quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Atualizando os pitacos sobre a bolha imobiliária

O post que escrevi há pouco menos de um mês sobre a possível bolha imobiliária no Brasil foi, provavelmente, o mais lido (e, seguramente, o mais comentado) da curta história deste blog. Como preciso atrair audiência para vender o blog enquanto a bolha 2.0 não estoura atualizar os caros leitores, aí vai uma sequência de alguns tópicos revisitados, aproveitando coisas que descobri e alguns valiosos comentários.

1. O trabalho mais interessante que vi sobre mercado imobiliário no Brasil nesse tempo foi esse estudo, produzido pelo coordenador do Núcleo de Real Estate da Poli-USP (NRE), o professor João da Rocha Lima Júnior. Mais interessante ainda foi descobrir que existe tal entidade e atestar, mais uma vez, o tamanho da ignorância. Não consegui descobrir quando foi fundado e não lembro da existência dele no tempo em que frequentei a Escola (até 2002), então imagino que seja coisa relativamente recente. O núcleo tem hoje 18 pesquisadores e uma produção bastante consistente, em muitas áreas relacionadas ao mercado imobiliário. Os amigos engenheiros consultados disseram que o professor Lima Jr é muito respeitado na área; enfim, fica mais do que recomendada uma boa visita ao site do núcleo e o acompanhamento das publicações deles.

Voltando ao estudo: o professor começa fazendo questão de deixar claro que "bolhas de mercado não podem ser projetadas, nem em escala de valorização inadequada, nem em prazo para aparecer e desvanecer". Já ganha pontos: uma coisa é enxergar uma bolha, outra é tentar identificar onde ela começa e termina. Para ele, a variação nos preços de imóveis devem ser explicadas por cinco fatores estruturais: (i) o preço dos terrenos, (ii) os custos de obtenção do direito de construir, (iii) o crescimento dos custos acima do INCC, (iv) o crescimento dos custos de construção devido à natureza dos processos utilizados no mercado e (v) as margens de segurança colocadas pelas construtoras. Ele acredita que, a partir do início deste ano, os preços descolaram claramente dos custos reais de construção, enquanto os outros fatores ficaram mais ou menos fixos.

Daí a achar que esse descolamento é o início de uma bolha é uma questão de semântica. O professor diz que uma bolha depende de três fatores: crédito irresponsável, investidores desinformados e forte presença de capital especulativo, reconhecendo que, no caso brasileiro, apenas o segundo é claro. A alta dos preços, desacompanhada de uma alta equivalente nos aluguéis, fez com que o retorno esperado para o investimento em imóveis seja muito baixa (mais adiante), com o lucro dependendo da revenda do imóvel a um preço mais alto, para alguém que preste ainda menos atenção nos fluxos futuros - a definição clássica da the greater fool theory.

Quanto às taxas de retorno, o estudo tem várias simulações. uma delas leva em conta a compra de um imóvel comercial em construção (entrega em três anos) ao preço teórico de R$ 8.700 por metro quadrado, que, considerando os valores de aluguel correntes, equivaleria a um fluxo com retorno bruto anual de 10% (acima da inflação) para o investimento, por 20 anos. Os 10%, com premissas ideais (aluguéis seguindo o IGP-M, sem períodos com o imóvel vago, sem investimentos adicionais no imóvel, etc) e descontado o imposto de renda e outros custos implícitos na espera da obra, viram 5,76% ao ano.Com premissas menos ideais, considerando variações não favoráveis nos aluguéis e no tempo do imóvel vazio, os retornos reais ficariam perto de 3,5% ao ano. Para todos esses cálculos, a maior parte do retorno calculado é o valor do imóvel no final dos vinte anos (nas simulações, esse valor apenas acompanha a inflação no período), e aí voltamos para a greater fool theory: com todos os riscos no período, só vale comprar se, amanhã ou daqui a vinte anos, aparecer alguém disposto a pagar mais. Levando em conta o custo de oportunidade, muito mais: se o imóvel dobrar de preço real no período de 20 anos, o retorno terá sido algo como 7,5% ao ano acima da inflação, enquanto um título do governo terá pagado algo como 6,25%.

O exercício acima é teórico, e parte de um preço por metro quadrado arbitrário - alto para algumas regiões, mas que já ficou para trás em muitos casos. A conclusão é que muito do dinheiro que foi investido no setor nos últimos anos muito provavelmente não será remunerado de forma a compensar os riscos envolvidos (isso deve valer para muita coisa no Brasil, mais ainda se o investidor converteu moeda estrangeira para entrar aqui, mas isso é outra história). Se isso, junto com uma eventual fuga para liquidez, desaquecimento da economia ou mesmo queda nos aluguéis quando o aumento da oferta de novos imóveis for sentido no mercado provocará um estouro de bolha, é discutível: no geral a alavancagem do comprador de imóveis no Brasil é baixa (os recursos são provenientes, em sua maioria, de poupança prévia, e não do crédito); achar que comprar imóveis nos níveis de preços atuais é bom investimento requer achar que haverá mais uma rodada de reprecificação no mercado - talvez possível, mas, a meu ver, pouco provável.

