Como os leitores habituais já devem ter percebido, estou longe de ser crítico incondicional do que se faz na condução da política econômica no Brasil - não acho, por exemplo, que a ortodoxia irrestrita é nossa salvação, nem que os ministérios são dominados por completos imbecis. Ainda assim, pelo meio de mandato de dona Dilma, muita coisa me escapa a compreensão, e, honestamente, algumas delas não sei se por estupidez de quem as determina ou falha no meu entendimento. Abaixo compartilho parte dessa reflexão em 10 pontos (fui listando e cheguei em nove, obviamente acrescentei mais um por razões de marketing):
1. Comunicação e estratégia do Banco Central
Eu espumo de raiva toda vez que leio algum comunicado do BC. Primeiro a convergência para o centro da meta de inflação é "não-linear", depois essa menção desaparece; uma hora eles se metem a emitir comunicados oficiais sobre o que sai na imprensa, mas cansaram, ao longo do ano passado, de "mandar recados" por vários diretores antes das reuniões de política monetária. Achei totalmente legítima a tentativa de buscar um novo equilíbrio para a taxa Selic, mas há algum tempo o juro real é menor do que o que Dilma prometeu no início do mandato (2%) e tenho a impressão de que eles passam os dias torcendo por algum choque deflacionário (algo como a torcida para que chova nos rios que alimenta hidrelétricas) para que a inflação ceda um pouco.
Uma possibilidade é que está tudo combinado com os russos, ou seja, o governo vai trabalhar para, como no ano passado, tirar alguns pontos da inflação com desonerações, subsídios, etc - o que nos leva a...
2. Não atacar a indexação da economia
Aqui penso especificamente na regra de reajuste do salário mínimo (pelo crescimento do PIB + inflação). Já ouvi o Nelson Barbosa dizer com todas as palavras que a regra foi pensada para atacar distribuição de renda; ocorre que os efeitos secundários começam a aparecer na forma de inflação persistentemente alta (que atrapalha muito mais quem não tem ganhos indexados) e uma compressão de margens de lucro que acaba por sufocar os "espíritos animais" e o investimento. Meu problema aqui, notem, é com privilégios adquiridos, não com a ideia de que os empresários precisam de defesa ou que é ilegítimo tentar distribuir renda.
3. Mania de microgerenciamento
Esse é o caso geral em que caem outros pontos abaixo e as tentativas de influenciar a inflação de um mês para o outro (como se isso fosse fazer grande diferença), acertar a taxa de câmbio em um intervalo de cinco centavos (idem), lançar pacotes com medidas cujo impacto é totalmente marginal, etc... Parece tolice, ou tentativa de disfarçar incapacidade de mexer no que realmente importa.
4. Tentativas de enganar todos, o tempo todo
A sabedoria de
Abraham Lincoln diz que isso é uma impossibilidade, o que não impede tentativas por aqui. O exemplo mais recente é das
amalucadas manobras contábeis para cumpri a meta de superávit fiscal do ano passado - aos olhos do governo, isso é preferível do que assumir que o ano foi difícil, o crescimento foi baixo e a meta não foi cumprida; ou, como defendeu o Delfim, definir uma nova meta, compatível com os juros mais baixos e que seguiria garantindo uma dinâmica muito boa para a dívida. Dizem as "fontes" que esse caso específico gerou uma briga entre as secretarias de política econômica e do tesouro; pior que tenha vencido a que optou pelo truque, sancionado pelo ministro e a presidenta.
5. Por que não aumentar o preço do combustível?
Pela inflação, claro. Ou porque há uma percepção de que é necessário subsidiar esses preços, às custas da arrecadação de impostos e da saúde financeira da Petrobras, que fica na incrível situação de
perder mais dinheiro quanto mais gasolina vender. Ou porque alguém defende que o preço do petróleo vai cair no mercado internacional ao longo do tempo.
Como a meta de inflação vale para o ano-calendário, o governo perdeu uma ótima chance de dar o aumento no final do ano passado, sabendo que a inflação não estouraria o teto da meta e deixaria 2013 menos pressionado. E o acionista minoritário da Petrobras não pode ser destruído - a empresa precisa atrair dinheiro privado para dividir os riscos da exploração do pré-sal (a opção a isso seria fazer todo o investimento pelo tesouro, e dar mais passos na direção de re-estatização da empresa).
6. Não permitir ajustes no mercado de trabalho
Esse ponto é bastante polêmico, já que manter uma taxa de desemprego baixa é um dos melhores objetivos de política econômica que posso imaginar. Há, porém, as tradicionais consequências de suprimir um movimento que seria feito naturalmente no mercado: adiar o ajuste possivelmente atrasa a recuperação do investimento (forçando empresas a terem, por algum tempo, retornos mais baixos), dificulta a vida de quem não está empregado (e estaria disposto a trabalhar por menos do que o salário de mercado) e acumula desequilíbrios para um ponto, no futuro, em que vai ser inevitável atacá-los.
Para este ponto, pensei na relação do governo com as montadoras, mas talvez isso seja menos relevante e de fato estejamos numa situação de mudança estrutural nos preços da mão-de-obra, que deveria levar a uma revisão de planos de negócios, e, com o tempo, a demissões.
7. Falta de ambição com reformas
Talvez, contra a intuição, tempos de bonança não sejam favoráveis a reformas, que só são feitas com a corda no pescoço. De qualquer jeito, é desanimador ver um executivo com ampla base de apoio popular e no legislativo ousar tão pouco.
8. A estratégia do BNDES
Já
cansei de falar disso aqui, mas ainda não entendi (ou não quero entender) o que leva o BNDES a investir tanto em empresas tão pouco promissoras e promover um modelo de empreendedor que toma poucos riscos, tem acesso a financiamento subsidiado e torna-se bilionário antes de suas empresas retornarem o investimento.
9. O "heroísmo" dos bancos públicos
Banco do Brasil e Caixa resolveram compensar a queda na disposição dos bancos privados emprestarem, seja porque os juros ficaram menos atrativas ou as taxas de inadimplência começaram a preocupar (ou uma combinação dos dois fatores). O Jorge Browne, nos comentários, disse que isso pode ser uma aposta numa mudança de paradigma que o setor privado não enxerga - que os ganhos na renda sustentaram uma alta no padrão de endividamento que beneficiará quem mais conceder crédito agora. Pode até ser verdade, só não acho que cabe aos bancos públicos tomarem esse risco (de novo, se der errado, todos os contribuintes pagam a conta, criando a situação em que o trouxa é quem não tomou crédito e teve que pagar pelos que tomaram de qualquer jeito).
10. Guido Mantega
Bem, no fim das contas, ele é
groovy.