segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Tentando entender a crise na Europa (parte 4 e última)

Continuação da terceira parte.

9. Em resumo, as possibilidades de manutenção da União Européia implicam em maior integração do continente – seja com uma união fiscal ou com a adoção de uma política monetária que leve mais em conta o interesse das economias mais frágeis. Caso persista a ideia de “disciplinar” os países com situação fiscal pior, provavelmente esses optarão, no futuro (quando a austeridade e os anos de estagnação mobilizarem o eleitorado a votar em um candidato que defenda uma ruptura), por voltar às suas moedas nacionais, seguindo um script de desvalorização, crises cambiais e inflação bastante conhecido aqui ao sul do Equador.

Hoje acredito que a monetização é o cenário mais provável simplesmente por ser o que impõe menos custos no presente, e parece evidente que algo precisa ser feito - sem intervenção, provavelmente os mercados manterão os juros de vários países em níveis nos quais o financiamento da dívida torna-se impossível em pouco tempo. A partir daí, ou voltamos à crença no poder regenerativo do capitalismo (expressa no trecho do Kaletsky que coloquei no item 2) ou concluímos que o futuro é necessariamente pior do que o passado. Eu prefiro me refugiar na incapacidade humana de prever, sem deixar de concordar com o que o Tony Judt defendeu em seu penúltimo livro: há muito que conservar da Europa pós-II Guerra, e não parece sábio optar por uma alternativa cujas conseqüências são difíceis de serem previstas, mas dificilmente serão positivas e, no limite, arriscam um cenário algo parecido com o que levou a tanta destruição na primeira metade do século passado. Os alemães, que parecem gostar tanto de lembrar da República de Weimar, podiam lembrar também de um dos fatores que levou àquela situação: países com aura de autoridade moral tentando impor custos exagerados aos derrotados. Boas decisões de política econômica em tempos de crise tem mais a ver com adaptar as ações às circunstâncias do que seguir estritamente uma doutrina, creio ser essa a lição mais importante do passado.

10. A quantidade de material que está sendo produzida sobre a crise européia é imensa, em todas as qualidades e credos possíveis. Aqui os que acho mais interessantes (ou os que melhor alimentam meu confirmation bias):

- Uma longa apresentação do Deutsche Bank;

- Os aprendizados da crise, por Tyler Cowen (partes 1 e 2).

- Os textos de Gavyn Davies para o Financial Times.

- A página especial do Spiegel sobre a crise sempre tem artigos interessantes.

- A reportagem especial da The Economist.

- Uma perspectiva simplificada de teoria dos jogos, da Nomura.

- Uma visão de mercado do outro estrategista da Nomura, Bob "The Bear" Janjuah:

With the late October 'deal' now in tatters, and with subsequent developments in Italy, in Greece, and in the market pricing of French risk, the future for the eurozone now seems to be all about the ECB and outright monetisation. It seems amazing that the same folks who insisted that Greece would not default, that the eurozone was solvent and was just going through a CDS-trader-driven liquidity squeeze, that kicking the can down the road was a viable plan, and who trumpeted the late-October deal, now think ECB monetisation is the solution. I would urge extreme caution, again. In my view, the eurozone can either go down the path of full political and fiscal integration, which clearly means a smaller neue-eurozone and default by the nations that don't fit in with this hard-money Germanic ideal or it can take the soft-money Latin/UK/US-style soft-money route, where the ECB agrees to unlimited monetisation. It is clearly a case of 'either, or', but not both. These are two divergent policy paths. 
Germany appears to be adamant that full political and fiscal integration over the next decade (nothing substantive will happen over the short term, in my view) is the only option, and ECB monetisation is no longer possible. I really think it is that clear and simple. And if I am wrong, and the ECB does a U-turn and agrees to unlimited monetisation, I will simply wait for the inevitable knee-jerk rally to fade before reloading my short risk positions. Even if Germany and the ECB somehow agree to unlimited monetisation I believe it will do nothing to fix the insolvency and lack of growth in the eurozone. It will just result in a major destruction of the ECB's balance sheet which will force an ECB recap. At that point, I think Germany and its northern partners would walk away. Markets always want short, sharp, simple solutions. This is why the begging bowl is out for ECB unlimited monetisation. But, as in the immortal words of Messrs Jagger and Richards, "you can't always get want you want‟. 
I firmly believe that any conditional or finite monetisation would actually be the worst idea (most of the downside, very little of the upside, of infinite monetisation), but probably the most likely 'compromise' if Germany were ever to 'give' on this issue.

