terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Duas Europas

(resisti à tentação do trocadilho com o título do Charles Dickens, respirem aliviados)

Creio que os mercados de dívida soberana européia contam duas histórias diferentes, que refletem a estratégia da União Européia / Banco Central Europeu / Illuminati para o continente:

1. Países pequenos podem / devem ser forçados a renegociar suas dívidas (vulgo calote organizado), já que isso aliviaria muito a situação fiscal deles e não causaria impactos sistêmicos para o mercado financeiro (bancos, seguradoras, etc). Essa é a história de Portugal e Grécia, cujos juros de mercado excluem qualquer cenário de sustentabilidade da dívida (curioso foi ouvir hoje do Marcos Uchôa, no Bom Dia Brasil, que Portugal está pagando "juros estratosféricos, 16%, algo inviável para qualquer país". Viva o Brasil, que, nos últimos anos, cansou de se financiar à taxas maiores que essa:



2. Para os grandes emissores de dívida, onde qualquer possibilidade de renegociação causaria grandes abalos nos bancos, foi traçada uma linha. Imagino que o BCE tenha assumido um compromisso implícito de comprar quanto for necessário de dívida acima de uma determinada taxa. O mercado, tendo isso em mente e o dinheiro barato do LTRO, faz o resto do serviço e empurra os juros para baixo (levando todo o ganho de carregamento dos títulos). Isso tem valido para Espanha e Itália: no primeiro caso, os juros de dez anos estão perto da mínima em um ano; no segundo, tentam se firmar abaixo de 6%, o número que, por uma regra de bolso calculada por muita gente, é o limite para o serviço da dívida não degringolar as contas fiscais:


Com isso, espera-se comprar o tempo necessário para que as medidas de austeridade fiscal façam efeito. Acho baixa a probabilidade de funcionarem no médio / longo prazo - sem crescimento, a maioria dos países terá muita dificuldade em atingir as metas de déficit máximo sem agravar o problema do desemprego, isso sem contar os esqueletos que ainda devem aparecer no caminho. Até isso ficar claro, porém, os otimistas podem contar com uma trégua e tentar empurrar os preços para cima.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O que perdi semana passada

- O Fed agora tem uma meta explícita de inflação - e, ao mesmo tempo, se comprometeu a deixar os juros de um dia a zero até o final de 2014. Na terra de Bernanke, isso é compatível, partindo do princípio de que o risco de deflação ainda existe (a inflação esperada está abaixo dos 2%) e o mandato do Fed também cobre estimular a atividade. O outro lado disso é que provavelmente os juros reais vão ficar negativos por bastante tempo, o que também ajuda o Tesouro americano a lidar com a dívida; além disso, vai seguir sendo interessante para os bancos carregar dívida pública longa, desde que a inflação não se mexa muito nesse tempo. Intencionalmente ou não, os EUA entram de vez na era de financial repression.

- A Apple reportou o melhor trimestre de sua história - de que crise estamos falando? As ações já subiram mais que 10% este ano, o que reduz a probabilidade de eu acertar uma das minhas previsões irresponsáveis de 2012.

- Os juros de 10 anos na Itália chegaram a cair abaixo de 6% (já voltaram hoje, a 6,11%). Na Espanha, chegaram a operar abaixo de 5%. Sigo achando que uma linha foi traçada para a dívida européia: Grécia e Portugal podem ter que renegociar, mas a crise para por aí.

- O Banco Central do Brasil reafirmou a disposição em seguir cortando juros. Lembrem-se que das primeiras coisas que Dilma disse depois de eleita foi que ia tentar baixar os juros reais para 2%, estamos nesse caminho (ainda que promessas de políticos não possam exatamente ser tomadas ao pé da letra).

Esqueci de alguma coisa? De qualquer forma, acho que perdi pouca coisa e ganhei o privilégio de, pela primeira vez na vida, contemplar esta vista:


P.S. Parece que a festinha de começo de ano nos mercados está perdendo o gás. Hora dos búfalos recolherem os chifres.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Pequeno recesso

Vou me dedicar ao dolce far niente esta semana, dia 30 estou de volta.

Leituras da Semana

祝福大家新年快樂!!!

- 222 anos de juros longos nos EUA - já foram mais baixos do que agora, nos anos após a II Guerra.

- Discurso de Raghuram Rajan para a American Finance Association, defendendo a ligação entre Wall Street e Main Street e a importância de um mercado acionário vibrante.

- Will Hutton, de Oxford, recomenda cinco livros sobre justiça social e desigualdade (um do Rajan, entre eles).

- Música pop como indicador antecedente dos mercados (dica Balu, paper original aqui). Abordagem diferente do que o Robert Prechter costuma fazer.

- David Einhorn sobre 2011 e a crise, sempre relevante.

