segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Leilão dos aeroportos - voa, Brasil!

Comecei a colocar opiniões no twitter, mas a limitação dos caracteres deixou tudo muito confuso. Melhor exercitar a verborragia aqui:

- A notícia é esta: o governo vendeu as concessões de três aeroportos (Cumbica, Viracopos e JK - Brasília) por R$ 24,5 bilhões, ágio médio de espantosos 347% - foi de "apenas" 160% no caso de Viracopos e absurdos 673% para Brasília. Esses números já deveriam levar algum observador atento a perguntar se (i) o preço inicial não foi subestimado ou (ii) o valor pago é fora da realidade.

- Para pegar um dos casos e fazer algumas contas de padaria (já me perdoem as simplificações): o aeroporto de Heathrow, em Londres, é o terceiro mais movimentado do mundo em tráfego de passageiros (e primeiro em tráfego internacional. No ano passado, foram transportados em Heathrow quase 69 milhões de passageiros, mais que o dobro do que em Cumbica, e o aeroporto rendeu de lucros para seus concessionários (um consórcio de empresas do Canadá, Cingapura e Espanha) pouco mais que 1 bilhão de libras (R$ 2,7 bilhões, ao câmbio corrente).

- Vamos ser generosos e assumir que a operação no Brasil é espetacularmente lucrativa e promissora, e que Cumbica conseguirá entregar, na média dos 20 anos da concessão, lucros anuais iguais aos de Heathrow (só lembrando que a Infraero apurou lucros, em 2010 - último balanço disponível - de R$ 234 milhões). Ao pagamento de R$ 16,2 bilhões, devem ser somados investimentos previstos de R$ 4,6 bilhões até o fim da concessão, o que implicaria num desembolso total pelo comprador de R$ 20,8 bilhões. Numa dose extra de generosidade, não considerando os custos de oportunidade, o investimento se pagaria em pouco mais de 8 anos. Para tirar a generosidade, basta estimar um tamanho de Cumbica como proporção de Heathrow e isso afetaria o múltiplo de maneira linear (ou assim pode-se assumir, creio). Se considerarmos, por exemplo, que Cumbica vai continuar sendo meio Heathrow, o prazo para que o investimento se pague passa para 16 anos (amigos que trabalham com valuation, tentem conter a vontade de me espancar - como dito, são contas de padaria, só para uma avaliação superficial).

- Por esses múltiplos, eu diria que o governo fez um bom negócio com as vendas (ou pelo menos não vendeu a preços escandalosamente baixos). Ou melhor, teria feito se recebesse tudo em dinheiro do setor privado: no caso de Guarulhos, entre os compradores estão fundos de pensão estatais, que, em teoria, têm recursos próprios, mas certamente serão bancados pelo Tesouro caso tenham problemas de capitalização no futuro. Além disso, o BNDES pode financiar, com juros subsidiados, até 80% dos investimentos a serem feitos pelas concessionárias. Essa mistura de subsídios cruzados com risco moral torna a avaliação muito mais difícil, mas certamente menos favorável para o vendedor. Se o valor fosse efetivamente pago em moeda corrente e tivesse que bancar todos os investimentos, provavelmente o ágio não teria sido tão alto.

- Torço muito para que as concessionárias consigam lucrar e pagar seus acionistas e credores - até porque, caso isso não aconteça, a conta volta para o governo: ou na forma de calote nos empréstimos no BNDES, ou em mais subsídios para que a operação, que não pode parar, se sustente. Voa, Brasil.

P.S. Uma opinião mais embasada, da analista da Merril Lynch, que diz que "as ofertas não foram totalmente irrealistas, mas não deixam margem para erro".

13 comentários:

Daniel V. disse...

Não se pode confundir correlação com causa e efeito, mas parece que não foi um bom negócio parece...
http://www.valor.com.br/financas/2519508/vencedora-do-leilao-de-viracopos-triunfo-registra-queda-na-bovespa

Drunkeynesian disse...

Bem, por esse critério, se não foi bom para a compradora (que pagou caro), foi para o governo. Como sou contribuinte e não sou acionista da Triunfo...

Daniel V. disse...

Lembrando que com o argumento de diversificar investimentos alocando + em PE (mas com o objetivo de realizar pol. economica) a FUNCEF ja adquiriu participações em empresas "altamente produtivas" como a Gradiente. Alias eles ja foram até proíbidos de comprar LFT se não me engano.

Drunkeynesian disse...

Gestão dos fundos de pensão é um escândalo. Pra pegar esse caso, nem pra verem o que aconteceu com os endowments e fundos de pensão nos EUA depois da crise... diversificação não adianta nada quando as correlações se mexem para 1.

Frank disse...

"Essa mistura de subsídios cruzados com risco moral torna a avaliação muito mais difícil, mas certamente menos favorável para o vendedor. Se o valor fosse efetivamente pago em moeda corrente e tivesse que bancar todos os investimentos, provavelmente o ágio não teria sido tão alto."

é verdade, tudo isso mascara qq apreensão + correta da operação.

de qq forma, suas contas estão MUITO generosas.

o valor pago fom MUITO elevado.

ágio médio de 370 % ?!?!?!?

de 2, uma: ou (1) o preço referência foi uma piada, ou (2) as empresas são péssimas precificadoras....

como diria um famosos humorista, só há uma explicação: aí, tem....

Drunkeynesian disse...

Tem... a turma que ganhou as concessões é profissional, não está no ramo de correr (muito) risco.

Frank disse...

"Esses números já deveriam levar algum observador atento a perguntar se (i) o preço inicial não foi subestimado ou (ii) o valor pago é fora da realidade."

- putz....comentar sem ler é ph0da !

eu escrevi exatamente o q vc disse...

Drunkeynesian disse...

hahahaha, acontece...

iconoclastas disse...

boa.

por princípio eu achei ótimo. já há prova real suficiente da incompetência dessa gente para gerir qq negócio que seja, e "receber" um monte de dinheiro para deixar de fazer mais bobagem é o melhor dos mundos. tem que ver que o preço tb embute o valor do "relacionamento". não é à toa que, como de hábito, grandes empreiterias fazem parte dos consórcios.

Anônimo disse...

tem outros probleminhas na sua conta: a Infraero será sócia do empreendimento, com 49%, o que significa que ficará com metade do lucro. Além disso, uma parte da receita será confiscada pelo governo, se não me engano 16%. A conta não fecha.

Drunkeynesian disse...

Bem colocado. Que dureza...

Anônimo disse...

Governo comprou dele mesmo.

Marcelo Novaes de Oliveira disse...

Em suma, o governo bancou a própria privatização. Nice (momento Brazil WTF).