Eu tinha prometido parar de policiar a cobertura econômica dos jornais, mas está difícil segurar. Mais ainda quando a cobertura é feita por um cara que gosta de bater no peito dizendo que tem 40 anos de carreira (no caso, o Clóvis Rossi) e já viu de tudo (e isso supostamente o qualificou para, hoje em dia, cobrir os grandes encontros de governos e viajar bastante às custas do jornal). Isso implica também que já teve bastante tempo para aprender algo além do superficial sobre os assuntos que cobre. Ainda assim, não raramente ele dá umas escorregadas que seriam imperdoáveis mesmo para um foca com alguma ambição na carreira.
A manchete do caderno Mundo da Folha no sábado foi "G20 adia soluções para crise econômica". Tudo bem o G20 acreditar (ou fingir) que tem soluções para a crise, mas, a essa altura, dar a entender que os caras têm uma solução viável e estão só esperando (sabe-se lá o quê) para agir é algo perigosamente ingênuo (eu sei que, geralmente, não é quem escreve a matéria que coloca o título, mas o tom da matéria é exatamente esse). Em outro texto, seu Rossi diz que Mantega falou em "guerra fiscal" (no lugar de "guerra cambial"), depois de citar o clássico "injeção de dinheiro na veia da economia" - a medicina estaria perdida se as injeções tivessem a eficácia que tiveram os afrouxamentos quantitativos da vida. No domingo, o mesmo autor se meteu a explicar o trading de alta frequência e os dark pools, chamando-os de "cavaleiros da escuridão". Bela retórica, mas não ajuda em nada o entendimento do leitor (pelo menos ele sugeriu uma consulta ao Google, mais por falta de espaço do que por humildade, creio).
Estamos falando de um dos articulistas mais conceituados do maior jornal do Brasil, e aí caímos naquela velha pergunta: por que a cobertura econômica no Brasil é, com nobres exceções, tão precária? Isso deu uma boa discussão no blog do Leonardo Monasterio há um tempo, não tenho muito mais a acrescentar. Outro ponto interessante é tentar imaginar as barbaridades que se fala sobre outros assuntos que não domino, e que passam como verdades. Nisso, pelo menos, a internet faz um grande serviço: é possível ler opiniões de gente que realmente estudou os assuntos, concordando com elas ou não. Além disso, os incentivos para se escrever um blog esporádico me parecem muito menos perversos do que os de um jornal diário. Vida longa aos blogs, portanto (nada como advogar em causa própria).
P.S. O pessoal do G20 não pode alegar ignorância, e diz no comunicado final (também citado na Folha) que "as flutuações nos preços das commodities puseram o crescimento em risco". Ainda bem que é só controlar o mercado de commodities para garantir a volta à trilha do crescimento.
P.P.S. Meu chute é que, agora que um país grande demais para falir começa a preocupar, não vai demorar muito para o Banco Central Europeu (sob nova direção) seguir o mapa desenhado pelo Fed e o Banco da Inglaterra e começar a monetizar dívida em grandes volumes. É o caminho mais fácil, que não envolve grande coordenação entre governos e poderia adiar o problema das dívidas sem passar por um calote. Mais fácil ainda porque pode-se alegar que os casos dos EUA e do Reino Unido foram, até agora, um sucesso: os juros caíram, a inflação não acelerou (ainda, dirão os mais céticos) e uma depressão foi evitada. O custo, que o legado do Bundesbank tentaria evitar, é a depreciação da moeda, mas essa causa parece estar cada vez mais sem defesa.
Charge roubada da The Economist.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Jornalistas e a crise européia
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25 comentários:
Mesmo sendo novo na área já pude perceber os ''problemas'' da cobertura econômica no Brasil.
Mas você falou de algumas exceções, poderia citar alguns nomes?
A turma do Valor, no geral, é boa, sobretudo os que tratam de política, relações internacionais e política econômica (Maria Cristina Fernandes, Sergio Leo, Cristiano Romero). Ainda não acharam, porém, um colunista bom de mercados, ainda que eu goste da edição.
O Silvio Crespo, do Estado, tem um bom blog, bem antenado: http://blogs.estadao.com.br/radar-economico/
Se lembrar de mais algum, coloco aqui.
As palavras são traiçoeiras.
"G20 adia soluções para crise econômica"
Você leu de uma forma. Eu li de outra.
Não li como se o G20 tivesse alguma solução, muito menos solução viável, ou certa, ou boa, ou melhor.