- Contra a austeridade fiscal em tempos de crise: Robert Shiller e Richard Koo.

- Lord Skidelsky provoca: dívida realmente importa?

- Alguém teve a paciência de contar as risadas nas reuniões do Fed para quais as transcrições estão disponíveis. Vai ficar interessante quando liberarem as de 2008.

- Ouvido no elevador da Goldman Sachs: matéria no FT e o twitter.

- Tentar imitar o "milagre" de desenvolvimento do Sudeste Asiático pode ser difícil. Falando em Ásia, o Japão, para minha surpresa, fechou 2011 com um déficit comercial, o primeiro desde 1963.

- A The Economist entrevista FHC.

- Eike para presidente, novo marco na sabujice do colunismo brasileiro.

- Vladimir Safatle sobre a Tunísia, primeira de uma série de visitas ao mundo árabe pós-revoluções.

- Existem leis fundamentais para cozinhar? Os quants invadem a cozinha.

- A solidão das Guianas, nossos vizinhos menos prestigiados.

- Pico Iyer sobre os benefícios de se desligar da vida digital.

- Frank Zappa como Jeff "The Dude" Lebowski e outros fantásticos elencos alternativos.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Frase do dia - Tragédia dos Comuns

"Eu, que sou fã da economia de preços e de mercado, hoje percebo que ela padece de uma cegueira absurda, que é o modo como usamos os recursos ambientais."

Professor Eduardo Giannetti da Fonseca, em entrevista para o Valor de hoje. O conceito de tragédia dos comuns é de 1833 (quando observado pelo economista britânico William Forster Lloyd), e foi revisitado pelo ecologista americano Garrett Hardin, em trabalho de 1968.

Ah, o texto do André Lara Resende sobre os possíveis limites para o crescimento econômico, que saiu no mesmo caderno, também é bastante recomendável.

Som da Sexta - Elis Regina

Ontem fez 30 anos que perdemos uma de nossas maiores cantoras.

O negócio de gestão de dinheiro

Como se sabe, é das atividades com um dos maiores payoffs da nossa sociedade: para o gestor, o prejuízo é limitado a seu custo de oportunidade (quanto o mercado paga menos o que ele deixa de ganhar, se tiver desempenho ruim - há também um tema reputacional, não quantificável e muito discutível) e os ganhos são potencialmente enormes, com o uso implícito de alavancagem (o patrimônio para se montar uma gestora é, na maioria dos casos, muitas vezes menor do que os ativos administrados, sobre os quais são cobradas as taxas). Para Alice Schroeder, biógrafa de Warren Buffett, os dias de moleza estão acabando. Para Dogbert, continuam:


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Escavando o legado de Tony Judt

A Amazon mandou um e-mail hoje falando do lançamento de um "novo livro" de Tony Judt, que faleceu em Agosto de 2010. Pelo o que entendi, o livro é um apanhado de conversas entre Judt e o também historiador Timothy Snyder, de Yale (autor de Terras Sangrentas, que o Mauricio Santoro resenhou esta semana). A conferir.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Distribuição de renda no Brasil, um pitaco

Dias atrás rolou uma discussão interessante (ainda que baseada em chutes e anedotas) nos comentários de um post sobre como São Paulo (e outras regiões do Brasil, imagino) tornou-se uma cidade muito cara e como a renda de parte dos habitantes não acompanhou essa mudança, implicando em queda no poder de consumo. Ontem o iconoclastas me mandou esse trecho de uma entrevista que o Marcelo Neri, da FGV-RJ, deu para a Carta Capital (dá pra ler a entrevista toda aqui):
CC: Os que ficaram para trás são da chamada classe média tradicional?
MN: Acho que sim, essa é uma boa classificação. Quem era classe média tradicional, perdeu. Acho que o Brasil dos últimos anos é o seguinte: boas e más notícias. A boa é que a desigualdade caiu. A má notícia é que a classe média tradicional não entrou na festa. O espetáculo do crescimento é só a preços populares, é um pouco isso. Não tenho essa visão de muita gente que diz que o Brasil entrou no século XXI. A gente está saindo do século XIX, é uma abolição da escravatura retardada. Está saindo de um país muito desigual muito rápido, mas recuperando um atraso grande.
 CC: O que explica isso?
 MN: Foi uma queda do retorno da educação. Por que a renda cresce na base da pirâmide? Pense no filho do peão. O pai dele era analfabeto ou analfabeto funcional. Ele foi lá, estudou, chegou ao ensino médio e não quer ser peão como o pai. Aí a demanda por pessoas pouco educadas aumentou muito. Tem mais gente com ensino médio, chegando ao ensino superior, com qualidade questionável da educação, é verdade, mas tem mais concorrência. Quem tem um diploma deixou de ser tão valorizado. E quem não tem diploma passou a ser valorizado porque são poucos, e tem muito trabalho braçal. Então tem o fator educação e o fator programas sociais. É o dinheiro para as pessoas lá na base, o Bolsa Família.
O Leonardo Monasterio deu três boas sugestões de leituras sobre esse mesmo tema ontem. Destaco a segunda, que mostra como o Gini do Brasil caiu muito pouco, e segue alto - pior ainda com a ressalva de que, até onde lembro, esse coeficiente não captura renda de capital, que, com a queda dos juros e valorização dos ativos nos últimos anos, deve ter crescido mais do que a renda do trabalho (quem realmente entende de desenvolvimento me corrija se falei alguma barbaridade, por favor). Se considerarmos que os mais ricos (talvez mais o 1% do que os 10%) não ficaram exatamente mal nesses últimos dez anos, uma conclusão possível é que a evolução da distribuição de renda no país no período pode ter sido algo perniciosa, com os mais pobres ganhado em detrimento da antiga classe média e aprofundando o buraco entre aqueles e os mais ricos. O bordão "classe média sofre" teria ganhado alguma substância, enfim.

