quinta-feira, 3 de março de 2011

Depois de marolinhas e PIBões...

O IBGE publicou hoje sua primeira estimativa para o PIB de 2010, o que nos permitiu fazer a comparação completa, definitiva, científica e incontestável entre as dinastias FHC e Lula:



Algumas observações:

- Acho que o dado mais significativo da tabela é que o Brasil durante os anos Lula cresceu, na média anual, 0.3% a mais do que o mundo -- com FHC no poder, o Brasil ficou para trás a uma média de pouco mais de 1% ao ano, o que, ao longo dos oito anos, implicou em um crescimento 11% menor do que o do mundo. 

- Na minha cabeça, a alta dos preços de commodities ao longo dos últimos anos resolveu o problema de contas externas do Brasil que, durante muitos anos, implicou em recorrentes déficits externos, desvalorizações da moeda, inflação, choques de juros e todo o prejuízo decorrente ao crescimento. O interessante é que os anos FHC não foram particularmente ruins para commodities, pelo menos pelo índice CRB (ver a composição aqui). O que efetivamente pode ter feito a diferença: o preço do minério de ferro, que foi multiplicado várias vezes a partir de 2003 (ver gráfico ao lado, cortesia da The Economist - o minério de ferro não entra na composição do CRB) e as descobertas de petróleo.
- Muito ainda vai se discutir sobre as diferenças entre as políticas econômicas dos dois governos e os resultados disso para o crescimento. Não acho que nenhuma das duas gestões foi especialmente desastrosa ou brilhante e, sobretudo, cada uma delas atuou em ambientes completamente distintos. Essa conclusão pode parecer simplista e bundamolesca, mas realmente acho que, em muitas situações, o que realmente faz a diferença é o que não se pode controlar (os unknowns unknowns do Rumsfeld, vulgos cisnes negros). Num experimento científico, seria possível colocar o Lula para governar no mundo do FHC e vice-versa (o demônio dentro da minha mente já começa a montar a tragicomédia que seria o Mantega comentando o calote da Rússia, o Meirelles anunciando uma maxidesvalorização ou os falcões seguindo com a alta de juros no meio da crise de 2008); no mundo real, restam os estudos e as discussões, raramente isentas de julgamentos subjetivos e interesses políticos.

- A consequência indesejada deste texto é contribuir para o culto ao PIB como o indicador mais relevante de uma economia. Olhar só para o PIB é, parafraseando o Joseph Heller no impagável Catch-22, reduzir a economia a uma ciência exata.Uma economia pode crescer com uma combinação de muita sorte e más políticas (até a Venezuela consegue crescer - cerca de 3.3% ao ano durante os anos Lula!), mas, para o desenvolvimento, crescimento é somente uma das variáveis a serem consideradas -- talvez a mais importante e imprescindível, mas quase irrelevante para saber se a vida do cidadão médio está melhorando.

- As bravatas na imprensa já começaram, claro. Seu Mantega está comemorando que o Brasil passou a França e o Reino Unido e é a sétima maior economia do mundo, Brasil-sil-sil! Infelizmente, por esse critério o PIB do Brasil pode cair 20% em uma semana -- basta uma desvalorização no câmbio que converte os valores em reais calculados pelo IBGE para moeda estrangeira. Um jornalista que não tenha medo de passar ridículo pode aproveitar a deixa e perguntar, numa eventual próxima coletiva para anunciar medidas para conter a valorização do câmbio, se isso não vai prejudicar o Brasil no ranking de maiores economias do mundo.

- Olhando a tabela mais do alto: a 'maior recessão desde a Grande Depressão' implicou, para o mundo, em um crescimento médio anual apenas 0.3% menor entre os dois períodos que analisei. As possíveis explicações para isso renderiam muitas linhas e ficam para depois. Por enquanto, pensemos em quatro possibilidades: (i) Lula estava certo e a crise foi mesmo uma 'marolinha'; (ii) considerando que o problema da dívida foi apenas transferido do setor privado para os governos, um profundo ajuste virá assim que, por qualquer motivo, os mercados de juros voltarem a se preocupar com fluxos de caixa; (iii, que não exclui as anteriores) os dados de crescimento do PIB não dizem muito sobre o real estado da economia mundial e (iv) ainda é cedo demais para qualquer conclusão desse tipo. Voltarei a esses temas ao longo do tempo.

6 comentários:

Irineu de Carvalho Filho disse...

O crescimento do Brasil foi idêntico à média da América Latina tanto no governo Lula quanto no governo FHC. Eu tenho um artigo que mostra isso, deve sair em breve.

samuel disse...

Ich Frage: Drunk, V não se referiu ao fato de ter havido mudança no cálculo do PIB brasileiro nos dois últimos anos do governo LULA. Passou-se a incluir a DESPESA PÚBLICA. Esta inclusão tem sido combatida pelos economistas..

Frank disse...

foi um período (FHC I e II) particularmente difícil para os ermergentes (México, Rússia, etc.) - à exceção de China / Índia, é claro.

ataques especulativos às moedas de alguns países, fragilidades macroeconômicas mais ou menos distribuídas....

vale tb comparar com o sub-grupo emergentes (noves fora a locomotiva chinesa).

mas isso pq sou um fernandista irrecuperável :)

minnha leitura: FHC quebrou paradgimas (concretos e abstratos) q permitiram os vôos subsequentes.

Drunkeynesian disse...

Samuel, a mudança do cálculo do PIB afeta toda a série passada. Há quem diga que ela "tirou" crescimento do FHC para aumentar o do Lula, mas não vejo motivos para desconfiar da lisura do IBGE.

Drunkeynesian disse...

Irineu, obrigado pelo comentário, e vou aguardar seu artigo. Alguns números crus (que corroboram sua visão):

Anos FHC, crescimento médio anual:

América Latina - 2.27%
Emergentes - 4.33%

Anos Lula:

América Latina - 4.05%
Emergentes - 6.70%

Esses são os dados agregados do FMI, sem descontar o peso do Brasil nas composições.

Frank disse...

valeu drunks !!

a difedrença Brasil X Emergentes se mantém entre 2~2.5 pontos percentuais.

já BR X AL mostra uma proximidade interessante, mas contaminada pelo peso relativo do BR no conjunto AL.