Li esse "solução" como "decisão".
Entendi que eles não conseguem entrar em acordo sobre nada e por isso não solucionam esse impasse. Seja lá a solução que um dia vão conseguir aceitar. E isso não garante que seja uma boa solução e nem viável.
Nessas alturas do campeonato qualquer decisão é bem vinda. Mesmo a errada. O impasse está causando tanta confusão que talvez mesmo a solução errada cause menos estrago.
Quanto ao resto do comentário sobre o Rossi sinto um leve cheiro da guerra entre Economia = Ciências Exatas e Economia = Ciências Humanas.
PS: Esse seu Captcha é engraçado. O de hoje é GRAVERA
Mmmm, pode ser... ainda que eu ache que "solução" é sinônimo de "resolução". De qualquer forma, a solução provavelmente não vai sair de uma reunião protocolar entre líderes. Enfim...
Quanto a tal da guerra, eu realmente acho que saber do que se fala transcende essa classificação. Algumas coisas têm uma definição cristalina, independente de qual lado se defenda no debate, e o que me irrita é a ignorância - pior do que isso, falar como autoridade sem saber bem do que está tratando.
Eduardo Campos do VALOR é muuito bom drunk, e tem aquele relatório da agencia ESTADO, acho que Rosa Riscala, é bem bom tb.
As pessoas falam do sentimento alemao antiinflação pelas hiperinflacoes vividas. Sera que o alemão médiano tem isso na cabeça na hora de votar ? Dizem que é a ultima barreira para o QE do BCE
Não lembro do Eduardo Campos, vou tentar começar a reparar. A Rosa Riscala eu lia há muito tempo, acho que é bom pra notícia, mas hoje em dia eu tento ler menos notícia e mais opinião.
Boa pergunta essa do alemão mediano, e não sei dizer. A hiperinflação da Alemanha foi há uns 80 anos (e num contexto totalmente diferente), não deve ter muita gente com essa memória tão fresca. Resta saber o quanto isso impregnou as instituições.
Ja tive a infelicidade de participar de uma palestra desse Clóvis Rossi na época em que estudava outras coisas. Nesta mesma, considerei-o um babaca de marca maior. Sinceramente não lembro o tema, lembro que parafraseei um médico conhecido meu formado na Pinheiros e sua resposta foi simples do tipo: "Esses médicos não sabem nada, são uns velhos que ficam falando coisas que não existem mais bla bla, eu ja passei por muita coisa e bla bla"
eu nos meus 21 anos fiquei pensando o que sai em um jornal onde trabalha um jornalista desses, que sequer respeita a opinião alheia, muito menos a de um profissional reconhecido. (lembro que estavamos falando de algo do cérebro e só)
Acrescentaria três pontos.
1) A cobertura jornalística sobre economia é na média ruim, mas acho que não mais ruim do que na média sobre outros assuntos, talvez até melhor. Por motivos familiares me aproximei das discussões sobre a assistência social e, creiam-me, a forma como a imprensa em geral aborda o tema é o horror do horror do atraso.
Contudo, 2) muitas vezes os jornalistas não são tão ruins quanto achamos, só pensam diferente. Tentar não confundir falta de qualidade com diferenças teóricas é mais difícil do que parece, mas não impossível.
Por fim, 3) a explicação do trauma alemão com a hiper dos anos 20 faz sentido, mas eu tenho cá minhas dúvidas. Como diria o Taleb, ter respostas lógicas ex post é muito humano. Pode ser memória coletiva e institucional, ou pode ser apenas uma desculpa para o conservadorismo do governo, do Bundesbank e do BCE.
Veja esse artigo:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi/1000451-mercados-surram-a-democracia.shtml
O grande mal o "mercado"?!?!?!
Orlando, a Islândia fez exatamente isso. O Krugman tem uma série de posts a respeito.
Não deixa de ser irônico esta discussão toda na terra que inventou a democracia...
Não tenho cacife pra dizer quem é bom ou quem é ruim... se vc diz, eu acredito!
SENSACIONAIS são as 2 charges que vc escolheu pra ilustrar seus textos.
Parabéns!!
A cobertura econômica nos jornais brasileiros é tão boa (horrível) quanto a cobertura do futebol nas páginas de esportes. A explicação é comum: o nível de capital humano no pais é baixo. O texto tipico da Folha muitas vezes tem o mesmo nível de sofisticação do caderno para "kids" do New York Times.
