais recente de Soros, que, ainda que às vezes repetitivo, segue como um dos observadores mais lúcidos e ilustrados da relação entre mercados financeiros e economia.
- Reinventing the Bazaar: a Natural History of Markets, de John McMillan - foi muito bem recomendado, agora não lembro por quem.
- The Mystery of Capital, de Hernando de Soto - um dos grandes livros sobre desenvolvimento que me falta ler. De Soto fez o famoso experimento tentando descobrir, nos anos 80, quanto tempo levaria para, pelos meios legais, abrir um novo negócio no Peru. Gastou 256 dias úteis para obter as 11 permissões necessárias, tendo que ceder e pagar propina para conseguir duas delas.
- The Element, de Ken Robinson - OK, parece meio auto-ajuda (e deve ser um pouco, mesmo), mas também foi bem recomendado.
- Hedge Fund Market Wizards, de Jack Schwager e The Alpha Masters, de Maneet Ahuja - ambos compilam entrevistas com gestores de hedge funds e devem ser de pouco ou nenhum interesse para quem não trabalha com isso. Eu acho útil, seja para aprender ou para observar as ilusões pelo acaso.
- What Money Can't Buy, de Michael J. Sandel - livro novo do filósofo político popstar de Harvard, antes ainda preciso ler o Justice. O Anatole Kaletsky disse que é naïve e superficial, veremos...
- Central Banking in Theory and Practice, de Alan Blinder - vou começar a escrever em breve sobre bancos centrais para outro projeto, e para isso resolvi seguir a indicação de um chefe há uns cinco anos e me informar um pouco mais. Blinder foi um dos chefes dos conselheiros econômicos de Bill Clinton e braço direito de outro Alan, o Greenspan. Esse livrinho é produto das Robbins Lectures que Blinder proferiu na London School of Economics em 1996. Naquela época os EUA estavam quase zerando o déficit do orçamento, cresciam a 4% ao ano e, creio, a vida de banqueiro central era bem mais fácil. Vai ser interessante ver o que mudou nesses longos e esquisitos 16 anos.
- Financial Turmoil in Europe and the United States, de George Soros - coletânea de artigos curtos mais recente de Soros, que, ainda que às vezes repetitivo, segue como um dos observadores mais lúcidos e ilustrados da relação entre mercados financeiros e economia.
- Reinventing the Bazaar: a Natural History of Markets, de John McMillan - foi muito bem recomendado, agora não lembro por quem.
- The Mystery of Capital, de Hernando de Soto - um dos grandes livros sobre desenvolvimento que me falta ler. De Soto fez o famoso experimento tentando descobrir, nos anos 80, quanto tempo levaria para, pelos meios legais, abrir um novo negócio no Peru. Gastou 256 dias úteis para obter as 11 permissões necessárias, tendo que ceder e pagar propina para conseguir duas delas.
- The Element, de Ken Robinson - OK, parece meio auto-ajuda (e deve ser um pouco, mesmo), mas também foi bem recomendado.
- Hedge Fund Market Wizards, de Jack Schwager e The Alpha Masters, de Maneet Ahuja - ambos compilam entrevistas com gestores de hedge funds e devem ser de pouco ou nenhum interesse para quem não trabalha com isso. Eu acho útil, seja para aprender ou para observar as ilusões pelo acaso.
- What Money Can't Buy, de Michael J. Sandel - livro novo do filósofo político popstar de Harvard, antes ainda preciso ler o Justice. O Anatole Kaletsky disse que é naïve e superficial, veremos...
Marcadores:
academia,
bancos centrais,
capitalismo,
crise,
desenvolvimento,
Fed,
fundos,
George Soros,
livros,
meta
quarta-feira, 13 de junho de 2012
Frases do dia - Inferno
"For nearby countries, Europe no longer shines as a beacon of democracy. The Arab Middle East takes a decisive turn towards authoritarian Islamic states. In Asia, economic strife between the US and China spills over into military conflict, with increasingly frequent naval clashes in the South China Sea threatening to erupt into a full-scale war.
Many years later, Merkel, who has withdrawn from politics and become a recluse, is asked whether she thinks that she should have done anything differently during the euro crisis. Unfortunately, her answer comes too late to change the course of history."
