quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Breve comentário sobre o Copom de hoje e os juros no Brasil

O governo brasileiro segue se comportando como um fundo macro: agora resolveu prever uma recessão mundial e, mais do que isso, agir com base nessa premissa. Promoveu uma nova rodada de ajuste fiscal, que, em sua essência, simplesmente reconhece que a arrecadação deste ano foi melhor do que a esperada e que a meta anterior seria atingida em setembro ou outubro - o excedente, que depende de pouco ou nenhum esforço adicional,  foi acrescido à "nova meta". Os compromissos para o futuro distante ficam para serem testados, até porque se, de fato aparecer uma recessão, a política deveria voltar a ser expansionista (anticíclica). Avisados os russos, o Banco Central deve hoje incorporar no seu discurso e na sua intenção de política monetária futura o "aperto" equivalente ao novo "esforço" fiscal, e sinalizar não só o fim do ciclo atual de altas nos juros, mas um novo ciclo na direção oposta. De alguma forma, todos torcem para um novo choque deflacionista, como o de 2008.

Mais curiosa do que esses desenvolvimentos foi a reação do mercado que, avisado ou não, resolveu por um tempo deixar de lado a inflação rodando a 7.2% ao ano (esse provavelmente será o IPCA acumulado nos doze meses que terminam em agosto) e promoveu Mantega & sua trupe da condição de "gastadores" para a de "fiscalistas". Os juros futuros desabaram, e é esperado que sigam caindo.

Algum leitor mais atento, antecipando uma crítica e lembrando das inúmeras vezes em que pedi coragem do país para baixar os juros, deve estar estranhando o tom deste texto, com alguma razão. Eu imaginava uma convergência por outros meios: ou com a inflação caindo (por algum choque) e algumas medidas de desindexação acompanhando, ou, em caso de uma nova recessão mundial, com cortes mais ousados do que os de 2008, partindo de um patamar inicial mais baixo. O fato é que, durante agosto, nada disso aconteceu (sim, os mercados ensaiaram um pânico, mas nos últimos dias este parece ter se afastado), e mercado e governo passaram a compartilhar a mesma visão de futuro, algo muito raro por aqui.

É possível que de fato estejamos presenciando o início de uma revolução, e toda revolução, como bem lembra o Tony Judt, tem vencedores e derrotados: teriam perdido os que apostam que "desta vez nunca é diferente" e ganhariam os visionários ou insiders - estes aparentemente presentes em grandes volumes. Também é possível que em mais algumas semanas acabe o affair do mercado com o governo, e muitos passem a questionar a viabilidade do "plano Dilma". No fundo, o que me parece certo e difícil de admitir para alguns é que, possivelmente com erros de timing, a previsão de uma nova recessão global vai se mostrar acertada, e que, ao seu estilo atrapalhado, o Brasil parece ter dado alguns passos irreversíveis na direção de juros compatíveis com o resto do mundo. É tolo contar história antes do acontecido e previsões são, geralmente, atiradas ao lixo em pouco tempo. Ainda assim, acredito que, nos finais dos próximos anos, os juros por aqui estarão mais baixos do que começaram, e Dilma e sua equipe poderão ostentar esse mérito por muito tempo.

P.S. Com juros sensivelmente mais baixos e o PIB nominal crescendo a, digamos, 7% ao ano, a trajetória da dívida / PIB é escandalosamente cadente, o que alimentaria juros mais baixos.

P.P.S. Ontem o Gustavo Franco disse que a situação fiscal do Brasil é parecida com a da Grécia. Descartando a possibilidade de um ex-presidente do Banco Central e doutor por Harvard ser burro, sobra a hipótese de uma má fé retórica. A Grécia daria umas duas ou três ilhas para ter a possibilidade de emitir dívida em moeda local e a capacidade de arrecadação e crescimento do Brasil.

P.P.P.S. Este era para ser um texto de um parágrafo. Churchill: "Perdoe pela carta longa, não tive tempo de escrever uma curta."

Paros, Naxos e Ios por um fiscal igual ao do Brasil.

3 comentários:

Oráculo disse...

Nossa! Crescimento de 7% ao ano! Você tá otimista! Ora, o Brasil tem poupança suficiente para crescer a essa taxa? Além disso, uma recessão mundial não puxaria o preço das commodities para baixo, como ocorreu em 2009? Qual é o impacto disso nas contas brasileiras e no câmbio? Afinal, o Brasil tem dependido dessa graninha extra para fechar suas contas, não?

Sabe, Drunkeynesian, eu tenho pesadelos... fico imaginando o que pode acontecer se as commodities voltarem para patamares do ano 2000 e permancerem por lá. Ou se um Tea Party da vida ganhar em 2012 e fizer alguma graça com a dívida americana (e nossas reservas).

http://www.youtube.com/watch?v=xoCZ07hwoZ4

Drunkeynesian disse...

PIB nominal, Oráculo - valores correntes. Pensei, grosso modo, em algo como 5% de inflação e 2% de crescimento do PIB real, mas pode ser qualquer outra combinação (provavelmente está rodando bem acima disso, com a inflação mais alta e crescimento, por enquanto, ainda mais alto). É com essa conta que se correlaciona a arrecadação e por ela chega-se ao dívida / PIB.

Seus pesadelos são justificados, acho. Mas aguardemos... commodities, por enquanto, estão muito mais resilientes do que eu esperava.

Ticão disse...

O Gustavo Franco disse "parecido".

Tal qual a Grécia o Brasil tem um belo litoral, várias ilhas, terras áridas (a nossa caatinga), um povo gastador, enfim, somos parecidos.