quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

As duas Europas seguem divergindo

(Escrevi esse texto sob encomenda, com temas que já apareceram no blog e devem ser batidos para quem acompanha. Como hoje ia passar em branco, resolvi publicar aqui, também.)

Nesta semana soubemos dos dados de crescimento do PIB em 2011 nos 17 países da Zona do Euro. O modesto crescimento anual do produto agregado do grupo, de 0,7%, está longe de ser o desejado pelos políticos e a população, mas tampouco indica que o continente está se afundando em uma recessão, como poderia se imaginar por algumas manchetes e o comportamento dos mercados durante o ano passado (sobretudo no segundo semestre). Os problemas que perturbam o continente tomam melhor forma quando se olha os dados de cada país: enquanto a Alemanha cresceu 3,1% no ano – acima de seu potencial (estimado, em estudo do Banco Central Europeu de 2007, em não mais que 2,5% ao ano) e com a menor taxa de desemprego desde a reunificação – a Grécia amargou uma brutal contração em sua economia de 6,8%, acumulando queda de 16% no produto desde o pico pré-crise e desemprego de mais de 1/5 da população economicamente ativa. Mesmo fora desses extremos evidentes, é possível encontrar outros contrastes marcantes: França e Holanda crescem, Portugal e Itália encolhem.

Esses números confirmam uma tendência persistente da Europa nos últimos anos: a economia do continente, olhada do alto, não vai mal. O crescimento é medíocre, mas talvez compatível com a demografia e um nível de riqueza já elevado; a inflação é baixa e a moeda é sólida, sem problemas de financiamento externo. O problema, novamente, está nas diferenças entre países. Todo o projeto do euro era baseado em convergências: primeiro de taxas de juros, depois de câmbio e, posteriormente, de ciclos econômicos, condição básica para o funcionamento de uma política monetária única. A premissa errada foi que todos os países seriam capazes de, se não respeitar estritamente, ter como base contas do governo relativamente equilibradas. Isso dependeria tanto de crescimento e capacidade de arrecadação de impostos quanto de uniformização nos gastos, sobretudo no que diz respeito a privilégios adquiridos, como aposentadorias e empregos no setor público. O que estamos vendo são as conseqüências desse erro e, revertida a convergência nos outros indicadores (evidência nas diferenças de crescimento mencionadas acima e na dispersão das taxas de financiamento das dívidas nacionais – de 1,85% a 33,3% para o retorno de títulos de dez anos), fica difícil a sustentação de um regime de moeda única em países com prioridades e problemas tão distintos.

Há quem goste de contar essa história sob um ponto de vista moral, como se a economia do continente fosse um grande emaranhado de cigarras e formigas. A moral, porém, entra numa zona cinzenta quando o que está em jogo é um processo de integração continental que nasceu, em larga medida, do trauma dos conflitos militares e ideológicos do século XX; mais ainda quando se torna notável, com o viés humano de atribuir mais peso a acontecimentos recentes, que tal processo pode ter gerados vencedores e perdedores e aprofundou as diferenças dentro do continente. Hoje, para os gregos, portugueses, irlandeses e espanhóis, importa menos quanto seus países enriqueceram nas décadas que levaram à integração do continente que as perspectivas para o futuro próximo, e os políticos que lidem com isso.

Fosse a Europa uma federação de estados, como os Estados Unidos, a resolução da crise seria relativamente simples: Califórnia ou Idaho, todos elegem o mesmo presidente, falam a mesma língua e cantam o mesmo hino nacional. Explicar a um bávaro que a estabilidade e paz do continente podem depender dele financiar a aposentadoria de condutores de trem gregos que se aposentaram antes dos 60 anos é mais complexo. Agrava esse problema a ausência de líderes fortes e carismáticos, capazes de explicar à população a complexidade da situação e suas conseqüências. Buscam-se soluções de curto prazo, na linha de que problemas não são resolvidos, apenas substituídos por outros mais urgentes e agudos. Assim, pode-se acabar esquecendo um problema econômico e tendo que encarar um grave problema social, do tipo que levou à quase destruição do continente em diversos momentos nos últimos 100 anos.

Até agora, tem-se buscado uma saída via distribuição de dinheiro condicionada à disciplina fiscal. Com o tempo, vai se perceber que esse tipo de política aprofunda desigualdades – o dinheiro é destinado, sobretudo, a pagar credores, e depende de um duvidoso “efeito cascata” (trickle down) para chegar à população – e que é irrealista esperar recuperação econômica em ambiente de demanda privada reprimida e gastos do governo decrescentes. As desigualdades evidenciadas nesses últimos dados de atividade tendem a aumentar, até o ponto em que a população dos países em crise seja empurrada para a demagogia e o populismo (talvez a Grécia esteja perigosamente próxima a esse ponto, dada a violência das manifestações contra o voto do último pacote de austeridade). Líderes dos países ricos deveriam ser prescientes e evitar esse ponto em que o tecido social do continente, costurado com enorme custo humano ao longo de muito tempo, fique perto de um novo rompimento. Para isso, é preciso exigir coragem desses políticos para defender maior integração fiscal, não condicionada a uma moral simplista que opõe gastadores a poupadores. Infelizmente, os sinais, até agora, são de quase total ausência dessa visão de longo prazo e ignorância à evidência histórica. Pobres ricos europeus.

4 comentários:

JGould disse...

"Flawless"! Eu diria que vc deve ter tomado uma(?) boa taça de "Pinot Noir" antes de escrever esse texto. Não pude deixar de me lembrar de Bobbio que certa vez disse:
"O que o labirinto ensina não é onde está a saída, mas quais são os caminhos que não levam a lugar algum"

abs

Drunkeynesian disse...

Opa, obrigado... pior que não estou bebendo, estou saindo de um resfriado (sim, em pleno verão) e tentando ficar mais ou menos inteiro pro Carnaval.

JGould disse...

DK! Aí vai uma receita de um velho amigo, muito assíduo do "Rei das Batidas" e que dizia que "canja só cura fome".

Uma dose de pinga pura (da boa, da ruim, da pinga);
Duas colheres de sopa de mel (pode ser 4 de chá, 12 de conta gotas, não interessa… COLOCA A M... DO MEL NO MEIO);
Meio limão.
Dê um boa misturada disso tudo em um copo e manda pra dentro.

Repita a operação…(3x)

Nesta quarta dose, seu corpo já começa a se mostrar mais disposto. O ânimo aumenta, disposição e libido também. Se estiver no Rei pode chamar o pessoal da mesa ao lado(FFLCH) de fumetas burgueses comunistas!!!
Mas o grande ponto deste remédio é o efeito do dia seguinte: VOCÊ ACORDA CURADO DA PSEUDO-GRIPE, e, se tudo correr bem, vai ter gasto 1/5 do que gastaria em cerveja ou remédios.

Agora se o seu bônus foi polpudo, um "shot de Macallan" tbm resolve!

just kidding.

Drunkeynesian disse...

HAHAHAHAHAHA

Anotado... ainda que pareça uma terapia do tipo do joelhaço do Analista de Bagé: no dia seguinte você tem uma ressaca tão ruim que esquece que estava gripado.