Talvez "O", mas também porque as redações tendem a ser enxutas demais, com poucos profissionais cobrindo muitos assuntos, sem incentivo e sem possibilidadde de especialização.
Leonardo, obrigado pela anedota, já tinha ouvido algo parecido do Rossi.
Jorge,
1) Provavelmente você tem razão, falo de economia porque é o que consigo criticar com alguma substância e é o que acompanho mais de perto.
2) Eu tento não confundir. Respeito muito quem pensa diferente, mas precisa ter argumentos para isso, não só usar idade (ou tempo de trabalho) como autoridade. Pra pegar um exemplo, eu muitas vezes discordo do Martin Wolf ou do Anatole Kaletsky, mas não dá pra dizer que esses caras não estudaram e não têm bons argumentos.
3) Concordo. Andei cutucando alguns conhecidos que moram na Alemanha pra saber a impressão deles, quando responderem, coloco aqui.
Orlando e Jorge,
Tinha visto essa matéria. Na dúvida, põe na conta do mercado, sem parar pra pensar que não deve ser pouca gente que defende o status quo - pra Grécia, ter o euro não foi exatamente ruim, e voltar para a dracma, ainda que eu ache que seja uma boa solução, não vai ser sem traumas. Enfim... funcionando a democracia, em mais ou menos tempo, vai valer a vontade da maioria.
"O", talvez você tenha razão, mais ainda porque, por algum motivo, jornalista aqui esteja por um bom tempo condenado a ganhar salário equivalente ao de estagiário em outras profissões. Difícil atrair talento assim.
Mas Drunkeynesian, corrija-me se estiver errado. É até certa forma oportuno culpar o mercado perante uma situação de "escolha democrática", pois sabemos que um pacote de austeridade não é das alternativas mais simpáticas para os que usufruem de tais benefícios. Faltou esse ponto analítico no artigo. Me pareceu como uma alternativa de "joão sem braço" por conta do Papandreou (que já foi às favas). Vamos ver o que sai daí.
Agora, não seriam tais considerações de Merkel e Sarkozy uma situação para evitar um risco moral?
Jorge Browne,
A comparação entre a Islândia e a Grécia não procede. O default da islândia foi nos depositantes ingleses e holandeses que investiram em bancos privados picaretas daquele pais. Então é pimenta no olho dos outros.
O caso grego é diferente. Um default significa a falência de todos os bancos gregos e toda a classe media grega descobrindo da noite para o dia que os euros que eles depositaram nos bancos se transformou em papel colorido. É pimenta nos próprios olhos.
Pior que isso, a Grécia hoje tem um déficit primário gigantesco. Isto é, o único motivo que o governo grego ainda consegue pagar salários e aposentadorias é piteira ainda não fez o calote. No momento que fizer, e perder a ajuda da Troika, eles vão ter que cortar salários e aposentadorias em uns 20-30% em termos reais.
Orlando, parece que o que o Papandreou fez foi chamar o referendo sem a real intenção de fazê-lo, usando isso para tentar um acordo com a oposição. Como parte do acordo, provavelmente ele vai pedir o cargo, mas o resultado vai ser a aceitação do pacote. Logo saberemos se é isso mesmo que vai acontecer.
Já ouvi muito dizer que os alemães levam o negócio pro lado moral (o devedor deve pagar ou sofrer as consequências), não sei se corresponde à verdade. Imagino que ambos sofram uma pressão enorme dos respectivos banqueiros, que seriam os maiores perdedores caso os títulos que carregam sejam marcados a mercado.
Sim, e o governo da Islândia escolheu não pagar com dinheiro público pelas besteiras dos bancos, e azar de quem fez as decisões de crédito erradas (no caso, a turma que achava que os Icesavings eram aquela maravilha toda). Imagino que a poupança dos islandeses não tenha sofrido (fora a depreciação da moeda).
As decisões da Grécia de fato parecem mais difíceis. Hoje li um texto muito bom sobre isso:
http://ultimibarbarorum.com/2011/11/07/the-beginning-of-the-end-of-the-euro-crisis/
Ele acha anos de austeridade preferíveis ao choque do calote. Eu tenderia a preferir a volta a dracma e desvalorização, mas pode ser que o grego médio não leve essa história de perder poupança de forma tão tranquila quanto os brasileiros e argentinos.
