Galvão Bueno
Em algum momento nos últimos meses, o que chamamos de "mercado" tornou-se convencido que, entre as grandes economias da América Latina, bom mesmo é investir no México. Alguns exemplos:
- Is Mexico the new Brazil, no Financial Times
- Mexico Ousts Brazil As Investors' Top Choice In Latin America
- Why Investors Love Mexico
- Sorry Brazil, Investors Prefer Mexico
- Sorry Brazil, Mexico Is Better
- Can Mexico Overtake Brazil By 2022?
- Economia mexicana pode passar Brasil em 10 anos
- Brazil or Mexico?
Algumas dessas análises fazem sentido, outras não escapam da categoria de modismos passageiros. Compilei alguns dados para dar um contexto melhor para a história e ver se aparece alguma conclusão. Como bons dados, alguns confirmam supostas "obviedades", outros as desmentem. Aí vão:
1. Nos últimos 30 anos, histórias de crescimento de Brasil e México são parecidas - e não muito brilhantes
Separei em períodos arbitrários a história de crescimento dos dois países e do mundo nos últimos 30 anos: de 1981 até o fim da inflação alta no Brasil, em 1993; de 1994 até o início do ciclo de alta de commodities e de lá até o ano passado. O Brasil só cresceu mais que o México neste último período. Na média de longo prazo, os crescimentos são muito parecidos - e mais fracos do que o crescimento mundial:
Em termos per capita, nenhum dos dois países conseguiu fazer um catch-up consistente com os EUA, ainda que o México (em PPP) seja mais rico e esteja mais perto do seu melhor momento nos últimos 30 anos:
2. Ciclos de crescimento de Brasil e México tem sido muito distintos
Pelo gráfico abaixo, dá para perceber certa alternância nos períodos em que os dois países andam melhor ou pior do que o mundo. Não sei bem porque: talvez o ciclo aqui seja mais atrasado com relação aos EUA, ou talvez, grosso modo, o que ajuda a economia brasileira (commodities em alta?) atrapalha a mexicana. Se essa relação se mantiver e de fato estivermos perto do esgotamento do "modelo" de crescimento brasileiro dos últimos anos, o relativo deve ser mesmo favorável ao México:
3. Se EUA vão bem, México vai bem
A partir da implementação do NAFTA, em 1994, o México escolheu, no que diz respeito à economia, ser uma espécie de 51º estado dos EUA. A importância do comércio exterior para o PIB mexicano cresceu muito (enquanto o Brasil só viu algum aumento com o boom de commodities), sendo que hoje entre 80% e 90% das exportações são destinadas aos EUA. Para investidores de mercados emergentes, investir no México é a maneira de comprar a recuperação dos EUA com relação ao resto do mundo desenvolvido, o que, neste momento e antes de olhar para preços, faz todo sentido.
4. Composição das exportações dos dois países
Do fabuloso Atlas de Complexidade Econômica, dados de 2009, ajudam a esclarecer os itens anteriores:
México |
Brasil |
4. No relativo, México foi ficando muito, muito barato
Já tinha mostrado aqui um estudo do UBS que apontava para isso. Abaixo a evolução do câmbio real dos dois países nos últimos 10 anos:
5. Bolsas contam histórias muito diferentes...
Entre 2002 e meados de 2010, havia uma correlação muito alta entre os principais índices de ações do Brasil (Ibovespa) e México (IPC). Desde então, o Ibovespa tem patinado e o IPC seguiu fazendo novas máximas. Como boa parte do mercado se guia por performance passada, esse deve ser um dos fatores mais importantes para explicar o modismo atual:
6. ... refletindo as grandes diferenças em suas composições
Quem compra Ibovespa compra commodities, bancos e um pouco de consumo doméstico; no México, o peso de consumo é maior e há o "privilégio" de ser sócio de Carlos Slim na America Movil.
7. Investimento estrangeiro no Brasil vem de excessos
O volume de investimento estrangeiro direto que entrou no Brasil nos últimos três anos foi muitas vezes maior do que no México. Parte disso deve ser investimento em portifólio disfarçado para não pagar imposto; mesmo levando isso em conta, creio que boa parte desse dinheiro teve retornos bem menores do que o esperado pelos investidores - pelo movimento do câmbio ou pela dificuldade de gerar lucros no país.
8. Economia do México maior que a do Brasil?
No ano passado, em dólares correntes, o PIB per capita do Brasil fechou perto de US$ 12.600, contra US$ 10.070 do México. Ajustando apenas pelos movimentos do câmbio neste ano (muito maiores do que as eventuais diferenças de crescimento de PIB e população), essa diferença deve cair de 25% para perto de 9% a favor do Brasil - historicamente é de 14% a favor do México, mas vamos aceitar que os 10 anos de bonança de commodities geraram algum benefício mais duradouro por aqui.
Em 2020 o United States Census Bureau projeta a população do Brasil em 211,7 milhões e a do México em 124,7 milhões - Brasil quase 70% mais populoso. Para a economia do México ser maior que a Brasileira, seu PIB per capita em dólares tem que crescer, no período, 85% a mais do que o do Brasil, ou 8% por ano. Pelo crescimento, não vai acontecer. Pelo câmbio, só se ocorrer algum alinhamento de astros que faça com que o real fique muito desvalorizado com relação ao peso - não seria inédito (ocorreu entre 2001 e 2004), mas improvável que seja sustentável: se há algo em comum nos dois países é a baixa eficiência recente de suas políticas de desenvolvimento (quando existem).