De um possível cenário apocalíptico desenhado por Dani Rodrik, no Project Syndicate. Vale a leitura.
Marcadores:
academia,
citações,
macroeconomia,
política,
zeitgeist
terça-feira, 12 de junho de 2012
Frases do Dia - sobre ações & goma de mascar
"I was asked yesterday whether the shares will cost 100 tenge ($0.68). Frankly speaking, we wouldn’t like to sell the shares of the national companies at 100 tenge each. We are calling the citizens to treat the shares responsibly and seriously. If they cost 100 tenge, it will be the same as buying a chewing gum or a candy. This means that the attitude to purchasing stock will be initially wrong."
A contribuição de Kuandyk Bishimbayev, vice presidente do fundo soberano do Cazaquistão (Samruk-Kazyna), para a teoria de finanças. O fundo começa em outubro o programa chamado de "IPO do Povo", que vai privatizar parcialmente várias das dezenas de empresas estatais do país. A primeira companhia a ter ações vendidas será a transportadora de petróleo KazTransOil, e em breve o público poderá ser sócio da maior mineradora de urânio e companhia com o nome mais invocado do mundo, a Kazatomprom (serviria bem também como onomatopeia para um tombaço).
Mais aqui. h/t: Ashby Monk.
A contribuição de Kuandyk Bishimbayev, vice presidente do fundo soberano do Cazaquistão (Samruk-Kazyna), para a teoria de finanças. O fundo começa em outubro o programa chamado de "IPO do Povo", que vai privatizar parcialmente várias das dezenas de empresas estatais do país. A primeira companhia a ter ações vendidas será a transportadora de petróleo KazTransOil, e em breve o público poderá ser sócio da maior mineradora de urânio e companhia com o nome mais invocado do mundo, a Kazatomprom (serviria bem também como onomatopeia para um tombaço).
Mais aqui. h/t: Ashby Monk.
Marcadores:
ações,
Ásia,
commodities,
finanças pessoais,
mercado financeiro
Gráfico do Dia dos Namorados
Porque, ainda que pareça improvável, economistas também amam.
Mais aqui - 14 Ways an Economist Says I Love You.
Mais aqui - 14 Ways an Economist Says I Love You.
Marcadores:
mercado financeiro,
piadas,
teoria econômica
São Paulo e Rio, ficando menos caras...
... ao menos para expatriados. Hoje saiu o ranking de custo de vida nas principais cidades do mundo, publicado pela Mercer. De acordo com o estudo, São Paulo é a 12ª mais cara (era 10ª no ano passado) e o Rio passou de 12ª em 2010 para 13ª este ano. Ambas seguem mais caras que, por exemplo, Oslo e Copenhague. No topo da tabela, Tóquio passou Luanda. Aí vai a pesquisa completa:
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Gráfico do dia - custo de crises bancárias (de novo)
Já tinha falado do assunto aqui e aqui. O gráfico abaixo é do J.P. Morgan (via Zero Hedge), e mostra que a conta da crise da Espanha ainda está relativamente baixa.
Clique para aumentar |
Marcadores:
bancos,
crise,
dados,
Europa,
macroeconomia
Frases do Dia - reciclando lucros
Do último Tony Judt, Thinking the Twentieth Century, que finalmente terminei de ler. O último capítulo tem uma das críticas mais inteligentes e pertinentes sobre o capitalismo atual que já li, durante a semana coloco alguns trechos aqui.
E seria bom se a reciclagem de lucros fosse só para atividades de apelo estético. Hoje em dia, vemos dinheiro de arrecadação pública sendo reciclado, para ficar em poucos exemplos, em:
- Companhias aéreas (que deveriam ser reconhecidas como bem público, ainda que moralmente isso seja muito difícil de ser defendido. Daí, creio, a preferência por um modelo que envolva o setor privado);
- Times de futebol, sempre gastando mais do que conseguem arrecadar e renegociando dívidas;
- Shows do Elton John pagos por banqueiros para seus amigos e convidados.
A lista pode ir longe. Agradeço ao Iconoclastas e ao André Poffo por uma discussão desse grande tema no twitter, devo voltar a ele no futuro.