Talvez seja cedo para chegar nesse tipo de conclusão, mas, se ela se provar correta, seria a hora de começar a se discutir publicamente os efeitos de segunda ordem de políticas que têm sido tão celebradas. Há mais de 2300 anos um tal Aristóteles disse:
A comunidade política mais perfeita é aquela em que a classe média está no controle, e é maior que ambas as outras classes.
E, pensando nas sociedades do mundo de hoje, isso parece não ter mudado tanto.

SOPA, PIPA, PQP...

Tudo o que você precisa saber sobre SOPA e PIPA, as duas propostas de legislação para, respectivamente, "combate à pirataria" e "proteção de propriedade intelectual" que estão tramitando no congresso americano (a primeira deve voltar a ser discutida em fevereiro; a segunda está agendada para ser votada na próxima terça-feira), está no GIF animado abaixo (cortesia do Oatmeal; odeio GIFs animados, mas a causa é boa):


Mais na Wikipedia, cuja versão em Inglês está bloqueada hoje, em protesto.

Como é a vida dos 1%

Últimos 3 Daily Dilbert:


terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Leituras da Semana

- Overdose de Guido Mantega na Época desta semana: capa, perfil (meio chapa-branca, achei) e entrevista. Não acrescentou muito ao que já se sabia dele.

- Uma defesa dos hedge funds, por Sebastian Mallaby. Seu livro sobre a história desse tipo de investimento (More Money Than God) é altamente recomendável.

- A entrevista de Persio Arida na Folha de ontem.

- Novas fronteiras do keynesianismo: bancos espanhóis tentam superar a crise imobiliária construindo mais.

- Dani Rodrik sobre o paradoxo de um mundo globalizado e a ausência de liderança supranacional.

- Ótimas entrevista e recomendação de livros de Peter Boettke, da George Mason University, sobre economia austríaca.

- Uma boa pergunta sem resposta (ainda que com cheiro de non sequitur): Why expect S&P, Moody’s, or Fitch to know it's junk when expert musicians can't tell a Stradivarius from a fiddle?

- A pergunta de 2012 do Edge: qual é sua explicação profunda, elegante ou bonita preferida? 192 grandes cabeças respondem. De economia & finanças, aparecem Richard Thaler, Eric Weinstein e Emanuel Derman.

- Previsões da Reuters para o ano. Use com moderação.

- O Fed da gélida Minneapolis entrevistou Esther Duflo. Trecho: "economics as a field generally is not very sympathetic to applied theory at the moment. I think theoretical work needs to be considered “hard core” to be interesting. That’s not specific to development economics; it’s a general issue in economics as a field."


- Economia como arte marcial.


- Quase um século antes da imagem da "lula-vampiro" (para falar da Goldman Sachs), o embrião do Fed era visto como um polvo-demônio.

- Muito interessante matéria na Newsweek sobre Obama e o valor de sua discrição.


- Mandelbrot aplicado ao Lego.


- 50 cartazes de propaganda soviética, com legendas traduzidas para o Português.

- Virando páginas do jornal com classe.

- Um comercial do Campari... dirigido por Federico Fellini.

- Fatos aleatórios do dia: "a survey by two economists, Roland Fryer and Steven Levitt, found that nearly 30% of black girls in California in the 1990s received a first name that they shared with no other baby born in the state in the same year. Back in 1954 a baby (later to become secretary of state) gained the one-off name Condoleezza because it sounded like a musical instruction to play “with sweetness”."

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Gráfico do dia - Brasil e China, 2002-2011

Pode escolher entre vantagens comparativas ou desindustrialização; por enquanto, não há como negar que a vida do brasileiro médio melhorou desde então.



Mais na última The Economist.