(Eu já devo ter prometido algumas vezes que não ia falar mais da Grécia, mas não me segurei. Conto com a compreensão do leitor.)
Irrito-me ao ler a expressão "ditadura de mercado" para definir a situação da Grécia: sendo "forçada" a aceitar cortes de orçamento e se comprometer com políticas austeras sugeridas pela "troika", Berlim ou quem quer que seja. Vendo só por esse lado, parece que a Grécia chegou no ponto em que está do dia para a noite, sem colher nenhum benefício e sem nenhuma aprovação de sua população.
Austeridade é o preço cobrado para que a Grécia continue no euro e evite um calote da dívida. É um caminho escolhido - e, se não do jeito mais democrático possível, a população nas ruas é a manifestação dessa insatisfação. Outros caminhos são possíveis, com suas devidas consequências: sem austeridade, não há dinheiro do FMI / União Européia; sem o dinheiro, a opção é o calote e desvalorização da moeda. Inúmeros casos na história mostram que há vida depois disso. O que não é aceitável, e é o que deveria estar claro desde que o país entrou no euro, é continuar desrespeitando as regras de um acordo e continuar se beneficiando dele.
A dívida da Grécia foi acumulada por políticos gregos, eleitos por cidadãos gregos que, com maior ou menor participação, se beneficiaram do período de endividamento. E, no fim das contas, quem vai decidir o destino do país e vivê-lo depois são esses mesmos gregos, que, se ficarem insatisfeitos com os resultados da austeridade, votarão em quem a desafie ou seguirão ocupando a Syntagma até que o governo atual caia e convoque eleições. Assim deve funcionar a democracia; o resto é coitadismo ou Lei de Gérson aplicada. Os gregos devem e merecem ser tratados como adultos, como foram os brasileiros, argentinos, russos, mexicanos e islandeses do passado recente.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
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5 comentários:
Ótimo texto! Só discordo, em parte, da última frase. É fácil perceber que os latino americanos, em sua grande maioria, continuam achando que o FMI é uma entidade dirigida pelos EUA com o objetivo de expropriar dinheiro dos mais pobres. Ou seja, para nós (latinos) o caminho do calote era o menos custo. Pra Grécia acho que ainda não está claro qual o custo de sair do Euro.
Se for pra colocar de forma antagônica, parece claro que o FMI defende interesses sobretudo dos credores, então de fato o calote é uma alternativa menos dolorosa. Acho que a real é mais cinzenta: ninguém quer o FMI, mas poucos conseguem viver sem poupança externa, e a condição pra isso é ter alguém pra emprestar, o que o calote dificulta.
Acho que há um pouco de falta de conscientização econômica da população: quando a situação externa está favorável, as pessoas não identificam exatamente os benefícios com suas origens; quando a situação piora, o FMI aparece como o grande vigário do "imperialismo".
Por outro lado, pode haver alguma racionalidade nos anseios da população se os gregos acharem que a UE não esteja disposta a arcar com as incertezas de um calote e vai acabar cedendo os auxílios mesmo sem austeridade. Se eles acham isso, também é natural que reputem seus governantes "austeros" como laciaios dos estrangeiros...
Brilhante. Em quatro pequenos parágrafos, vc colocou, com clareza, tudo que eu penso e que tento desesperadamente explicar pra todo mundo e não consigo.
Na minha opinião, o preço para se manter na União Européia se tornou caro de mais para os gregos. O sinal dado por alemães e franceses é claro: não queremos mais os gregos no clube. Por mais conservadores que sejam as autoridades econômicas européias, eles terão que assimilar um possível calote grego. Mas, não custa lembrar aos incautos, não será o fim do mundo nem a crise final do capitalismo.
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