Marcadores:
capitalismo,
citações,
HPE,
livros,
mundo corporativo,
política,
Tony Judt
sexta-feira, 8 de junho de 2012
Leituras da Semana - нехай почнеться гра!
- A Playboy americana mandou um repórter para o encontro da American Economic Association, em Denver. Ele voltou com algumas histórias interessantes e levantou uma boa discussão sobre o que separa ortodoxos e heterodoxos, além do tamanho das barbas.
- Falando em heterodoxia: Vladimir Safatle comenta uma nova coletânea de textos de Celso Furtado.
- O badalado discurso de George Soros no Festival de Economia de Trento, na Itália. Ezra Klein e Felix Salmon comentam. Só vi agora que Soros lançou, em fevereiro, um novo livro de ensaios sobre a crise nos EUA e Europa, já está encomendado. Trecho do discurso: "I am not well qualified to criticize the theory of rational expectations and the efficient market hypothesis because as a market participant I considered them so unrealistic that I never bothered to study them." Soros também no Project Syndicate, o conteúdo é praticamente o mesmo do discurso.
- Um ranking de bem-estar, como medido pela OECD.
- Achtung baby: porque a situação da Alemanha é mais perigosa do que se imagina.
- A história dos fluxos de capitais privados para o Brasil, em um gráfico.
- Boa matéria no Valor sobre fundos de trend following.
- Scott Sumner sobre regimes de câmbio fixo.
- Ariel Rubinstein indica cinco livros sobre teoria dos jogos.
- Mark Dow indica livros de finanças e economia comportamental, e fala sobre o modus operandi do FMI.
- Michael Lewis fala para os formandos de Princeton sobre o poder do acaso. The Epicurean Dealmaker comenta.
- O que Adam Smith sabia sobre desigualdade.
- Milton Friedman e uma receita para reviver a economia japonesa... em 1998. Daí vê-se que o monetarismo de mercado não é uma ideia lá muito original - nem pretende ser, creio (h/t Mark Dow).
- Uma ótima (ainda que meio tendenciosa) animação sobre a crise na Espanha, Españistán. É do ano passado, mas só vi há pouco.
- Uma história da família Safra.
- A economia de Seinfeld: dezenas de trechos do seriado exemplificando conceitos econômicos.
- Relatório bacana do banco italiano UniCredit sobre a Eurocopa, que começa hoje. Divertidíssimos os argumentos científicos e racionais do "client's corner". Tese a ser testada este ano: a Alemanha sempre ganha a edição seguinte a uma em que foi derrotada na final.
- A regra mais esdrúxula para definição de senha eletrônica da história.
- Pulp Fiction em ordem cronológica.
- Ver o Real Madrid perder de forma espetacular é sempre bom, não?
E este é o espírito da Irlanda para a Eurocopa, já ganhou minha torcida:
- Falando em heterodoxia: Vladimir Safatle comenta uma nova coletânea de textos de Celso Furtado.
- O badalado discurso de George Soros no Festival de Economia de Trento, na Itália. Ezra Klein e Felix Salmon comentam. Só vi agora que Soros lançou, em fevereiro, um novo livro de ensaios sobre a crise nos EUA e Europa, já está encomendado. Trecho do discurso: "I am not well qualified to criticize the theory of rational expectations and the efficient market hypothesis because as a market participant I considered them so unrealistic that I never bothered to study them." Soros também no Project Syndicate, o conteúdo é praticamente o mesmo do discurso.
- Um ranking de bem-estar, como medido pela OECD.
- Achtung baby: porque a situação da Alemanha é mais perigosa do que se imagina.
- A história dos fluxos de capitais privados para o Brasil, em um gráfico.
- Boa matéria no Valor sobre fundos de trend following.
- Scott Sumner sobre regimes de câmbio fixo.
- Ariel Rubinstein indica cinco livros sobre teoria dos jogos.
- Mark Dow indica livros de finanças e economia comportamental, e fala sobre o modus operandi do FMI.
- Michael Lewis fala para os formandos de Princeton sobre o poder do acaso. The Epicurean Dealmaker comenta.
- O que Adam Smith sabia sobre desigualdade.
