sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Peso-real, a panacéia

Desde que parei de ler o Stephen Kanitz (me perdoem... eu era jovem e inconsequente) eu não via uma solução tão mágica e simples para nossas mazelas. Doutor Paulo Guedes, na Época desta semana, defende fervorosamente a implementação de uma moeda única para a América Latina, o peso-real. Nas palavras dele:

"Para tornar possível a realização de nossa riqueza potencial, a classe política brasileira precisa também ser salva de si mesma. A chave para as reformas é a moeda continental, com horizonte de oito a dez anos para sua implantação. As reformas tributária, trabalhista e previdenciária, gradualmente implantadas em direção às melhores práticas, permitiriam extraordinário desempenho da economia brasileira pelo aumento de sua eficiência interna e da sua competitividade externa. Uma poderosa alavanca de nossa importância geopolítica."

É mesmo? Doutor Paulo (PhD pela Universidade de Chicago, diga-se de passagem) consegue, ao mesmo tempo, violentar a teoria e a prática: na teoria, moedas únicas podem ser implementadas em regiões que se aproximam de uma zona monetária ótima, com as seguintes características (definidas pelo Nobel de economia em 1999 Robert Mundell): mobilidade de mão-de-obra, mobilidade de capital, flexibilidade de preços e salários, alguma unidade fiscal e economias com ciclos parecidos. Difícil acreditar que nosso continente cumpre qualquer um desses requisitos -- imaginemos a Argentina aceitando o fluxo de imigrantes bolivianos, o Indec afinando os métodos de medir a inflação com o IBGE, um banco central tentando chegar em juros aplicáveis ao Brasil e ao Chile, e por aí vai. Na prática, olhando para o que tem acontecido com a zona do euro (que também está longe de ser uma zona monetária ótima), implantar uma moeda única está longe de se provar um benefício inequívoco para as economias envolvidas: deixou alguns países aparentemente mais ricos (ao custo de um câmbio ultravalorizado, endividamento e baixa competitividade) e os que já eram ricos tendo que sustentar um setor bancário que está abraçado a essas dívidas. Incentivo às reformas citadas, creio, houve pouco, os países seguem cada um com seus problemas estruturais.

Felizmente parece ser difícil enxergar um meio dessa ideia se concretizar por aqui, já que em todo o tempo de Mercosul sequer um mercado comum funcional conseguiu ser estabelecido. Pior para o doutor Guedes, que vai ter que se esforçar para encontrar soluções mágicas para suas próximas colunas (poderia pedir umas dicas para o Kanitz).

P.S. A América Latina está mesmo na moda -- vide a capa da última The Economist, aí do lado.

8 comentários:

Danilo Balu disse...

Uma pergunta: lá na Europa, sabendo-se que alguns desses problemas em menor escala já sabidos, o imenso fluxo de pessoas, monetário e de turistas "tributados" obviamente pela incessante conversão entre países do tamanho de meio Uruguai não compensavam de longe a espera de realizar todos os acertos teóricos que vc citou??

Dia desses vi um mané dizendo na TV Senado que a unificação aqui na AL não é interessante porque a Europa é um exemplo de que NÃO daria certo....

Abrax

Aline Mariane disse...

ué, a The Economist aqui tem outra capa... mas tem essa matéria. Viva o marketing editorial! hehe

Drunkeynesian disse...

Acho que o pior aspecto da história da Europa é ter feito os países abrirem mão das respectivas moedas, trocando por uma moeda única que ninguém sabe bem a quem atende. Creio que muita coisa deu certo com a integração da Europa, mas imagino que seria ainda melhor se os países pudessem escolher qual política monetária seguir e evitar acumular desequilíbrios que poderiam ser resolvidos com o câmbio.

Danilo Balu disse...

Mas vc acha que a Europa hj poderia ser melhor se o Euro não tivesse sido adotado???

Drunkeynesian disse...

Não sei dizer... pra geração que é adulta agora, imagino que esteja bem melhor do que antes do euro (se é por conta do euro é mais difícil determinar), não sei o que vai ficar de legado pro futuro.

Eu tive uma longa discussão com o meu chefe sobre isso, ele acha que a prosperidade é mais fácil quando se é irresponsável (gastando antes e vendo o que faz com a dívida depois), e que esse negócio de pensar demais no futuro é uma herança judaico-cristã que tem pouca correspondência na realidade. Talvez ele tenha razão e esse ganho de prosperidade "imerecida" (por conta de câmbio valorizado e transferências) que alguns países tiveram não seja revertido no futuro, eu tenho mais dúvidas. Essa discussão é boa.

Danilo Balu disse...

Mto bom!

"se é por conta do euro é mais difícil determinar"

Mas não seria TB por conta do Euro? Seja como profissional do ramo ou turista, não fica tudo mais simples qdo há apenas 1 moeda? Nem contesto outras particularidades/regras, falo mesmo apenas da moeda.... tamanha movimentação tendo mais um intermédio??

Drunkeynesian disse...

A pergunta a ser respondida, imagino, é: se tudo fosse feito na União Européia menos a mudança de moeda, as pessoas viajariam / fariam menos comércio só para não ter que pensar no câmbio? De fato a moeda única simplifica, mas não sei se é decisiva. Acho que ainda vai levar um bom tempo até alguém aparecer com uma resposta definitiva, o processo ainda é muito recente.

Danilo Balu disse...

Aí vc falou.... é como se dividisse ou se separasse a moeda e todos os outros ajustes... mas a discussão mtas vezes é rasa, como se a situação européia hj pudesse ser analisada somente pelo Euro que foi somente UMA das MTAS mudanças...