quarta-feira, 15 de maio de 2013

Brasil, na contramão do mundo

A tabela abaixo é uma versão resumida da que aparece no ótimo Central Bank News (tirei os países menores e quem não mexeu nos juros este ano).


Com exceção de Brasil e Egito (poupem os comentários da "mistura do Brasil com Egito", por favor), há um padrão claro: o mundo está cortando juros, ou, quando esses já estão muito próximos a zero, embarcando em outros experimentos monetários menos católicos (estou pensando em EUA e, sobretudo, Japão). O crescimento global aparentemente está mais lento do que se esperava, preços de commodities vêm caindo e, como consequência desses dois fatores, a inflação está caindo em boa parte do mundo. Para pegar um caso típico: na Turquia, o índice de preços ao consumidor acumulava alta mais de 11% nos doze meses terminados em abril do ano passado; hoje, a mesma medida é de pouco mais de 6% (e o banco central turco deve seguir cortando juros amanhã, para uma taxa real ainda mais negativa).

O Brasil compartilha do problema global de crescimento, mas por aqui a resiliência e o patamar da inflação fazem com que muita gente sensata ache que o BC deveria divergir ainda mais do padrão mundial e subir os juros mais rapidamente. Grande parte da explicação para isso está numa peculiaridade do mercado de trabalho, também divergente do resto do mundo, com baixo desemprego e salários reais em alta. Essa explicação, por sua vez, encontra raízes em uma combinação de forças demográficas (tem uma matéria bacana na última piauí sobre isso, ainda fechada para não-assinantes) e um governo francamente trabalhista, que fez da indexação do salário mínimo uma de suas principais políticas de redistribuição de renda.

Disso todo mundo já sabe. A questão agora é: como evitar que o cenário atual vire uma estagflação prolongada ou mais acelerada? Não há resposta fácil (claro que o leitor chegou até aqui esperando uma solução mágica, desculpo-me). Nos EUA, a estagflação dos anos 70 terminou com o choque de juros comandado por Paul Volcker e a desmontagem progressiva do poder dos sindicatos durante o governo Reagan. Aqui, creio, antes da eleição do ano que vem será feita uma tentativa de não mexer muito nos juros, e, ao menos enquanto o poder estiver nas mãos de um partido criado a partir de sindicatos, uma saída daquele tipo parece altamente improvável (e lenta, de qualquer maneira).

Me parece que, atualmente, a maior aposta do governo é que as medidas de desoneração passadas e futuras vão, algum dia, resultar em uma dinâmica deflacionária - pouco provável, com base no que aconteceu com um dos maiores possíveis, a queda dos preços de energia elétrica. Tudo isso enquanto se torce para que não ocorra um novo choque desfavorável nos preços de alimentos e tentando evitar que o aperto no mercado de trabalho se resolva com empresas demitindo e desemprego aumentando a meses das eleições. Equilíbrio complexo e delicado, como se nota.

Tendo sucesso em não "balançar o barco" até as eleições e mantida a essência da conjuntura atual, creio que em 2015 o Brasil permitirá uma forte desvalorização cambial, alta de juros e, eventualmente, uma recessão. Porém, há muitas variáveis fora do controle dos nossos planejadores, e as condições de mercado podem adiantar esse ajuste. Muito cedo ainda para especular sobre esse timing, mas é difícil ficar animado com a economia brasileira nos próximos anos (com a ressalva que a situação atual, enquanto mantida, é muito boa para grande parte da população).

19 comentários:

Anônimo disse...

Essa ressalva aí é bem relevante, né?

Drunkeynesian disse...

Claro, a questão é o quanto é possível mantê-la. Estamos longe de ser a Noruega pra tocar a bola de lado por mais 5 gerações.

iconoclastas disse...

"creio que em 2015 o Brasil permitirá uma forte desvalorização cambial, alta de juros e, eventualmente, uma recessão."

otimista.

Antonio disse...

qual seriam as condições de mercado que adiantariam este ajuste? Um menor fluxo para financiar o déficit em TC que levaria a uma deval do R$/USD e a alta da inflação? ou um aumento do desemprego pq finalmente os empresários cansaram de ter margens cada vez mais espremidas? ou outra via?

abs
Antonio

give lincenca disse...

Pergunta: quanto tempo de crescimento pífio leva para fazer empresas demitirem?

Que esse tempo seja menor do que a distância até as eleições me parece uma aposta segura

C.E.C. disse...

Caro,

Não lhe parece que o aumento dos juros pelo BC teve como objetivo prioritário influenciar as expectativas do mercado? Sendo assim, o Brasil não estaria, rigorosamente, na contramão do mundo, na medida em que o aumento dos juros teria razões completamente específicas, ao tentar dissipar a possibilidade de consolidar-se a impressão de que a não alteração da Selic devia-se a uma cegueira ideológica.