- Milton Friedman e uma receita para reviver a economia japonesa... em 1998. Daí vê-se que o monetarismo de mercado não é uma ideia lá muito original - nem pretende ser, creio (h/t Mark Dow).
- Uma ótima (ainda que meio tendenciosa) animação sobre a crise na Espanha, Españistán. É do ano passado, mas só vi há pouco.
- Uma história da família Safra.
- A economia de Seinfeld: dezenas de trechos do seriado exemplificando conceitos econômicos.
- Relatório bacana do banco italiano UniCredit sobre a Eurocopa, que começa hoje. Divertidíssimos os argumentos científicos e racionais do "client's corner". Tese a ser testada este ano: a Alemanha sempre ganha a edição seguinte a uma em que foi derrotada na final.
- A regra mais esdrúxula para definição de senha eletrônica da história.
- Pulp Fiction em ordem cronológica.
- Ver o Real Madrid perder de forma espetacular é sempre bom, não?
E este é o espírito da Irlanda para a Eurocopa, já ganhou minha torcida:
Marcadores:
academia,
acaso,
câmbio,
crise,
dados,
desenvolvimento,
Europa,
futebol,
George Soros,
HPE,
liberalismo,
livros,
microeconomia,
teoria econômica
A moral do BNDES
Está na capa da Folha de hoje (e o Mansueto já havia adiantado ontem): o TCU estima que os custos do subsídio do Tesouro Nacional (ou seja, todos os brasileiros) para o BNDES nos últimos três anos atingiram R$ 28 bilhões. Nas contas do Mansueto, foram quase R$ 23 bilhões somente no ano passado.
Comparemos esse número com alguns orçamentos anuais de ministérios: Ciência, Tecnologia e Inovação: R$ 8 bilhões. Transportes: R$ 20 bilhões. Cultura: R$ 2 bilhões. Temos aí uma boa medida das prioridades do nosso "modelo de desenvolvimento". Claro que uma coisa não necessariamente exclui a outra: é possível (talvez até desejável) ter um banco de fomento e, ao mesmo tempo, investir em capital humano de longo prazo e infraestrutura. O erro, ao meu ver, está nas proporções e no direcionamento desse fomento. O triste fato de hoje é que gastamos mais criando "supercampeões" de abate bovino (e aí façam a conta do multiplicador desse tipo de investimentos, ou das externalidades positivas que gera) do que centros de pesquisa, para pegar um exemplo evidente. O fato de ser possível usar o argumento "mas só via BNDES é possível praticar algo de política fiscal anticíclica ou fazer investimentos de longo prazo, sem ele seria pior" é uma medida dos desafios estruturais e institucionais que o país precisa enfrentar para abandonar o padrão de voos de galinha e capitalismo de laços.
Comparemos esse número com alguns orçamentos anuais de ministérios: Ciência, Tecnologia e Inovação: R$ 8 bilhões. Transportes: R$ 20 bilhões. Cultura: R$ 2 bilhões. Temos aí uma boa medida das prioridades do nosso "modelo de desenvolvimento". Claro que uma coisa não necessariamente exclui a outra: é possível (talvez até desejável) ter um banco de fomento e, ao mesmo tempo, investir em capital humano de longo prazo e infraestrutura. O erro, ao meu ver, está nas proporções e no direcionamento desse fomento. O triste fato de hoje é que gastamos mais criando "supercampeões" de abate bovino (e aí façam a conta do multiplicador desse tipo de investimentos, ou das externalidades positivas que gera) do que centros de pesquisa, para pegar um exemplo evidente. O fato de ser possível usar o argumento "mas só via BNDES é possível praticar algo de política fiscal anticíclica ou fazer investimentos de longo prazo, sem ele seria pior" é uma medida dos desafios estruturais e institucionais que o país precisa enfrentar para abandonar o padrão de voos de galinha e capitalismo de laços.
Marcadores:
BNDES,
Brasil,
desenvolvimento,
política
quinta-feira, 7 de junho de 2012
Frases do Dia - Índice Big Mac, na prática
Le pregunto a un amigo cómo hace para saber el valor real del bolívar, si su cotización está atrapada entre el mercado negro y el espejismo estatal. "Muy fácil, panita", me contesta, "miro cuánto cuesta la hamburguesa de McDonalds. Lo que valga la hamburguesa, eso es lo que vale realmente el bolívar al dólar. Ahora, por ejemplo, anda por 4 y pico".