Para os interessados no assunto, recomendo fortemente a leitura do trabalho inteiro, lá tem todo o racional e os resultados de todas as simulações rodadas para os resultados acima.O NRE lançou, em outubro do ano passado, um livro sobre análise de investimentos em real estate; pela qualidade dos insights que descrevi acima, dá para recomendar antes de ler, também.

2. No post passado, eu mencionei um caso anedótico de um apartamento comprado em 2001, cuja variação de preço foi de 223%, contra quase 290% do CDI acumulado no período. Leitores atentos notaram, com toda razão, que a besta aqui esqueceu de colocar na conta os eventuais aluguéis recebidos nesses anos e a aplicação deles no CDI. Refazendo rapidamente a conta, considerando um aluguel inicial anual de 7% do valor do imóvel, correção anual pelo IGP-M e nenhum mês vago, o proprietário teria recebido, entre aluguéis e juros da aplicação, algo como mais 1,5 vez o valor inicial do investimento - e a conclusão sobre o retorno  muda radicalmente. Vou colocar um update no post antigo e me aplicar algumas dezenas de chibatadas.

3. Um leitor que está pesquisando o assunto recomendou este paper, publicado pelo FMI em 2001, como um bom ponto de partida. Não consegui ler ainda, mas também fica recomendado.

4. Alguns leitores citaram o risco, no caso brasileiro, da securitização de recebíveis ligados ao mercado imobiliário (CRIs, FIDCs, etc). Não acho que se assemelhe ao caso americano, já que aqui essas operações são feitas sem alavancagem adicional e o mercado de derivativos de crédito é inexistente - na prática, trata-se de uma transferência de um valor presente descontado, sem multiplicação dos riscos. O Alexandre notou também que aqui, ao contrário de em muitos mercados desenvolvidos, parte substancial do risco dos empréstimos fica na carteira dos próprios bancos, que teriam, portanto, incentivos para uma análise de crédito mais criteriosa.

5. Dois blogs têm feito um bom trabalho ao acompanhar o mercado imobiliário brasileiro e temas a ele relacionados: o Housing Market BR e o Bolha Imobiliária no Brasil (mais tendencioso, evidentemente). Ficam aqui recomendados; quem souber de mais algum, me avise.

5 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Drunk, li o estudo da Poli e vou destacar um ponto. Segundo o próprio estudo, eles tomaram por opção não considerar a depreciação do imóvel e seus custos de manutenção e extras. Portanto é um estudo bastante conservador.

Como eles se desviaram disto, fui eu pesquisar e achei coisas interessantes: primeiro, a diferença entre o valor de um imovel novo e de um em diade média chega a 60%. Segundo: os custos de manutenção podem ser contabilizados em cercade 5% ao ano, e confere com a realidade, raramente vemos imóeis com mais de 50/60 anos, enstes casos ou são demolidos ou abandonados, em raros casos a reforma costuma custar quase que um imóvel novo.

Portanto imóvel é um bem de consumo como qualquer outro, como um carro, de consumo lento, que deprecia e custa manter.

A idéia da valorização eterna e infinita é errada.
O estudo da Poli é conservador ao extremo e por isso quase impossível de contestar, talvez mani dos engenheiros em por 50% de segrunça em tudo o que faz.

Ou seja a coisa é isso ou pior, ou bem pior.
Frequento o bolhaimobiliaria.com e afirmo que o titulo é tendencioso mas os participantes não. Eu mesmo não acreditava em bolha quando entrei a primeira vez e tive discussões saudáveis que me fizeram mudar de visão

Frank disse...

"Ele acredita que, a partir do início deste ano, os preços descolaram claramente dos custos reais de construção, enquanto os outros fatores ficaram mais ou menos fixos."

a partir deste ano (2011) ?

o meu "sentimento" - q pode ser péssimo conselheiro, admito - é de q o descolamento vem de antes - talvez 1, até 2 anos antes disso.

n'outro ponto, concordo q o termômetro real p/ medir o fôlegoreal dos demandantes por moradia é o aluguel - q não dá pra enganar / postergar com crédito, pagamento parcelado em 20 anos, etc.

uma coisa q o pessoal tem apontado lá no bolhaimobiliaria - não conferi - é o fato de haver uma qtde proporcialmente grande de imóveis à venda, em relação locação.

a valer essa informação, é sinal de algum desequilíbrio.

Anônimo disse...

Prezado Sr. Drunk, sinto te informar mas o site housing market recomendado pelo senhor tem um viés completamente contaminado pelo mercado, tanto é que já foi quase que abandonado pelos leitores.

Andre disse...

Entrevista com Eduardo Zylberstajn, coordenador do Fipe Zap:

http://housingmarketbr.blogspot.com/2011/08/entrevista-com-eduardo-zylberstajn.html

Sinto te informar Anonimo, mas o blog não só continua movimentado, está cada vez mais bem frequentado.

Abs

Me disse...

Eita, ranço...