Nota: era pra eu ter publicado este texto logo depois das eleições, mas demorei e escrevi mais do que eu imaginava, e achei melhor dividir em três partes. As outras duas devem aparecer até o final desta semana.
Tá lá. É a economia, estúpido. Ou melhor: é a economia junto com a sacada genial de que dar dinheiro aos mais pobres tem um custo relativamente baixo e um impacto socioeconômico (e eleitoral) enorme.
Acho que um aspecto essencial (e não muito discutido) do julgamento da qualidade do que dona Dilma vai fazer na economia é que ela está pegando o país perto do topo de uma melhora de muitos anos, ao contrário de Lula, que assumiu quando pouca coisa parecia poder piorar -- para ficar em dois indicadores (devo falar mais sobre o tema em breve), a Selic no dia da posse de sr. Luis Inácio era 25% ao ano, com o Ibovespa a 11 mil e poucos pontos. Só por esse "efeito base", vai ser muito mais difícil para Dilma mostrar serviço, pelo menos para os olhos do espetáculo público. Tenhamos paciência e bom senso, portanto.
Não acho que a qualidade da política econômica vá melhorar ou piorar sensivelmente. Pelo visto (e terrorismos da imprensa à parte), a equipe dos próximos anos não vai ser muito diferente da que está lá agora, pelo bem (a turma do Tesouro, Nelson Barbosa e a maioria do Banco Central) e pelo mal (vossa eminência Mantega e o BNDES -- por mais que eu ache que Luciano Coutinho entenda de economia, parece ter sido engolido pelo o que o coronel Nascimento chamaria de "sistema"). A novidade seria a volta do Palocci, mas acredito que ele é apenas um cara muito bem articulado e que aprendeu a dialogar com o "mercado", não imagino que ele tenha muitas ideias além das já conhecidas.
Listo abaixo os que acredito serem os doze grandes desafios do governo Dilma na economia, independente do cenário global (que, no fim das contas, vai ter um grande peso, senão o maior, no resultado final). Caso consiga atacar todos, Dilma não vai ganhar a imortalidade, mas provavelmente será lembrada por deixar um país mais robusto e preparado para o desenvolvimento:
1 - Baixar os juros
As taxas de juros são a maior aberração da economia brasileira. Todas as explicações para esse fenômeno que apareceram da estabilização da inflação até agora (fatores institucionais, baixa taxa de poupança, indexação, etc - tudo no livro que o Ilan Goldfajn organizou há alguns anos) são incompletas, e só fornecem algum racional quando tomadas em conjunto, o que, de certa forma, equivale a dizer que o juro no Brasil é alto porque aqui toma-se caipirinha, temos a maior população de jogadores de futvôlei e o país é habitat do tamanduá-bandeira -- tudo jogado num modelo vai "explicar" qualquer fenômeno que seja único do país, mas não necessariamente estabelecer uma relação válida de causa e consequência.
Não sou ninguém para desafiar as dezenas de PhDs que gastaram centenas de horas elocubrando sobre o assunto, mas pensemos numa provocação: o juro no Brasil é alto porque o Banco Central quer. Ou melhor, porque o Banco Central acredita que, se o juro for colocado num nível muito mais baixo, a inflação explode. Essa relação não é definitiva -- dá para pensar que a inflação sobe ou cai por um terceiro fator, e o juro acompanha a inflação (caso a turma d'A Mão Visível passe por aqui, já estou ouvindo os gritos de "quermesseiro"). O teste seria encontrar um banco central ousado (irresponsável, dirão alguns) para baixar os juros e esperar para ver o que acontece com a inflação. A literatura corrente já teria até a explicação: o Brasil teria conseguido escapar de um equilíbrio indesejável entre uma determinada meta de inflação e os juros necessários para que ela seja alcançada. Há um equilíbrio com juros altos, que leva a um problema fiscal (juros altos criando dificuldades para financiar a dívida e levando a juros ainda mais altos - a tal dominância fiscal) e um equilíbrio com juros baixos, que alivia o problema fiscal e faz com que a meta possa ser alcançada com um nível menor de juros. Isso deve ser o que o Brasil está buscando, e parece ensaiado entre Fazenda e BC: um ajuste fiscal nada excepcional levando o banco central a, quando a inflação cair um pouco, baixar os juros.
É claro que esse não é um processo suave e sem opositores. Imaginemos os fundos de pensão, cujos cálculos atuariais estão baseados em juros reais de longo prazo ao redor de 6%, trabalhando em um ambiente de juros reais perto dos 2%, que, supostamente, é a meta do governo até 2014. Muita conta de benefícios futuros não vai fechar -- e ninguém vai condenar os gestores por operarem com uma premissa irrealista de retorno dos investimentos, a culpa vai ser das "condições de mercado" (esse filme já está em cartaz nos EUA e na Europa). Outros problemas também vão aparecer, falo deles nos outros tópicos.
2 - Lidar com o problema do câmbio
Estando o real supervalorizado ou não, o fato é que no nível atual de taxa de câmbio as importações aumentam e as exportações se concentram em produtos primários, com o déficit em conta corrente dependendo da conta financeira para ser fechado. Nesse mundo de dólar fraco, volatilidade e juros baixos, várias empresas que só tem receitas em reais estão se metendo a emitir dívida no exterior, tentando baixar seus custos de capital. Em 2008, quando a liquidez externa secou, a mesma situação quase quebrou algumas das maiores empresas do país (sim, o problema foi mais com derivativos, cujo mercado é menos transparente e por isso não é possível afirmar que o nível de alavancagem é o mesmo - imagino que a alavancagem exista, mas seja menor). Dilma terá que lidar ou com o câmbio ainda mais valorizado, e a chiadeira de vários setores e acadêmicos, ou, posteriormente, com as consequências dos excessos de quem achou que o real só poderia se valorizar.
3 - Botar o país na rota do desenvolvimento
A publicação do último IDH lembrou para o Brasil que crescimento é uma condição não suficiente para desenvolvimento (talvez necessária). O país precisa investir no básico do bem estar humano para tentar nivelar melhor as oportunidades dos seus cidadãos. As queixas são conhecidas e nada novas: a educação básica é uma lástima, quase 40% dos domicílios do país não tem saneamento básico, a saúde pública tem inúmeros problemas... A parcela mais pobre do eleitorado, que votou em Dilma de forma maciça, precisa ter mais do que o Bolsa Família para que o país mude de patamar.
4 - Fazer (algum) ajuste fiscal
Esperar alguma melhor na "qualidade" dos gastos parece irreal (o PMDB não permitiria tal extravagância), mas não é pedir demais que o governo entregue pelo menos os tais 3,3% de superávit primário que o mercado tanto quer ver e tente, nesses quatro anos, zerar o déficit nominal (que é o que realmente importa -- superávit primário é um conceito "me-engana-que-eu-gosto" para o FMI que já foi longe demais). Se de fato os juros caírem, essa tarefa nem vai requerer tanto esforço, e colocará o país em uma posição muito confortável em um mundo onde as economias desenvolvidas estão deveriam estar pensando em como vão fazer para pagar pela dívida que acumularam nos últimos anos.
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