9. Futebol
Em partidas das seleções principais, o Brasil jogou 37 vezes com o México, ganhou 21, empatou 6 e perdeu as demais.Ocorre que, em cinco finais disputadas, o Brasil perdeu todas (Copa Ouro 1996 e 2003, Copa das Confederações 1999, Mundial Sub-17 2005 e Olimpíadas 2012). Podendo, melhor evitar.
10. Conclusões
Há várias maneiras de interpretar o atual modismo, e provavelmente todas elas se completam:
- A mídia só agora se deu conta de algo que o preço das ações vem mostrando desde 2010: as companhias mexicanas estão melhor no concurso de beleza do mercado. Isso pode ser sinal de que o movimento está perto do fim (ou de uma pausa) - ver as regras de Bob Farrell # 1, 2, 5 e 9.
- Parte do mercado vive de vender em histórias. Por um bom tempo, a história mais vendável era a dos BRICs, da qual o México ficou de fora. Agora, parecendo menos plausível que a China e a Índia vão continuar crescendo a taxas altas sem interrupção e puxando para cima preços de commodities, há a necessidade de criar novos casos de sucesso. O do México é de fato interessante: a essa altura parece melhor apostar em temas ligados a uma recuperação dos EUA do que à manutenção do crescimento da China. Para ações porém, os preços não são evidentemente baratos, e embutem a certa euforia das manchetes que citei no começo do post.
- Os dois países estão longe de serem casos de crescimento acelerado, e assim devem continuar - são duas economias tentando fugir da "armadilha da renda média", com grandes dificuldades de promover reformas estruturais e investir.
- Em dólares, o Brasil segue relativamente caro - mesmo com o movimento de 15% neste ano no câmbio reais x peso mexicano, os excessos da última década ainda estão longe de serem corrigidos. Para investimentos, isso, na minha opinião, é mais importante que qualquer consideração que se faça sobre perspectivas de crescimento futuro (sem levar em conta características específicas de setores ou empresas).
- Testei um monte de conclusões-clichê para esse post, não gostei de nenhuma. Fiquem com uma frase interessante que li hoje na entrevista de Martin Taylor, do Nevsky Fund, para o Hedge Fund Market Wizards:
"In an emerging market, the smart money is domestic, not international."
Não sei o que os mexicanos andam fazendo com o dinheiro, mas siga eles.
8 comentários:
Muito bom o post, apesar de as conclusões não mostrarem uma "vitória" clara de nenhum dos países.
Só uma pergunta, qual foi a fonte para o PIB PPP? Desde o último censo brasileiro tenho tido uma cautela com essa estatística, por que as estimativas dos órgãos internacionais todos era de que em 2010 o Brasil já teria passado os 200 milhões de habitantes, mas contamos apenas 190. Esses 10 milhões a menos fazem diferença em como olhamos para o crescimento da última década.
Acho que não tem "vencedores", mesmo - eu particularmente não sou animado com nenhuma das duas histórias.
Os dados macro são todos do Banco Mundial.
que disposição...
grato,
voce pode ter uma empresa com o melhor produto...mas, se nao tiver um bom menegement uma hora o trem sai do trilho. soma-se a isso uma queda nos preçoa do seu produto e pronto. temos o Brasil hoje. O "mercado" pode estar exagereando um pouco o sucesso do mexico, assim como exagerou o do Brasil mas em termos politicos acho que ele esta certo. De qualquer forma, a manada (jornalistas incluso)nao ve os detalhes,tem preguuiça de pensar. prefere seguir as modas.
Caro
"Acho que não tem "vencedores", mesmo - eu particularmente não sou animado com nenhuma das duas histórias."
Você e Mônica de Bolle.
Hoje no blog dela um post a respeito. Sou suspeito para comparar um e outro. Porque não sei ler e interpretar gráficos e porque sou fã dela. Ela ela escreve muito bem.
Começa o post falando de futebol e termina citando Fuentes:
"Abaixo as visões românticas e ingênuas dos analistas pouco informados[!] A verdadeira sabedoria não está nas avaliações subservientes, e sim na literatura. Nas palavras de Josué Nadal, o narrador e protagonista decapitado de “A Vontade e a Fortuna”, último romance de Carlos Fuentes: “No México, em toda a América Latina, confundimos a retórica com a realidade. Progresso, Democracia, Justiça. Basta que repitamos estas palavras para acreditarmos que são verdadeiras. E assim vamos, de fracasso em fracasso”."
PS: O ponto de exclamação é interpolação minha. Alguns gráficos que consegui entender parecem dizer de outro modo: "Abaixo as visões românticas e ingênuas dos analistas pouco informados[!]"
Ref(ó)rço: penso que você não integra a turma dos pouco informados e ingênuos.
Abs.
Ótimo post! Não que não fosse mais confortável para nós simplesmente recebermos uma resposta pronta, hehe... mas muito bom o texto, as análises e os gráficos do post.
DK
Para esse, o México deveria ser exemplo para os EUA!
http://original.antiwar.com/eland/2012/06/19/the-us-should-take-lessons-from-mexico/
Muito bom. Parabéns pelo post.
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