O que mais for surgindo eu compartilho aqui ou no Twitter.

11. Uma pergunta que eu não soube nem por onde começar a responder: por que ainda não ocorreu uma grande corrida bancária em alguns países da Europa? Qual incentivo tem o depositante de um banco grego (ou português, ou mesmo espanhol) para não tirar o dinheiro de lá e colocar num banco alemão ou holandês? O home bias é assim tão forte, ou tem algum outro possível fator sociocultural?

12. É isso. Agradeço muito pelo tempo de quem chegou até aqui e os comentários e sugestões de leituras nos posts anteriores. Aprendi muito pensando e escrevendo esses textos, espero que tenham servido para pelo menos despertar mais questionamentos.

5 comentários:

Delfim Bisnetto disse...

"Os alemães, que parecem gostar tanto de lembrar da República de Weimar, podiam lembrar também de um dos fatores que levou àquela situação: países com aura de autoridade moral tentando impor custos exagerados aos derrotados."

Bela sacada!

"Qual incentivo tem o depositante de um banco grego (ou português, ou mesmo espanhol) para não tirar o dinheiro de lá e colocar num banco alemão ou holandês? O home bias é assim tão forte, ou tem algum outro possível fator sociocultural?"

Algumas hipóteses:

* o "home bias" não é desprezível, não apenas pela confiança no compatriota, mas pela incerteza sobre as relações da Grécia (ou outro país) com o resto da Europa no caso de uma saída ou colapso do Euro;

* a velha crença de que, quando apertar mesmo (ou seja, quando um país estiver prestes a dar o default), os políticos vão acabar dando um jeito;

* talvez uma subestimação da crise por parte da população quanto à dismensão da crise (ou superestimação nossa, o tempo dirá).

Não comentei os outros, mas li todos os posts sobre o Euro e a série é muito boa!

Drunkeynesian disse...

Obrigado, Bisnetto.

As hipóteses são boas, e possivelmente a soma das duas primeiras (home bias + risco moral) explica muito da situação atual. Acho que contribui também o fato da geração atual de poupadores jamais ter visto suas poupanças serem destruídas, e por isso nem cogita essa possibilidade (o contrário disso são os argentinos e a sua peculiar divisão de poupança entre "dollars or bricks", depois de muita porrada aprenderam a não confiar em bancos ou na moeda local).

Daniel V. disse...

"Qual incentivo tem o depositante de um banco grego (ou português, ou mesmo espanhol) para não tirar o dinheiro de lá e colocar num banco alemão ou holandês? O home bias é assim tão forte, ou tem algum outro possível fator sociocultural?"

Mas não é exatamenteoqseupost da semana atras sobre os agregados monetários da Italia estavam mostrando ?
Agora,com relação aos bancos gregos, vale a pena procurar alguma informação indicativa. E se não sugerir corrida, é realmente intrigante.

"É isso. Agradeço muito pelo tempo de quem chegou até aqui e os comentários e sugestões de leituras nos posts anteriores. Aprendi muito pensando e escrevendo esses textos, espero que tenham servido para pelo menos despertar mais questionamentos"

Todas as discussões apresentadas,em base diaria,tê sido muito importantes nestas ultimas semanas, e acho que todos estamos aprendendo. Obrigado.

Anônimo disse...

Parabéns, a série ficou muito boa mesmo! Obrigado

André

Drunkeynesian disse...

Sim, os agregados monetários da Itália mostram um pouco disso (e o volume de depósitos na Grécia também tem caído). Minha dúvida é porque isso não acelera e vira algo desordenado, que obrigue o governo a decretar feriado bancário ou algo do tipo.