Semana passada, o Marcelo Rubens Paiva escreveu, no finalzinho de um post (ele está em Paris):
Havia 1 ditado para aqueles que viajavam para a Europa.Não faça a conversão para não entrar em depressão.
Com alta do Real, o dito mudou.
Faça a conversão e esconda o cartão.
É tudo tão mais barato…
Reforço que ele está falando de Paris, e não de La Paz ou Bratislava. Muito bem.
No dia 13 de agosto, o Arthur Dapieve (O Globo) escreveu, sobre o mesmo tema, um texto tão bacana que vou colocar inteiro aqui, sem peso na consciência (se alguém reclamar, eu tiro):
Quem converte
Como não se divertir no Rio de Janeiro
Diz um adágio querido dos turistas brasileiros que "quem converte não se diverte". Ele remete ao tempo em que o cidadão tinha de forrar os bolsos, atenção, não as cuecas, com cédulas da débil unidade monetária vigente, doravante chamemo-la de caraminguá novo, para conseguir comer legalmente um cachorro-quente de rua em Nova York.
Ou seja, o cidadão tinha de fingir que os preços em Manhattan estavam na base do 1 a 1 com o seu caraminguá novo. Se efetuasse o câmbio na cachola, coitado, ele faria checaute no hotel imediatamente, iria dormir debaixo de uma marquise, jejuaria feito faquir e deitaria o polegar para pegar uma carona até o avião da Varig que haveria de resgatá-lo.
Entretanto, anos depois de o Plano Real ter debelado a hiperinflação, aposentando o caraminguá novo em 1994, houve um momento em que a moeda brasileira veio a valer mais que a moeda americana. Era estranho, e logo mostrou-se artificial e perigoso, bater perna pela Avenida Lexington e poder converter para baixo os preços nas vitrines.
Após o delírio sobreveio a maxidesvalorização de janeiro de 1999, e o brazuca teve de voltar a forrar os bolsos de reais para fazer compras na Bloomingdale's, mais ou menos como fazia nos tempos do caraminguá novo. Hoje, porém, de acordo com o Banco Central, o real está de novo sobrevalorizado, quase no mesmo nível de dezembro de 1998.
Comentários sobre as implicações político-econômicas disso ficam para gente mais sábia que eu. Interessa-me o aspecto comportamental, digamos assim. A sobrevalorização que faz o dólar flutuar em torno dos R$ 1,75 tem levado não apenas o turista, mas também o consumidor online, a se divertir pacas na hora de converter o preço das suas compras.
Atualmente, o risco de choque está em o cidadão converter o desatino de fazer a conversão cambial quando consome no próprio Brasil. Se ele pegar o preço em real e passar para dólar, ou até euro e libra, periga nunca mais sair de casa, tirar o computador da tomada e quebrar todos os cartões de crédito, antes, claro, de pedir asilo econômico na Bolívia.
O índice Big Mac foi criado pela revista britânica "The Economist" para comparar informalmente a situação do câmbio das moedas pesquisadas frente ao dólar. Nos EUA, o sanduíche que é o carro-chefe da cadeia de fast food custa US$ 3,73. No Brasil, sai por US$ 4,91 (ou R$ 8,65 pelo câmbio de quarta-feira passada). Na China, vale apenas US$ 1,95.
Os economistas saboreiam nisso mais um importante sintoma de que o real está sobrevalorizado enquanto o yuan está desvalorizado em relação ao dólar. Isso se reflete na baixa competitvidade de nossas exportações etc. Eu, eu não consigo pensar quando estou com fome. Gostaria de ao menos poder entupir minhas artérias por um preço decente.
O preço de uma refeição mais saudável, então, é o que realmente ameaça a saúde do desavisado que viear a converter a coluna em reais do cardápio para dólar ou euro ou libra. Veja-se, por exemplo, o preço de um singelo penne com cogumelos e presunto cru num restaurante bem classe média na Zona Sul do Rio: R$ 49. Dá US$ 28, € 21 ou £ 17.
