terça-feira, 26 de julho de 2011

Imigração para o Brasil, por que não?

Estou lendo o Pós-Guerra, do Tony Judt, e cheguei numa passagem em que ele aponta como um dos fatores mais importantes para o sucesso econômico europeu entre 1953 e 1971 as ondas de migração no continente - dentro de países, de regiões mais atrasadas para pólos industriais (na Espanha, da Andaluzia para a Catalunha; em Portugal, do Alentejo para Lisboa; na Itália, do sul para o norte, etc) e entre países, na direção para onde a mão-de-obra era escassa e muito demandada: a Alemanha firmou acordos de imigração com Itália, Grécia, Espanha, Turquia, Marrocos, Portugal, Tunísia e Iugoslávia; a Suíça e a França receberam milhares de portugueses; a Holanda incentivou a vinda de trabalhadores da Espanha, Iugoslávia, Itália, Turquia, Marrocos e Suriname; e a lista de exemplos vai longe.

Fast-forward para o Brasil de hoje, vivendo praticamente no pleno emprego, com certa escassez de mão-de-obra (na maioria das vezes especializada, mas, em São Paulo, por exemplo, vive se falando na falta de operários da construção civil, garçons, empregadas domésticas, manicures, etc), grande pressão nos custos do trabalho e rodeado de vizinhos mais pobres. Por que o Brasil não recebe, às dezenas de milhares, bolivianos, paraguaios, argentinos, peruanos, etc? Superficialmente, vejo os seguintes possíveis motivos:

1. Falta de interesse do governo brasileiro, que não faz questão de facilitar a situação dos imigrantes que já estão aqui, muito menos de incentivar a vinda de mais gente. Isso pode ser pelo motivo ruim (xenofobia disfarçada) ou pelo relativamente bom (proteção da mão-de-obra local e necessidade de gerar uma pressão deliberada por salários mais altos).

2. Falta de interesse dos possíveis imigrantes, seja por diferenças de língua e culturais ou porque a situação em seus países não está tão ruim (certamente já esteve pior, na maioria dos casos).

3. Descompasso entre a oferta e a demanda por trabalho: o tipo de profissional requerido por aqui não é facilmente encontrado nos vizinhos. Pode ser verdade para alguns casos, mas, novamente, em muitas regiões do país falta a mão-de-obra mais básica.

4. Compreensível falta de vontade dos hermanos latinos de viver no mesmo país que a Valeska Popozuda, o Gabriel Chalita e o Restart.

Seria muito interessante ouvir de alguém que estuda demografia, a ajuda dos universitários nos comentários é mais do que benvinda.

12 comentários:

Patrick disse...

A legislação que trata de imigrantes é do tempo da ditadura, quando estrangeiro era sinônimo de subversivo. Mas, desde o Tratado de Ouro Preto, está aberta a possibilidade de residir no Brasil a argentinos, uruguaios e paraguaios. Pelo que já li a respeito, é burocraticamente complicado, mas sem discricionariedade, ou seja, há a certeza que a permissão para residência será concedida (e o mesmo se aplica a brasileiros que desejem residir nesses países).

Danilo Balu disse...

Difícil, mas vou discordar acho que bastante...

- Xenofobia é uma realidade em mtos lugares do mundo e aqui não é diferente, apesar da auto-intitulação de povo acolhedor;
- As leis do Mercosul hj são quase tão práticas qto as de parte da Europa, vc pode ir e vir para trabalhar apenas avisando as entidades locais, sem necessidade de gdes burocracias.
- Não consigo enxergar como "relativamente bom" a proteção de mão-de-obra local se no final essa imigração viria para trazer riquezas ou crescimento ao país. É, guardada as devidas diferenças, o mesmo que chamar de "relativamente bom" vc defender a indústria automobilística como era na era pré-Collor...
- Por que vir para um Brasil 3o mundo que fala português lavar louça se vc pode ir para uma 1o mundo Espanha falando seu idioma?
- Acredito que se a Argentina tivesse o protagonismo que o Brasil tem hj na AL, teríamos uma BsAs ainda mais abarrotada de outros latinos. Alguma dúvida de que há mais não-argentinos em BsAs que não-brasileiros em SP e Rio?? O idioma e sermos todos pobres acho que mostra mta coisa...
- De resto, concordo mto com a parte que diz respeito ao tipo de mão-de-obra que nossos vizinhos podem oferecer...

Drunkeynesian disse...

Balu, acho que você tem razão quanto às leis. O fato é que, acho, hoje em dia poucos lugares do mundo têm políticas de incentivo à migração (que eu lembre, Canadá, Finlândia, Austrália; ainda assim, só para gente qualificada).

O "relativamente bom" é uma longa discussão de política econômica, mas parte de uma escolha de prioridades: ou você beneficia, no curto prazo, os trabalhadores ou o capital (isso ficou bem marxista... atirem).

Por que vir para o Brasil? Em teoria, tem melhores oportunidades, é mais perto e menos hostil para a migração... Espanha tem 20% de desemprego, acho que quase 50% para os imigrantes.

Concordo quanto a Buenos Aires. Tristemente, a história da Argentina nos últimos 100 anos é de oportunidades jogadas no lixo.

