O caderno de fim de semana do Valor traz uma matéria muito interessante sobre o ensino de economia na universidade. A mais recente polêmica é entre Edward Fullbrook, professor da University of the West of England e o mainstream do ensino de economia, representado pelos livros-texto do professor de Harvard N. Gregory Mankiw, seguidor da tradição didática neoclássica iniciada pela obra Economics (1948), do Nobel Paul Samuelson.
Fullbrook é autor de um manifesto (vale a pena ler) contra o que ele chama de "livros-texto tóxicos", que resumem a economia a modelos matemáticos que muitas vezes guardam pouca relação com a realidade. Ele defende uma economia mais honesta, pluralista e menos "científica" -- para ele, a economia ortodoxa forneceu a base intelectual para a crise financeira e econômica que estamos vivendo, ao supor racionalidade de todos os agentes e deixar todos os problemas de alocação de recursos por conta do mercado. Na matéria do Valor, a defesa da ortodoxia é feita por Simão Silber, que foi meu professor na graduação. Diz ele:
"A ciência tem formas de se comunicar. Esse formato não é o convencional. O formato da ciência tem um profundo formalismo. No blá-blá-blá pode se errar. Mas se você tiver um modelo matemático, não tem erro. O único erro é você estar com o modelo errado. Mas aí você vai para o mundo real, para a prática, e vê se tem uma boa teoria. Esse papo de diálogo é conversa mole pra boi dormir. Isso não é ciência. Você pode colocar como ideologia, como praxis política, não é ciência. Ciência é: me traga um modelo. Se você tem um modelho melhor que o convencional, que explica tudo que está acontecendo no mundo, ótimo. A ciência faz isso. Fez isso com Ptolomeu, com Newton, na medida em que você tem uma teoria superior. Isso é ciência. Não se trata de diálogo."
O problema, claro, é que o mundo real já atropelou diversas vezes supostas boas teorias -- o planejamento econômico centralizado, o mercado eficiente, a racionalidade humana... O impressionante, no caso da economia, é a arrogância dos seus praticantes, que continuam defendendo suas velhas e ultrapassadas visões de forma quase religiosa. Nas Ciências (com "c" maiúsculo), de fato uma teoria serve até ser desmoralizada por outra -- assim foi com o geocentrismo, com a mecânica newtoniana, com o criacionismo, e assim por diante (no caso da economia neoclássica, talvez seja uma questão de tempo, já que as revoluções citadas não foram exatamente bem recebidas inicialmente e levaram um tempo até alcançarem uma certa unanimidade). Na pseudo-ciência econômica, teorias que já se provaram furadas continuam sendo ensinadas e difundidas como se fossem verdades absolutas. O argumento de que não há uma teoria melhor para substituir a corrente não pode ser usado para se continuar propagando idéias sabidamente erradas -- até porque, até agora, tudo indica que não é possível elaborar uma teoria para explicar relações complexas entre os já complexos seres humanos.
Nassim Taleb, talvez o primeiro grande herói intelectual no campo neste século, coloca (no prefácio para o livro Lecturing Birds How to Fly, de Pablo Triana -- também recomendo a leitura integral) o argumento que acho definitivo nessa questão:
"Traditionally charlatans have hidden themselves behind garb, institutions, and language. Now add fancy mathematics. Robert Merton’s book Continuous Time Finance contains 339 mentions of the word theorem (or equivalent). An average physics book of the same length has 25 such mentions. Yet, while economic models, it has been shown, work hardly better than random guesses or the intuition of cab drivers, physics can predict a wide range of phenomena with tenth-of-a-decimal precision."
Como prega o moto deste blog (na coluna da direita), um pouco de humildade para os economistas faria muito bem ao mundo.
sexta-feira, 26 de junho de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário