quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Pensando alto sobre mercados

(leitores com interesses menos mundanos podem aproveitar o tempo que gastariam lendo este texto aqui)

- Parece claro, pelo menos desde a reação dos mercados aos últimos dados do mercado de trabalho americano, que os preços estão sendo guiados pela expectativa de que o Fed pise ainda mais no acelerador na impressão de dinheiro (QE2, para os íntimos).

- No cenário bom para o Fed, mais dólares no mercado conseguiriam segurar os preços nominais enquanto a economia se recupera (se vai se recuperar ou não é outra história). No cenário dos sonhos, a inflação aceleraria um pouco, afastaria o medo de deflação, sustentaria os preços de ações e destruiria parte da poupança aplicada em títulos do governo. Nesse cenário seria esperada uma alta nas taxas de juros de médio / longo prazo. Em ambos os casos o dólar se enfraqueceria, com o aumento da oferta de moeda e juros curtos ainda muito baixos.

- Esse cenário parecia estar sendo corroborado pelos mercados, com o inconveniente de que tanto os juros quanto as expectativas de inflação seguiam muito baixos. Ou seja, havia uma divergência entre os mercados "de risco" e o de títulos: commodities e ações subindo indicariam uma certa inflação (ou pelo menos sucesso temporário na política do Fed de sustentar preços); juros longos baixos podem ser traduzidos por investidores dispostos a aceitar taxas de retorno baixas por muito tempo, sem preocupação com inflação, em busca de alguma segurança. Os recordes no preço do ouro pareciam também concordar com essa visão.

- Teorias à parte, olhemos alguns dados. A impressão de que o Fed estaria disposto a imprimir mais dinheiro teve início em 22 de agosto, no simpósio econômico de Jackson Hole. Desde então, as expectativas de inflação (medidas pela diferença entre o rendmento dos títulos nominais de dez anos e dos títulos indexados para o mesmo prazo) pulou de 1,55% ao ano para 2,17% e o índice S&P 500 subiu 12%. O dólar (DXY) caiu 6,15%. Até aí, sucesso. A divergência incômoda é que os juros das Treasuries de 10 anos seguiram caindo, pelo menos até o último dia 7, quando fizeram a mínima do ano (a 2,38%).Num mundo "normal", valeria o que eu disse acima: juros baixos são sinal de aversão a risco. O paradigma a ser testado é que o Fed de mr. Bernanke conseguiu criar o maravilhoso mundo onde todos os preços de ativos sobem.

- A tese do Maravilhoso Mundo de Bernanke precisa que entre tanto dinheiro no mercado a ponto de haver comprador marginal para todas as classes de ativos, com pouquíssima diferenciação entre taxas de retorno esperadas. Ou pelo menos que o mercado acredite nisso. O problema é que, no caso dos títulos, isso só vale enquanto a inflação não suba e destrua a taxa de retorno fixa. É acreditar que Deus não só não joga dados como está de muito bom humor e trabalha na Constitution Avenue com a rua 20, em Washington, DC.

- Nos últimos dias vimos: i) os mercados de "risco" (bolsas e commodities) caindo, ii) os juros das treasuries subindo, iii) a inflação esperada subindo, iv) o dólar se fortalecendo. Um possível cenário que justificaria esse comportamento é a inflação subindo -- o contraponto é que os juros curtos subiram relativamente pouco. Outra possibilidade é que estamos perto do limite do que os ativos conseguem se apreciar com dinheiro fácil -- de fato, é de se imaginar que o segundo bilhão de estímulo tenha efeito menor do que o primeiro bilhão, e assim por diante. Uma terceira explicação, mais cínica, é que o mercado está tentando empurrar o Fed para um corner cuja saída seria anunciar (na próxima reunião de política monetária, no início da semana que vem) um volume obsceno para o QE2 -- há duas semanas já se falava em algo entre US$ 500 bilhões e 1 trilhão de recompra de títulos, o volume que satisfaria o mercado seria ainda maior.

- A questão que fica é: o que acontecerá quando o Fed falhar na tarefa de manipular os mercados (manter juros baixos e preços de ativos relativamente altos)? Teoricamente não há limites para quanto dinheiro ele pode imprimir, desde que o risco de inflação esteja afastado (estará, para alguns, enquanto o mercado de trabalho permanecer anêmico). Na prática, a economia americana está desesperada por estímulo, e toda a pressão da sociedade e dos políticos parece ser na direção de alguma ação. O Fed não depende do Congresso para agir, e tem sido o instrumento escolhido para fazer todo o trabalho sujo. Resta saber até onde vai a desonestidade intelectual de Bernanke ao seguir fazendo algo que parece no mínimo ineficiente no curto prazo e de potencial destrutivo no futuro. Ou, para não personalizar a questão, quão doente está a maior economia do mundo para ter como única fonte visível de recuperação a ilusão de que dinheiro barato e ridiculamente mal distribuído pode resolver problemas.

P.S. Em homenagem ao mestre Jason Vieira: hoje apareceu uma marca nova de papel sulfite aqui no escritório. Made in Finland. Sim, estamos importando papel da Finlândia. E, conhecendo a turma de compras, deve estar mais barato que o velho e bom Report (da Suzano).

P.P.S. Hoje o Banco Bonsucesso (eu também não conhecia, até semana passada) captou US$ 125 milhões no mercado internacional, pagando juros em dólar de 9,5% ao ano (por dez anos).

P.P.P.S. No dia do aniversário de 65 anos do Nosso Guia (hoje), aparece a história (ainda a ser confirmada) de que o Brasil anunciará em breve a descoberta do segundo maior poço de petróleo do mundo. Como disse um sábio: "50% of life is luck, the other 50 is mazel".

6 comentários:

PH disse...

Kra, vc é economista de formação certo?
Oq vc acha do exame da Anpec? Acha q é válido só pra quem pensa em seguir carreira academica?

Drunkeynesian disse...

Sou, sim, mas não fiz mestrado.

Críticas à parte ao que você vai aprender no mestrado, depende muito do que você quer fazer na carreira. Para trabalhar com trading / portfolio management acho que faz pouca diferença, melhor gastar os dois anos adquirindo experiência no trabalho e entendendo como os mercados funcionam na prática. Para trabalhar com pesquisa econômica, seja em banco, fundo ou empresa, é bastante útil, esse mercado é mais ligado ao mainstream e faz diferença, em prestígio e no bolso, ter um título de uma universidade boa no currículo.

Anônimo disse...

Quem é o Nosso Guia aniversariante?

MG

Drunkeynesian disse...

Luiz Inácio da Silva, nada menos.

Anônimo disse...

A puxada de petr foi então um presente de aniversário dos súditos do rei?!

Drunkeynesian disse...

Hahahahaha... é uma leitura... mas tenho certeza que os súditos que puxaram não estão no ramo de dar presentes puramente por generosidade.