quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Frases do Dia - Uma Distopia Carioca

Ilustração: Pedro de Kastro
Naqueles primeiros anos da década de dez, a cidade começava a se perder de vez para alguns de seus velhos moradores. Quem não tinha como pagar pelo Novo Rio era varrido aos subúrbios escuros e calorentos que seguiam crescendo viroticamente ao longo das sucateadas linhas de trem nos bairros fora do cinturão olímpico. O preço dos imóveis dentro do pequeno colar de pérolas delimitado pelo mar e pelo Maciço da Tijuca passou a ser regulado pelo mercado internacional, em desproporção com o poder real de compra de seus habitantes: em 2013, o aluguel de um conjugado de trinta metros quadrados em um prédio superpopuloso nos tenebrosos corredores de concreto de Copacabana era igual ao de um apartamento similar em Paris ou Nova York e o dobro de outro em Berlim ou Lisboa. 
Em pouco mais de três anos entre a primeira e a segunda década do século XXI, o mesmo processo econômico que fez os preços dos imóveis se multiplicarem por dois ou quatro transformou o real na moeda mais sobrevalorizada do mundo. Nesses tempos, o consultor financeiro de Tomás Anselmo lhe telefonava girando o dedo num copo de uísque com soda e muito gelo às cinco da tarde para dizer coisas como "Olha, meu caro, eu vou jogar todo o investimento no DI e a rentabilidade colocamos naquele fundinho de ações, eu tenho conversado com o pessoal do Factual e eles têm sido obscuros sobre o mercado, então é papo de proteger o seu principal e só tirar a rentabilidade de um fundo de renda fixa". 
Menos informados, nativos de todas as idades arregaçavam as gengivas para repetir orgulhosos as manchetes do New York Times e do Guardian sobre o crescimento e o aumento do custo de vida no país - sem desconfiar ou esquecendo propositalmente que a abundância de dinheiro era a mesma que financiava empréstimos de risco, os negócios de célebres megapicaretas e que drenava a competitividade da indústria. Quando a Economist publicou em novembro de 2009, pouco depois que o Arcanjo Gabriel anunciou a Profecia Olímpica, que o Brasil em algum momento da década "posterior a 2014" seria a quinta economia do mundo, superando o Reino Unido e a França, que o único risco do Brasil, dali em diante, seria o orgulho excessivo, que o Brasil, ao contrário da Índia, não tinha conflitos étnicos e insurgentes, que o Brasil, ao contrário da China, era uma democracia, e, ainda, que o Brasil, ao contrário da Rússia, exporta mais que petróleo e armas, acreditou-se que o futuro do pretérito havia chegado. 
Anos depois, Tomás Anselmo diria com os olhos embotados: - A edição da Economist com o Cristo Redentor decolando na capa foi o início da nossa derrocada. Eles penduraram essa revista nas paredes dos escritórios da cidade inteira, como um quadro num altar. A maioria nunca leu o especial de vinte páginas sobre o futuro mágico do Brasil, mas tinha aquilo enquadrado. Que semanas! Que meses! Havia manhãs naquele tempo! Aceitaram aquela matéria como uma teofania, como se tivesse sido escrita não por um grupo de jornalistas gringos, com tentáculos ligados aos fundos de investimento do próprio Belzebu, mas por um apóstolo em êxtase transcrevendo a voz de trombeta de Deus lhe narrando o paraíso e mandando que enviasse o texto às sete igrejas da Ásia. Acreditamos naquele momento que estávamos condenados à prosperidade - e infelizmente esse não foi o nosso último ato ingênuo. Antes a Economist houvesse reproduzido em suas páginas sobre o Brasil o apocalipse de São João, já que agora as coisas antigas desapareceram e tanta gente enxuga dos olhos toda lágrima, disso não há dúvida.

De Antes da Queda, capítulo de romance que está sendo escrito por J.P. Cuenca e está na edição da Granta dedicada aos jovens escritores brasileiros.

18 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom.

Leonardo

Anônimo disse...

Está na integra no livro do link?
Leonardo.

Drunkeynesian disse...

O capítulo, sim, mas não é muito maior que esse trecho.

Anônimo disse...

Agora ja comprei haha... parece ser bom o livro.

Anônimo disse...

Bom eihn

Anônimo disse...

DK,

Gostaria de lhe colocar uma questão sobre China, Vale e etc.

Você leu o texto de Stephen Roach sobre a China (China is okaY)?

Tendo a acreditar no texto. Acho que, embora a China esteja com sobra de capitais investidos sob a forma de construções, no longo prazo tudo isso seria absorvido pelos 500 milhões de chineses que vem por aí.

Além da China, outro bilhão e meio de asiáticos precisam de infra estrutura.

Isso tudo não coloca as commodities em um outro patamar relativamente ao mundo pré-Ásia (ainda que não o ponto máximo que possamos ter atingido)?

A Ásia veio pra ficar ou não?

Abraços

Delfm Bisnetto disse...

Cuenca tinha publicado um romance quase ilegível chamado "Corpo Presente"... Melhorou muito!

Delfim Bisnetto disse...

Em tempo, antes de ver os créditos, achei que o DK estava se aventurando no cronismo...

Drunkeynesian disse...

Li o texto do Roach. Eu não duvido de toda a história de anos e anos de necessidade de investimento em infraestrutura, a grande questão é quanto disso já estava embutido nos preços. Pra pegar o caso do minério de ferro: a maioria dos analistas fazia projeção de preço com base em premissas de crescimento mais altas do que provavelmente vai se realizar. É natural que pelo menos aconteça esse ajuste nos preços. Outra questão é que muita gente dá esse processo de desenvolvimento como contínuo e pouco sujeito à interrupções, isso é bem pouco provável.

Conheço muito pouco de Ásia; imagino que, ao longo do tempo, vão haver histórias de sucesso e fracasso. Acho o modelo da China único, pro bem e pro mal, não necessariamente o destino de todo o resto do continente será o mesmo.

Drunkeynesian disse...

Hahahaha, grande elogio, mas está longe o dia em que eu vou conseguir escrever assim.

Anônimo disse...

Obrigado pelos comentários. Você vem acertando! Abraços

Anônimo disse...

Texto muito bom para um dia que anunciam o IGP-M (reajuste de alugueis). Acelerou e já bate 6% no acumulado. Não vejo nenhum preço desacelerando hehe...imóveis em SP e Rio vão explodir. Se é "bolha" eu não sei, mas eu tenho certeza que será. Vai subir até explodir.

Delfim Bisnetto disse...

"imóveis em SP e Rio vão explodir"

Anon, por quê vc acha isso?

Anônimo disse...

O Blog me ensina de maneira divertida os mistérios da economia, grato. Como leigo, confesso que não consigo entender como as pessoas, inclusive as muito pobres, acham o máximo empatar mais de 30 anos com prestações de imóveis bastante ruins, que nem de longe lembram aqueles que os americanos costumam comprar. Vejo pessoas de classe média se achando nababos porque de um ano para outro sua casa passou a valer horrores. Me parece uma versão daquela anedota do engraxate dando dicas de ações.

Dawran Numida disse...

Essa do Cristo Redentor levantando voo, realmente foi de alegrar o coração de quem pode ser até sincero em crer que tudo anda às mil maravilhas.
Há um outro comercial institucional, no qual as montanhas cariocas se levantam com a silhueta de um gigante, antes adormecido, acordando. Não sei por que, mas, este último lembrou dos ufanistas anos 70.
E também um contraponto ao discurso de 2003/2010, no qual o Brasil seria um líder Brics, na política externa resolveria a crise atômica com o Irã, seria o líder da AS e da AL, mesmo tendo-se trumbicado em Honduras.
E ainda resolveria o problema da fome na África...
Deve ter sido muito para as cabeças pensantes. Tanto que a maior liderança desse sonho, agora quer eleger prefeitos pelo Brasil todo, começando por São Paulo, Capital.
Os jovens escritores brasileiros terão um enorme trabalho pela frente.

Anônimo disse...

Fazendo uma breve comparação, sem maiores compromissos, há uma certa percepção, de que a atual mandatária está tateando em marcar sua gestão e tentar a reeleição, afastando-se gradativamente do então antecessor e mentor.
Pode ser coincidência, mas os cerca de 9 ministros e assessores de alto nível que foram afastados em seu governo, eram, na maioria penduricalhos do governante anterior.
Embora a mandatária atual esteja com os pés e as mãos em medidas que não dão certo, pois, a economia não decola já pelo segundo ano consecutivo, aparenta estar, politicamente, querendo marcar a sua própria gestão não como mera continuidade da anterior.
Nas entrelinhas, embora a atual presidente tenha sido uma das executivas principais do governo anterior, parece estar tentando rever o "modelo", porém, ainda sem sucesso.
Contudo, há a indicar sinais de que tentará a reeleição, marcando seu território em relação ao seu suposto mentor.
Um sinal pode ser a ausência dela, ao menos até agora, nas rusgas eleitorais deste ano, notadamente em São Paulo.
A ver, porém.

Anônimo disse...

Meu pai mora em uma rua com metro quadrado que já está em 12mil reais. Deixei meu carro estacionado em frente ao predio, quando volto vejo o vidro lateral quebrado e o som roubado.

JV disse...

Sala comecial que 3 meses atrás foi oferecida a 5 mil o m2, agora é oferecida a 18 mil.....mas ninguem compra. Isso v.d.m.