Não sei como andam os preços nos restaurantes de Nova York. No entanto, sei que, por essa grana, num estabelecimento médio em Paris ou Londres, e perceba que me refiro a duas das cidades reconhecidamente mais caras do mundo, o cliente leva não só um penne com cogumelos e presunto cru mas também um beijo de língua da garçonete italiana.
Não pretendo vilipendiar os donos de restaurantes, que, como nós, arcam com o Custo Brasil. No caso, ele constiti uma salada de pesada carga tributária em cascata, altas despesas trabalhistas, burocracia, corrupção, incompetência, carência de infraestrutura para transporte de mercadorias, ausência de uma real economia de escala e, em muitas boas casas do ramo, uma pitada de puro capricho na hora de estabelecer a margem de lucro. Ou seja, nunca se come só o penne com cogumelos e presunto cru. Divide-se o nabo também.
Acredita-se que Estocolmo esteja entre as cidades mais caras do mundo, como Paris ou Londres. Bem, passei as férias lá. Eu e a Patroa concedemo-nos jantar num restaurante muito recomendado pelos guias e que por acaso ficava embaixo da nossa janela no hotel. Entradas, pratos principais, sobremesas, água mineral e vinho. A conta comunicou-nos 935 coroas. Assusta, né? Até converter e encontrar R$ 226. No Leblon, pagaríamos mais por menos. De fato, quem converte não se diverte, mas não do jeito que era antigamente.
Se me aferro a falar de comida é apenas porque, para mim, a correlação entre seus preço, qualidade e variedade estabelece um índice cristalino de civilidade. Se pensarmos a doida que deu na compra e no aluguel de imóveis, aí é que a coisa fica incivil, embora a comparação com o exterior ainda não nos seja desfavorável. Do jeito que tem proprietário pedindo X num dia para exigir X+80% no outro, contudo, chegaremos lá. Brasil-il-il!
Nos imóveis, além de todas as variáveis que perturbam a vida de quem come na rua sem exageros, ou compra discos e livros, agora incidem a falta de oferta, a libertação de áreas da cidade pelas UPPs, a presunção de ganhos sobrenaturais com a Copa do Mundo e as Olimpíadas etc. etc. A conta não fecha nunca. Encorpada, a classe média comprou baratinho o discurso do governo e tornou-se presa de suas próprias ilusões de grandeza.
Como não se divertir no Rio de Janeiro
Diz um adágio querido dos turistas brasileiros que "quem converte não se diverte". Ele remete ao tempo em que o cidadão tinha de forrar os bolsos, atenção, não as cuecas, com cédulas da débil unidade monetária vigente, doravante chamemo-la de caraminguá novo, para conseguir comer legalmente um cachorro-quente de rua em Nova York.
Ou seja, o cidadão tinha de fingir que os preços em Manhattan estavam na base do 1 a 1 com o seu caraminguá novo. Se efetuasse o câmbio na cachola, coitado, ele faria checaute no hotel imediatamente, iria dormir debaixo de uma marquise, jejuaria feito faquir e deitaria o polegar para pegar uma carona até o avião da Varig que haveria de resgatá-lo.
Entretanto, anos depois de o Plano Real ter debelado a hiperinflação, aposentando o caraminguá novo em 1994, houve um momento em que a moeda brasileira veio a valer mais que a moeda americana. Era estranho, e logo mostrou-se artificial e perigoso, bater perna pela Avenida Lexington e poder converter para baixo os preços nas vitrines.
Após o delírio sobreveio a maxidesvalorização de janeiro de 1999, e o brazuca teve de voltar a forrar os bolsos de reais para fazer compras na Bloomingdale's, mais ou menos como fazia nos tempos do caraminguá novo. Hoje, porém, de acordo com o Banco Central, o real está de novo sobrevalorizado, quase no mesmo nível de dezembro de 1998.