Danilo Balu disse...

Esses países tem suas razões incontestáveis pra incentivar imigrações...

Acho mais que lógico seu raciocínio que o Brasil tem menor desemprego, mas acho que vale pensar com a cabeça de quem se propõe a isso... assim como vc não vem pro Brasil pra ser desempregado, vc tb não vai pra Espanha pra ser um... acho que vale MTO aquilo de que "eu arranjo um emprego"... vc não liga pra esse tipo de estatística COM VC... "isso não vai acontecer comigo", "comigo será diferente"... enqto tiver gente se dando bem na Europa, eles ainda apostarão mais fichas lá do que aqui.

Drunkeynesian disse...

A questão é se ainda tem gente se dando bem na Europa. Preciso achar o dado, mas em vários casos tem gente voltando para os países de origem. Aqui no Brasil de fato não sei se ainda tem o caso... só consigo pensar nos bolivianos do Brás, ainda assim em um padrão péssimo.

Danilo Balu disse...

Esse é o pto!! Basta o seu ex-vizinho se dar mais ou menos bem pra vc tb tentar mesmo que milhares de compatriotas seus estejam voltando desempregados....
Acho MTO racional NÃO ir, mas as pessoas são ruins em estatística e tb há a questão do desespero... aqui está ruim, lá será pior? Por que não arriscar?? Vale lembrar que (sem dados) acho que quem parte no desespero são os despreparados...

Anônimo disse...

Conheço uma dúzia que foi p Europa e ainda não voltou, nem vai, mesmo os da Espanha.

O ruim lá é melhor que o excelente daqu: respeito, direitos trabalhistas, qualidade de vida.

Europa é toda uma arte e estética de vida, eles só vme pra cá se houver uma nova peste negra, terceira guerra, ou coisa pior.

Os outros latinso tbm estão razoavelmente bem, o Brasil é a locomotiva do cone sul.

Espanhois indo pra BsAs sim eu sei que tem alguns.

Aqui só turismo sexual exótico e olhe lá

Drunkeynesian disse...

Bom, imagino que direitos trabalhistas só valham pra quem consegue trabalhar legalmente, né? Não é exatamente o perfil do latino que vai pra lá no desespero...

Rodrigo, o Soneca, Pontes disse...

Acho que imigração vem mais da expulsão de seu país pelas condições terríveis do que pela atração dos lugares bons.
Especialmente quando não há políticas de incentivos.
A migração interna do norte/nordeste para o sul diminuiu MUITO! Simplesmente pq as condições de viver lá melhoraram. Se você não saiu de lá quando tava terrível, porque sair agora quando está apenas muito ruim? O mesmo vale para Bolivia, Paraguai, Peru, etc.
Imigração não é osmose. O choque tem que ser muito forte para fazer você sair do seu pais.
Sobre a xenofobia, não acho que entra nessa discussão. Claro que, como disse o Balu, aqui tem o sentimento xenofabo. Mas também, como todo país do mundo, esse sentimento só aparece quando as coisas vão mal e precisa de um bode espiatório. Não é o caso do Brasil. Pode ser mais por situação economica do que por cultura, mas que o Brasil é (está) acolhedor isso é.

E o Brasil fez uma politica de legalização de imigrantes ilegais (basicamente bolivianos no Brás) ano passado sim.

E não sei se a lingua é tanto impecilio assim não. Se fosse, não teria tanto coreano e chinês por aí.

Drunkeynesian disse...

Não vai acontecer, mas imaginem que o Brasil, como os países da Europa no pós-guerra, faça uma campanha escancarada de imigração. Vocês não acham que choveria gente da América Latina querendo vir pra cá?

Acho que, na situação atual, faltam incentivos dos dois lados.

Frank disse...

a minha impressão anedótica é de q:

- há muitos bolivianos, paraguaios e angolanos (de outros menos votados da franja lusófona africana) vindo p/ o RJ.

os bolivianos e africanos, provavelmente em situação ilegal (e precária, em geral)

mas concordo q falta institucionalização, e falta governo/soceidade enxergar o potencial estratégico de se receber mão de obra barata e disposta a trabalhar (o q talvez o Brasil aidna possa suprir com nacionais vindo de remotos rincões)

Anônimo disse...

Acho que hoje em dia ainda nao haveria muitos latinos + pobres (paraguaios e bolivianos) querendo vir para o Brasil.

Mas, em 5 a 10 anos, caso a educação pública local continue melhorando e caso os investimentos em infra-estrutura melhorem a mobilidade nas grandes cidades brasileiras acho bastante possível que muitos latinos queiram vir para cá.

A questão é se o governo quererá isso ou não. Há um trade-off aí. Por um lado, mais imigrantes não qualificados reduzirão o ritmo de queda da desigualdade (tem que fazer as contas para saber em quanto!). Por outro lado, mais imigrantes dão mais flexibilidade e melhoram o funcionamento do mercado de trabalho. Muitos dizem que mercados de trabalho que funcionam e acomodam choques bem são fundamentais para expansões econômicas sustentadas por várias décadas (o Barry Eichengreen enfatiza isso nos seus trabalhos sobre Europa no pós guerra).