Além disso, também não lhe parece que o ajuste do mercado, ao invés de constituir tendência futura, é muito mais um processo em plena execução? Se isso for pressuposto, pareceria provável que o gradual ajustamento do mercado, uma vez finalizado, poderia conduzir a novo ciclo de crescimento, ainda que a ritmo mais lento. Por fim, acho muito mais provável que o governo, uma vez reeleito, apostasse em uma repactuação da política salarial com os trabalhadores, em benefício de uma política muito mais moderada, do que permitir uma recessão econômica.

Anônimo disse...

Fazendo exercício de hipóteses ...

Quais seriam os triggers que tornariam impossivel esperar até 2015 ??

Se nao tivéssemos eleições em 2014, acha que o Gov soltaria o cambio ano que vem ??

Abs

André disse...

O problema de deixar o câmbio cair até um patamar mais realista é o endividamento das empresas privadas em dólar.

Drunkeynesian disse...

Antonio, sem dúvida o ajuste via balanço de pagamentos e câmbio é mais rápido e drástico, acho que vai acontecer antes do mercado de trabalho mudar.

Muricy, boa pergunta, eu achei que este ano o desemprego já fosse subir, mas não está com cara. Mercado muito resiliente, deve ter 500 explicações pra isso (talvez a principal é que é muito caro demitir e contratar de volta).

CEC, sim, o aumento de juros é uma sinalização para o mercado, até porque o BC não parece disposto em aumentar o suficiente para fazer alguma diferença em atividade / inflação. Ainda assim, a dinâmica da inflação aqui é muito distinta do resto do globo.

O ajuste de mercado está em execução, mas é inibido pela atuação de um player muito grande (o BC). Não fosse isso, o câmbio poderia depreciar mais rápido.

Se o governo reeleito conseguir fazer esse pacto social, acho que seria muito bom para o país. Acho improvável, porém. A estratégia dominante para os sindicalizados é não ceder...

Anon, triggers que vejo como possíveis: queda muito forte de commodities e piora abrupta de termos de troca, ou alta muito forte de alimentos levando a inflação para acima do centro da meta, ou volta de crise deflacionária no mundo desenvolvido... Acho, sim, que o governo soltaria o câmbio na segunda-feira se ganhasse eleições no domingo. É das peças que faltam para a implementação completa do "desenvolvimentismo" (se vai ou não dar certo, outra história).

Anônimo disse...

O texto está confuso. off-topic: mais um indicador para os comparativos entre a Venezuela e outros países, a escassez de papel higiênico.

JGould disse...

Além dos triggers mencionados pelo DK acima, o aumento dos juros nos EUA tbm vai valorizar o US$!

Anônimo disse...

Meus caros,
Dois pontos relevantes nesta discussão:
1- O crescimento anterior e o forte aquecimento do mercado de trabalho se deu via aumento do endividamento brasileiro (público + privado). Estamos batendo em nossa capacidade produtiva. O aprofundamento disto gera só mais inflação (e endividamento adicional).
2- Os agentes estão claramente descrentes na sustentabilidade deste processo (taxas de investimento despencando há muito tempo).
3- A produtividade da economia está indo para as cucuias com as intervenções deste governo. O risco regulatório foi para o espaço (afugentando os investidores privados) e o governo não tem como investir (ou continuar suas políticas fiscais expancionistas).
4- Quando a porca torcerá o rabo? Quando este financiamento esquisito parar (devido a alguma problema internacional).
5- Quando o mercado de trabalho irá sofrer? Quando a demografia (assunto do tópico) não ajudar.
6- Quando isto influenciará as eleições? Quando tivermos oposição. Da situação em que estamos (oposição de férias há muito tempo), o governo continua levando esta - vem cá, esperar que a situação econômica se deteriore o suficiente para acabar com o capital político do governo na iexistência de oposição é dose. Nesta situação, vamos esperar muito tempo!!!!
Saudações

Anônimo disse...

O GRANDE PROBLEMA DA MAIORIA DOS PAÍSES É DEFLAÇÃO, ops, aqui é inflação, e tbm o recorte de tempo é tendencioso, tivemos queda recorde a depender do corte

Anônimo disse...

Caso não ocorra um crash nas commodities ou um movimento rápido do FED nos juros (ou ambas) deflagrando uma deval por força maior, pergunto se seria interessante para a recém eleita FORÇAR o doleta para cima? Sem pílulas de veneno ortodoxas, iríamos para uma semi-argentinização. E a recessão leve poderia virar uma recessão grave, com direito a vermos emprego/crédito deteriorando e provocando um estrago. A demografia vai manter o desemprego nesse nível? Acho que não.
Penso que em 2015 vão tentar fazer de tudo um pouco, mas muito pouco mesmo para não balançar nem fazer marola.
Maradona

Dionísio disse...