Das desventuras do escritor argentino Andrés Neuman em Caracas, no livro Cómo viajar sin ver.
Das desventuras do escritor argentino Andrés Neuman em Caracas, no livro Cómo viajar sin ver.
Marcadores:
América Latina,
câmbio,
citações,
livros,
preços
quarta-feira, 6 de junho de 2012
Gráficos do Dia - Ibovespa e um pequeno detalhe
Se em termos nominais, há tempos a Bovespa não vai a lugar nenhum...
... quando leva-se em conta o custo de oportunidade do dinheiro (CDI), a preços de agora só ganhou nos últimos dez anos quem teve o sangue frio de comprar no auge da crise (final de 2008 / início de 2009) ou em alguns momentos antes de junho de 2004.
Deve ter havido diversas maneiras de obter lucro com ações no Brasil nesse período; o buy-and-hold passivo definitivamente não foi uma delas.
... quando leva-se em conta o custo de oportunidade do dinheiro (CDI), a preços de agora só ganhou nos últimos dez anos quem teve o sangue frio de comprar no auge da crise (final de 2008 / início de 2009) ou em alguns momentos antes de junho de 2004.
Deve ter havido diversas maneiras de obter lucro com ações no Brasil nesse período; o buy-and-hold passivo definitivamente não foi uma delas.
Marcadores:
ações,
Brasil,
dados,
finanças pessoais,
mercado financeiro
terça-feira, 5 de junho de 2012
Gráfico do Dia - Goldman Sachs e os estudantes
Ontem saiu a pesquisa da CNN Money com os empregadores preferidos dos estudantes de MBA nos EUA. Desde 2007, o líder é o Google. Aqui, chamo a atenção para a posição da Goldman Sachs no ranking: este ano foi a mais baixa dos últimos sete anos. A teoria a ser testada é que a era dos grandes bancos de investimento nos EUA acabou, e emprego neles vai cada vez mais se parecer com o resto do mercado, tanto em termos de remuneração quanto de badalação. Esse seria um movimento de muitos anos, talvez o dado seja mais um sinal de que já começou:
Marcadores:
bancos,
dados,
mercado financeiro,
mundo corporativo,
zeitgeist
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Uma crônica argentina, 2001-2012
Não falta alguém? |
Nacionalizem o Messi! |
Nos anos seguintes, até 2009, devo ter voltado mais umas três vezes a Buenos Aires. A 2h30 de voo de São Paulo, a cidade era boa, bonita e barata, com o inconveniente de metade do sul / sudeste do Brasil ter chegado, ao mesmo tempo, à mesma conclusão. Nas ruas de compras, ouvia-se mais Português do que Castelhano, e havia fila para comer, a algo como R$ 50 por pessoa (vinho incluído), as fabulosas carnes do Cabaña Las Lilas. Eu, metido a intelectual, fazia a festa nas livrarias e lojas de discos: edição espetacular das obras completas de Shakespeare, no original, por dez dólares (evidentemente depois concluí que não conseguiria ler o Inglês do século XVII); inúmeros discos de Coltrane, Ornette Coleman, Paco de Lucia, Piazzolla e Charles Mingus por R$ 12; por pouco não comprei uma mala nova para enfiar uma coleção em capa dura com a obra completa de Freud em Espanhol, custava menos de 100 dólares. Na Santa Fe, a loja da Dior vendia ternos por US$ 250, com um bom desconto para pagamento em dinheiro. Era quase bom demais para ser verdade, e talvez fosse, mesmo.
Passei três anos sem voltar à capital argentina, baixando novamente por lá na última sexta-feira. Nesse tempo, o povo aproveitou a melhora de vida para voltar ao inconveniente hábito de consumir, e aí começou a entrar água no modelo kirchnerista. Em 2007, a inflação já havia subido a ponto do governo se incomodar e passar a manipular os índices oficiais. Estava aberta a Caixa de Pandora do intervencionismo. A situação econômica do país seguiu piorando, chamando por mais intervenção (difícil fechar a caixa) e populismo - havia uma eleição para ser ganha no final do ano passado, afinal de contas. Passada a votação, com dona Kirchner reeleita, veio a rasteira final no capital: a nacionalização da petrolífera YPF, no último 16 de abril.
A culpa é dos brasileiros, colombianos, espanhóis... |
O câmbio oficial, de fato, é uma piada. Está hoje em 4,47 pesos por dólar. Para quem tira dinheiro do país via blue chip swap, a taxa é quase 6 pesos por dólar, ágio de mais de 30%. Na sexta, o governo tentava, de forma patética, convencer as casas de câmbio a praticarem uma taxa de 5,10. Quem precisa viajar para fora do país não encontra dólares - a burocracia para comprar ao preço oficial inclui prestar contas dos gastos e, como contaram, eventualmente receber menos dólares do que o solicitado e uma recomendação para gastar menos. O Banco Central reporta US$ 47 bilhões em reservas, mas não está disposto a entregar os dólares para o mercado. O governo adota uma política mercantilista que tende ao escambo: importações devem ser acompanhadas de contrapartidas em exportações. Com isso consegue, por enquanto, uma conta corrente equilibrada, ao custo de escassez, preços mais altos, criação de uma ampla rede informal e deterioração geral do ambiente de negócios. Já podem começar as apostas para o agravamento da crise.
A esperança de desenvolvimento econômico vem sendo substituída por uma onda de nacionalismo - nunca tinha visto tantas referências as Malvinas, de grafites a seções inteiras nas livrarias; e encontra-se o logo da YPF estatizada até nos souvenirs das barracas da feira da Plaza Serrano, em Palermo. É a marcha da insensatez, mais uma vez atingindo uma das sociedades do mundo que mais tenta se conhecer. Não sei se aí há um paradoxo, ou se o peronismo-kirchnerismo, como a psicanálise, são partes inseparáveis do que conhecemos como psique do país. Gente muito mais qualificada do que eu já procurou esse tipo de resposta, até onde sei, sem conclusões definitivas. A vida é absurda, só um pouco mais na Argentina, e aí está grande parte da fascinação que o país exerce em quem o observa.
Para sair das conclusões sociológicas rasteiras e voltar um pouco à economia: parte do "desenvolvimentismo" brasileiro adora citar o "exemplo de sucesso do modelo argentino", sempre mencionando as altas taxas de crescimento do PIB nos últimos anos (ignorando, claro, o que está ruim ou o tamanho do buraco em que o país havia se metido antes da recuperação). Um outro tipo de "desenvolvimentista", com mais apego a dados e à realidade, olhando para a situação atual do país provavelmente chegaria a uma conclusão menos animadora. No seu excelente The Elusive Quest for Growth, William Easterly não consegue chegar a nenhuma receita mágica para o enriquecimento dos países, mas dedica um capítulo inteiro a ações induzidas por governos que foram capazes, ao longo da história, de enterrar o crescimento. São elas: inflação alta, altos ágios no mercado paralelo de câmbio, altos déficits de orçamento, juros reais fortemente negativos, restrições ao livre comércio, burocracia excessiva e serviços públicos inadequados*. Quase tudo presente na Argentina de hoje, que, mais uma vez, tenta desafiar alguns equivalentes econômicos às leis da física. Resta desejar sorte, ou dias melhores - this too shall pass.
As fotos que ilustram o post foram todas tiradas no último final de semana, em Buenos Aires.
* Sobre os determinantes do crescimento, Easterly cita:
Robert J. Barro, 1996.
"Determinants of Economic Growth: A Cross-Country Empirical Study,"
NBER Working Papers 5698, National Bureau of Economic Research, Inc.
Sobre a associação entre prêmio no mercado paralelo de câmbio e aumento na desigualdade:
Kevin Sylwester, 2003.
"Changes in income inequality and the black market premium,"
Applied Economics, Taylor and Francis Journals, vol. 35(4), pages 403-413.
Sobre o câmbio paralelo na Argentina, mais na The Economist e no Foro Económico.
Assinar:
Postagens (Atom)