Comentários sobre as implicações político-econômicas disso ficam para gente mais sábia que eu. Interessa-me o aspecto comportamental, digamos assim. A sobrevalorização que faz o dólar flutuar em torno dos R$ 1,75 tem levado não apenas o turista, mas também o consumidor online, a se divertir pacas na hora de converter o preço das suas compras.
Atualmente, o risco de choque está em o cidadão converter o desatino de fazer a conversão cambial quando consome no próprio Brasil. Se ele pegar o preço em real e passar para dólar, ou até euro e libra, periga nunca mais sair de casa, tirar o computador da tomada e quebrar todos os cartões de crédito, antes, claro, de pedir asilo econômico na Bolívia.
O índice Big Mac foi criado pela revista britânica "The Economist" para comparar informalmente a situação do câmbio das moedas pesquisadas frente ao dólar. Nos EUA, o sanduíche que é o carro-chefe da cadeia de fast food custa US$ 3,73. No Brasil, sai por US$ 4,91 (ou R$ 8,65 pelo câmbio de quarta-feira passada). Na China, vale apenas US$ 1,95.
Os economistas saboreiam nisso mais um importante sintoma de que o real está sobrevalorizado enquanto o yuan está desvalorizado em relação ao dólar. Isso se reflete na baixa competitvidade de nossas exportações etc. Eu, eu não consigo pensar quando estou com fome. Gostaria de ao menos poder entupir minhas artérias por um preço decente.
O preço de uma refeição mais saudável, então, é o que realmente ameaça a saúde do desavisado que viear a converter a coluna em reais do cardápio para dólar ou euro ou libra. Veja-se, por exemplo, o preço de um singelo penne com cogumelos e presunto cru num restaurante bem classe média na Zona Sul do Rio: R$ 49. Dá US$ 28, € 21 ou £ 17.
Não sei como andam os preços nos restaurantes de Nova York. No entanto, sei que, por essa grana, num estabelecimento médio em Paris ou Londres, e perceba que me refiro a duas das cidades reconhecidamente mais caras do mundo, o cliente leva não só um penne com cogumelos e presunto cru mas também um beijo de língua da garçonete italiana.
Não pretendo vilipendiar os donos de restaurantes, que, como nós, arcam com o Custo Brasil. No caso, ele constiti uma salada de pesada carga tributária em cascata, altas despesas trabalhistas, burocracia, corrupção, incompetência, carência de infraestrutura para transporte de mercadorias, ausência de uma real economia de escala e, em muitas boas casas do ramo, uma pitada de puro capricho na hora de estabelecer a margem de lucro. Ou seja, nunca se come só o penne com cogumelos e presunto cru. Divide-se o nabo também.
Acredita-se que Estocolmo esteja entre as cidades mais caras do mundo, como Paris ou Londres. Bem, passei as férias lá. Eu e a Patroa concedemo-nos jantar num restaurante muito recomendado pelos guias e que por acaso ficava embaixo da nossa janela no hotel. Entradas, pratos principais, sobremesas, água mineral e vinho. A conta comunicou-nos 935 coroas. Assusta, né? Até converter e encontrar R$ 226. No Leblon, pagaríamos mais por menos. De fato, quem converte não se diverte, mas não do jeito que era antigamente.
Se me aferro a falar de comida é apenas porque, para mim, a correlação entre seus preço, qualidade e variedade estabelece um índice cristalino de civilidade. Se pensarmos a doida que deu na compra e no aluguel de imóveis, aí é que a coisa fica incivil, embora a comparação com o exterior ainda não nos seja desfavorável. Do jeito que tem proprietário pedindo X num dia para exigir X+80% no outro, contudo, chegaremos lá. Brasil-il-il!
Nos imóveis, além de todas as variáveis que perturbam a vida de quem come na rua sem exageros, ou compra discos e livros, agora incidem a falta de oferta, a libertação de áreas da cidade pelas UPPs, a presunção de ganhos sobrenaturais com a Copa do Mundo e as Olimpíadas etc. etc. A conta não fecha nunca. Encorpada, a classe média comprou baratinho o discurso do governo e tornou-se presa de suas próprias ilusões de grandeza.
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