quinta-feira, 8 de março de 2012

Oferta e demanda x "economia popular"

Que bebam gasolina...
Ontem, aqui em São Paulo, o Procon e a Polícia Civil (palavras da Folha) "montaram uma força-tarefa para punir os estabelecimentos que, em meio à paralisação, aumentaram o preço dos combustíveis". Ora, quem tinha combustível subiu o preço porque a mercadoria ficou escassa - o que se esperaria de qualquer comerciante digno da profissão (mais nesse texto do Ordem Livre). Ocorre que, para o Procon, a adesão à lei de oferta e demanda é tida como "oportunismo", e a alta dos preços foi vista como "abusiva". A Folha cita um artigo da legislação (creio que do Código de Defesa do Consumidor) que diz que comete crime quem "obtém ou tenta obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos".

"Especulação" é daquelas palavras que deveriam ser neutras, mas, por aqui, virou quase sinônimo de pilantragem. Todo comerciante especula, mesmo que não saiba que o está fazendo: mantem um estoque que, ele espera, será revendido com lucro. O que garante isso? Nada, a premissa é uma especulação, baseada em uma observação do passado ou qualquer outro método, mas sem nenhuma garantia de que ocorrerá. Esse risco é coberto pela sua margem de lucro, que, também, pode-se provar certa ou errada. Assim, todo dono de posto de gasolina é um especulador, sujeito a choques de oferta ou demanda que podem ser positivos ou negativos. O caso de São Paulo foi um dos positivos, e é natural que ele se aproveite dele, já que, quando sofrer um negativo (de qualquer natureza), não vai poder (ou pelo menos não deveria) contar com proteção do governo ou algum outro benfeitor. Da mesma forma que o Procon não vai atrás do produtor de tomate que aumentou o preço por causa de uma geada, não deveria se incomodar com donos de posto que vendem a gasolina ao preço que querem. Faz parte do mercado, ele que colha o benefício imediato, com o risco dos clientes lembrarem desse "abuso" quando a situação se normalizar e mudarem de fornecedor.

"Processo fraudulento" é vender gasolina adulterada, bomba que marca volume maior que o efetivamente dispensado, e por aí vai. Com isso o Procon e a Polícia Civil deveriam se preocupar, mas é mais fácil dar espetáculo e prender frentistas (nada mais ridículo... qual a opção desse funcionário a vender o produto ao preço que o dono do posto determinou?) e gerentes de posto que vendem um produto escasso com preço anunciado em números gigantes.

No fundo, acho que dá para colocar mais essa arbitrariedade na conta do lobby do carro próprio, dos mais arraigados e perniciosos do Brasil (mais ainda em São Paulo). Esse tema, porém, vai ficar para um escrito futuro, este já cumpriu sua função.


Update (13/mar): Alguém leva a sério a legenda da foto.

6 comentários:

Daniel V disse...

Se o dono do posto não aumenta o preço e a paralisação continua, o que ele faz ? Fecha o business dele ? O pior é q o homem massa não ve o absurdo de medidas como essa e ainda apoiam essa loucura, como esse bostão https://twitter.com/#!/antoniodejulio/status/177416901742440449

Lembram como foi em Petropolis nos deslizamentos ?

Orlando disse...

Pois é, DK. Infelizmente isso não é uma opinião exclusiva da população que desconhece básicos conceitos, mas também de muitos "pundits" midiáticos.

Não sei qual livro faz um paralelo (acho que o do Tyler Cowen, se não me engano) com o preço da garrafa d'água durante o Katrina, que chegou a custar US$7.

Drunkeynesian disse...

O caso do Katrina parece mais agudo, fruto de uma tragédia natural e envolvendo um bem absolutamente essencial. Aí não acharia tão ruim caso houvesse intervenção.

Anônimo disse...

Imagine que em um hospital privado a emergencia esta lotada.. Pela sua lógica os medicos teriam o direito de leiloar o atendimento beneficiando quem pagasse mais independente da gravidade do caso ???

Limitar tudo a ótica da oferta e demanda e esquecer toda uma litertura que fala de regulação...

Drunkeynesian disse...

Vale o comentário que coloquei do Katrina - gasolina para automóvel privado em São Paulo está longe de ter a essencialidade de água em New Orleans depois de uma inundação ou de atendimento de emergência no hospital privado. Não sou contra a regulação, sou contra regulação arbitrária em um mercado em que o sistema de preços livres funcionaria bem.

Dawran Numida disse...

Mas, de todo modo, foram dadas alternativas aos transportadores, não é?
Podem circular em dados horários e em dadas vias.
Não deixa de ser intervenção do governo, mas, o governo é autoridade reguladora e fez a proposição antecipadamente.
Nesse caso, caberia mais a negociação do que a paralisação, com toda a externalidade negativa que esta gerou.
Inclusive o aumento de preços por pressão da demanda.
Talvez se as pessoas com carros, estacionassem e procurassem o transporte público coletivo, a reação fosse mais didática.