segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Salve-se quem puder: a inflação da picanha

Estava demorando, mas finalmente chegou a hora da Veja dar sua brilhante contribuição para o debate sobre inflação no país. O padrão da cobertura de economia da revista tem sido ruim (na linha "vamos diluir um tema complexo até que o resultado final possa ser entendido por qualquer imbecil"), mas acho que esta semana novas mínimas foram atingidas

Comecemos pela capa: a chamada "o preço de quase tudo o que você consome está subindo muito mais do que a inflação" deveria gerar pelo menos cartinhaa instrutivas do IBGE, da FGV e da FIPE Os índices de preço ao consumidor são feitos para refletir uma cesta de consumo média do país. Se "quase tudo" está subindo mais do que a inflação, ou estamos no mundo onde a medida de inflação é manipulada (Brasil de outras épocas, Argentina) ou, claro, a Veja fala para um público cujo padrão de consumo está longe da média do país -- de fato, imagino que o brasileiro médio não tenha o hábito de consumir picanha. Escrever para um público específico não é um problema; passar para esse público a impressão de que o correto é ignorar os dados oficiais e levar um debate nacional para o nível da anedota é mais grave.

Ao longo do texto temos outras pérolas:

Por isso, a vitória do Real contra a inflação é tão valiosa. É preciosa porque foi um evento raríssimo na história da economia moderna.

Não se sabe quando começa a história da economia moderna para o autor, mas cabe pelo menos dizer que a inflação no Zimbábue ano passado foi algo como 5% (vindo de 98% ao dia), e nem por isso alguém veio pedir um Nobel de economia para a turma do banco central de lá. Devemos reconhecer que fins de períodos de inflação muito alta não são, para dizer o mínimo, exclusivamente mérito de gênios.

O auge da sofisticação da matéria é ressuscitar a velha e boa analogia do dragão, com requintes:

Não foi por acaso que os brasileiros escolheram como símbolo da inflação uma figura mitológica, o dragão. Esse é justamente um de seus truques mais tinhosos: fingir que não existe. Quando se percebe, a inflação já está instalada no país.
(...)
Como os gigantes, que também nascem pequenos, o dragão da inflação, especialmente o da espécie brasileira, sai do ovo cuspindo um foguinho brando e com uma carinha inocente. Logo, porém, ele se transforma num monstro incontrol
ável.

Só faltou uma fotomontagem com o Tombini vestido de São Jorge. Argh...

P.S. Na verdade eu estou ressentido porque não usaram o meu gráfico do chuchu na matéria.

P.P.S. Falando sério: o Plano Real vai fazer 17 anos. Já é mais do que hora do Brasil deixar de lado a paranóia com inflação e enxergar o problema num contexto que vá além da prateleira do supermercado.

P.P.P.S. Para quem gosta de indicadores contrários, essa é a oportunidade para apostar em inflação mais baixa.

2 comentários:

Danilo Balu disse...

Mto boa e esclarecedora leitura!!!

Sabe que considero meus conhecimentos macroeconômicos mto limitados... eu estava me achando cri-cri por achar que já se passou mto tempo para os gdes veículos impressos pararem de reduzir o debate da inflação a uma prateleita do BomPreço.

Ou eu realmente não entendo NADA ou vc deu um passo pra trás rsrsrs

abrax

Drunkeynesian disse...

Acho que vou revisar o texto...