Drunk,

Boa análise como sempre, mas discordo de você e da maioria dos comentaristas em um ponto. Movimentos nos juros que não alterem significativamente a produção e o emprego (mas que sinalizem) são eleitoralmente neutros. As pessoas não se interessam por esse assunto, ou marginalmente. O Beluzzo mesmo disse, o que é a selic ir até 8? natural.

Por isso duvido de grandes rupturas, a não ser que importadas. não acho que o João Santana esteja deixando de dormir por conta de um PIB de 1% enquanto emprego e renda estão tão altos.

No campo eleitoral, gostaria de saber suas reflexões sobre dois cenários. Dilma x Aécio, com Campos voltando pro governo e Marina afundada no lodo do Feliciano e da rede insustentável, e Dilma x Aécio x Campos x Marina. Quais são as consequências econômicas de o governo sentir que tem uma retaguarda mais sólida?e o contrário?

Anônimo disse...

"Por isso duvido de grandes rupturas". Concordo, porrada no câmbio sem pol. fiscal e monetária de acordo iria provocar inflação acima do teto, nenhuma industrialização, greves por reposição salarial e um cheiro de enganação eleitoral... Seria uma longa e incerta travessia, será que algum político tentaria por livre e espontânea vontade?
Por incrível que pareça, os juros podem ser a ferramenta mais simples, poderiam voltar para 9,5% (acho q seria o teto até o FED piscar), podendo ser revertido em 2014, seria o caminho menos complicado para a política e para manter tudo como está.
Maradona

Drunkeynesian disse...

Anon @ 16 de maio de 2013 10:42:

O Brasil depende relativamente pouco de financiamento externo - ou pelo menos dependia até pouco tempo. Muito do financiamento vem do próprio governo, o que por um lado ameniza problemas de sudden stop, mas cria um problema fiscal. Ocorre que, como o fiscal melhorou muito depois de anos de meta de superávit primário, este é visto como onde tudo se ajusta, até que uma hora passe a ser problema (ainda parece longe de ser).

Acho que oposição voltará a ter vez com economia pior. Quando tudo anda bem, todo mundo orbita em torno do poder (penso aqui na tese da PMDBização, do Marcos Nobre).

Maradona, acho que não precisa forçar a desvalorização, o mercado acaba fazendo por conta própria. A pergunta é se uma vez isso acontecendo, a reação do governo vai ser voltar para a ortodoxia (subir juros, regular o gasto do governo) ou se enfiar de vez numa aventura de padrão argentino. E demografia importa bastante para emprego, mas não é o único fator.

Dionisio, provavelmente você tem razão, o que conta pra eleição é desemprego e massa salarial, importam menos o PIB e os juros. Só acho que o PT não vai abrir mão da bandeira de "baixamos os juros quando os neoliberais não achavam isso possível", mas pra isso basta que não voltem aos patamares pré 2011.

Minhas análises políticas são meio de boteco, mas vamos lá: acho que todos esses cenários que você mencionou se desenrolam em função da economia. Se piorar e a oposição tiver alguma chance de vencer, acho mais provável que aparece uma aliança Aécio / Campos em algum momento (talvez num segundo turno, com Campos saindo candidato e tirando alguns votos do PT no NE). Se não, mais provável que o Campos se alinhe com o governo e tente se cacifar para disputar como candidato de uma coalizão com o PT em 2018. A Marina, acho, vai tentar ser uma terceira via e, em condições normais, ter menos votos que em 2008.

paulo araujo disse...

Bons post e comentários. É ótimo passar aqui.

Anônimo disse...

Não sou economista, nem tenho a pretenção dar lições de economia para um bando de economistas malucos que frequentam o blog, mas o que percebo no meu cotidiano como empresário é que enquanto não realizarmos:
1) mudanças estruturais na cadeia produtiva, aumentando a eficiência dos investimentos na produção (foco especialmente em logística e educação);
2) revisão do sistema tributário - incluindo a revisão da oneração do investimento e da contratação como um todo e não apenas em setores queridinhos do Seu Mantega e;
3) abertura do mercado Brasileiro para bens de consumo e de capital importados (sem que a política fiscal, a burocracia e o BNDES protejam a produção ineficiente e incentivem o monopólio);

Vamos viver nessa "punheta" (desculpem o termo mas achei o mais apropriado), de juros vs. inflação que anda pra frente e pra trás e não sai do lugar.

mas a discussão toda é valida e o blog tá mto bom..

abraço

bruno