Drunken, vou ter que discordar fortemente. A posição da Alemanha é contra bail-outs, isto é, contra envolvimento estatal ou do BCE, e que os investidores privados arquem com as consequências. Quem é contra calote é a França.
Eles são tão categóricos assim contra os bailouts? No fim das contas, se tiver calote ou haircut na dívida eles teriam que salvar os bancos (pelo menos os locais) de qualquer jeito, não?
E parece que perderam a briga no BCE, não? Minha leitura da entrada do Draghi é que a visão Bundesbank perdeu força, e que vão ser mais pragmáticos.
No fundo eu tenho muita dificuldade pra entender como é o balanço de poder na Alemanha, creio que os exportadores prefeririam o euro mais desvalorizado do que é hoje, mas pra isso acontecer os bancos provavelmente tomariam os hits nos balanços e seriam diluídos. Não sei bem que lado a Merkel representa.
DK, tranquilo, não é o teu caso, tu não tens o "imperialismo" a que nossa profissão muitas vezes leva. Infelizmente essa saudável e sábia característica não é partilhada de forma generosa entre os praticantes da arte.
"O" Anônimo, sim, tens razão. O paralelo que apontei, mesmo que tênue, é com a consulta, democrática por assim dizer.
Sobre a Grécia (se é bailout, haircut, shave ou brazilian wax) confesso ignorância e me calo.
“Eles são tão categóricos assim contra os bailouts? No fim das contas, se tiver calote ou haircut na dívida eles teriam que salvar os bancos (pelo menos os locais) de qualquer jeito, não?”
Como qualquer caracterização simples, é uma caricatura. Mas a posição alemã com relação a bail-outs e envolvimento do setor privado tem sido consistente desde as crises dos anos 90. Eles foram contra os bail-outs no passado, continuam contra os bail-outs hoje.
“E parece que perderam a briga no BCE, não? Minha leitura da entrada do Draghi é que a visão Bundesbank perdeu força, e que vão ser mais pragmáticos.”
Parece que sim.
“No fundo eu tenho muita dificuldade pra entender como é o balanço de poder na Alemanha, creio que os exportadores prefeririam o euro mais desvalorizado do que é hoje, mas pra isso acontecer os bancos provavelmente tomariam os hits nos balanços e seriam diluídos. Não sei bem que lado a Merkel representa.”
Para entender a Alemanha, tem que voltar uns 20 anos. A reunificação teve um grande custo fiscal e a escolha que eles abraçaram foi conter salários, e fazer um arrocho fiscal e monetário para obter o deleveraging e lidar com problemas fiscais futuros (ex: envelhecimento do país). O desemprego não é tão alto como em uma Espanha porque as instituições trabalhistas na Alemanha funcionam melhor para evitar o desemprego (mas não tão bem como no Japão). Mas assim como o Japão, a Alemanha é uma força deflacionista na economia mundial; um país sem dinamismo da demanda doméstica, rodando grandes superávits comerciais e acostumado a crescimento pífio. Neste contexto, para os exportadores, tanto faz o câmbio – os salários estão sob controle e eles são altamente competitivos do jeito que está.
É boa a comparação com o Japão, não tinha pensado nesses termos... De fato, eles seguem tendo superávit externo como se o dólar ainda comprasse 150 ienes (as empresas aparentemente não têm lucro há décadas, mas está todo mundo bem com isso). Uma diferença no caso da Alemanha é que a maior parte do superávit deles é contra outros países do euro, mas isso contribuiria pro câmbio ser ainda menos relevante pro exportador.
Quanto ao BCE... hoje o Eichengreen soltou um texto defendendo o aumento das compras de dívida da Itália:
http://www.project-syndicate.org/commentary/eichengreen36/English
“Uma diferença no caso da Alemanha é que a maior parte do superávit deles é contra outros países do euro, mas isso contribuiria pro câmbio ser ainda menos relevante pro exportador.”
Essa é uma caracterização imprecisa que frequentemente aparece na imprensa e na discussão acadêmica. Sim, é verdade que a Alemanha tem um superávit com o resto da zona do euro, mas este tem se mantido aproximadamente do mesmo tamanho do que era antes do superávit da Alemanha com o resto do mundo passar a crescer.
Na margem, o aumento do superávit alemão foi principalmente relacionado ao comércio com produtores de petróleo (pense Mercedes Benz, equipamentos para a indústria de petróleo, infra-estrutura) e países emergentes.
Entendido. "O", obrigado pela correção e pela discussão.
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