terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A bonança e os idiotas

Veja o que escreveu o irlandês Colm Tóibín em (ótima) matéria para a última piauí:

"Atingimos pleno emprego. A todo momento eu via estatísticas demonstrando que a Irlanda tinha se tornado um país de sucesso, uma lição para o resto do mundo. Políticos, incluindo alguns dos maiores idiotas que a Irlanda já produziu, competiam entre si reivindicando o crédito pelo que ficaria conhecido como o Tigre Celta."

Hoje, no Brasil, temos 6.5% de desemprego (menor dos últimos vinte anos). O "pai" do acrônimo BRIC, Jim O'Neill, diz que "é patético chamar esses quatro países de mercados emergentes" e o Ministro da Fazenda dos últimos anos aparece posando para capa de revista (ver ao lado) dizendo que "o Brasil saiu da retaguarda para a vanguarda do debate econômico mundial."

Assim como Roma não foi feita em um dia, a crise está nos ensinando que não se leva uma nação do atraso para a vanguarda em poucos anos. A Irlanda é o exemplo mais evidente disso; por aqui, ainda que ninguém acredite que nos tornamos um país desenvolvido e livre de problemas sociais (a despeito da melhora significativa em muitos indicadores, onde algum mérito do governo Lula não pode deixar de ser reconhecido), não faltam os idiotas reivindicando o crédito por um sucesso em termos globais que é relativo (nunca foi tão fácil falar mal das economias dos países desenvolvidos) e tem muito de sorte.

A Irlanda vendia prosperidade baseada em um câmbio valorizado e crédito fácil e barato. No Brasil, com o crédito ainda muito caro e longe do que se poderia chamar de bolha, boa parte da bonança deve-se aos preços de commodities mais altos em gerações e à consequente apreciação da taxa de câmbio. Aproveitar a bonança, claro, não é o problema, mas sim esperar que ela se estenda indefinidamente. O Ministério da Fazenda espera que o país cresça, em média, 5.9% ao ano durante o mandato de Dilma. Pode ser que sigamos vivendo a era do "nunca antes na história deste país", mas o fato é que o Brasil não tem um período de quatro anos com esse crescimento médio desde o terminado em 1980, na rabeira do "milagre", tendo, naquela época, partido de uma base muito menor (não à toa seis dos dez maiores crescimentos do mundo na última década estão na África subsaariana). Desde então, a média do crescimento do PIB foi de modestos 2.85% ao ano. Imagino que o governo esteja baseando todos os cálculos de trajetoria da dívida e superávit fiscal nessa premissa pouco factível, o que deve nos levar a tomar um cuidado adicional com qualquer projeção vinda de Brasília.


Comecei o ano relativamente otimista com o novo governo. Achava que o pragmatismo iria superar a arrogância e o imobilismo. 18 dias não foram suficientes para que eu mudasse totalmente de ideia, mas confesso que, pelo visto até agora, o mais razoável a esperar da gestão econômica do Brasil é mais do mesmo, com a diferença que o futuro não deve ser tão generoso quanto o passado. No campo fiscal, fala-se que uma "reorganização" dos gastos deve bastar para melhorar a situação, assim como basta "reorganizar" a malha aérea brasileira para compensar décadas de falta de investimento no setor (e tome o Exército construindo galpões em Cumbica). No setor externo, o ministro Fernando Pimentel se diz "estupefato" com o avanço dos países asiáticos no comércio internacional, como se esse avanço tivesse acontecido em uma semana e o real tivesse passado de R$ 4 / US$ para R$ 1.67 / US$ de um dia para o outro. O mesmo Pimentel também observou que o saldo da balança comercial neste ano pode ir a apenas US$ 10 bilhões. Bem, o superávit em conta corrente cai desde 2005, virou déficit em 2008 e está nos mesmos níveis (como fração do PIB) do observado no não muito auspicioso 2002. O estrago, seja na perda de competitividade ou no acúmulo de passivo externo, já está feito, e a preocupação do governo agora deveria ser na direção de se preparar para amenizar o impacto do ajuste que virá, ao invés de bravatear o papel de liderança numa suposta "guerra cambial".

A sabedoria popular diz que não se pode ensinar novos truques para cachorros velhos. Em um governo que prega a continuidade, de fato era demais querer da equipe econômica algo muito além do que garantiu o relativo sucesso dos últimos oito anos. No fundo, os idiotas continuam os mesmos, agora com aura de gênios, e o país vai sendo iludido pelo acaso, seduzido por compras em Miami mais baratas do que em qualquer shopping center do país e pelo barulho da mídia e dos políticos. Como disse o professor Eduardo Giannetti há algum tempo, "não éramos tão ruins, nem ficamos tão bons", o que nos leva de volta ao texto de Tóibín:

"...o espírito das coisas aqui continua o mesmo, a cultura da Irlanda não mudou nos anos do boom e não mudará agora que temos diante de nós uma década de relativa pobreza."

O espírito do Brasil também não mudou e nem mudará em pouco tempo. Cabe ao país conhecê-lo e se esforçar para mudar a parte dele responsável pelo nosso atraso.

6 comentários:

Frank disse...

"Comecei o ano relativamente otimista com o novo governo. (...)18 dias não foram suficientes para que eu mudasse totalmente de ideia, mas ..."

ainda é cedo para se frustrar ou surpreender com qq coisa na Economia.

o cenário provável mesmo é o do modelo lulista (inflação controlada com juros elevados, gasto público elevado, transferência de renda) venha a ser mantido, mas com alguns ajustes de custeio (sobretudo segurar a folha de pessoal q vem em crescimento explosivo, e - o q é pior - com uma cultura de "meu pirão primeiro" como há muito não se via).

Drunkeynesian disse...

Eu sou naïve, mesmo, achei que iam aproveitar o período de "lua de mel" (os tais 100 dias ou algo do tipo) para anunciar algo minimamente ousado... mas você tem razão, pelo jeito não vai ser o caso.

Danilo Balu disse...

Baralho, PJ, um dos seus melhores textos, parabéns!!

O texto da Piauí é genial!!

Drunkeynesian disse...

Obrigado, obrigado... o público é generoso...

Unknown disse...

Interessante, pois tenho o mesmo ponto de vista em relação ao Governo Dilma/LULA/PT.

Fico muito triste em saber que moro em um pais onde a maioria da população vive em uma inércia constante, onde a regra é exceção e a exceção é a regra.

Atualmente vemos um monte de jovens desinteressados, que não querem saber de estudar, aprender algo ou contribuir para o crescimento de sua própria nação.

Hoje o que vale é ser esperto e tirar proveito do próximo. Para que estudar, trabalhar, lutar por algo? Para que? É extremamente triste. O Importante que tem o Bolsa Familia, Auxiliio Gás, Auxilio enxoval, Moradia, Leve Leite. Este é o futuro de nosso país, pois é isto que estão plantando.

Unknown disse...

Passaram se cinco anos. O que acham agora?