Pouca coisa deve ter sobrado para ser dita sobre as mudanças nas regras de remuneração da poupança. O Brasil, no momento certo ou não, está fazendo uma tentativa ousada de levar os juros locais para patamares compatíveis com os do resto do mundo. Ainda é cedo para dizer se será possível manter os juros baixos por muito tempo (acho que são boas as chances), mas as consequências em breve serão (ou já estão sendo) sentidas:
- A poupança é o exemplo mais evidente. Há tempos o Brasil deveria ter se mexido para acabar com o direito sagrado do poupador em moeda nacional de receber, sem risco e sem impostos, juros entre os mais altos do mundo (e, tirando os impostos, isso também vale para as LFTs e os fundos DI). O poupador (ou rentista) brasileiro vai precisar se acostumar com a ideia de que o primeiro ponto da curva de juros soberana é o de menor remuneração, e retornos maiores só podem ser obtidos tomando mais risco. É o básico de qualquer teoria de finanças, mas, por muito tempo, pouca coisa foi melhor (retorno ajustado pelo risco) no Brasil do que receber o CDI.
- O problema agora, claro, é o que os poupadores vão fazer com seus recursos, que há tempos deixaram de render o cômodo e habitual 1% mensal. Minha maior preocupação é com os grandes fundos de pensão, que, até alguns meses atrás, conseguiam bater a meta atuarial (algo como inflação mais 6% ao ano) aplicando em NTN-Bs longas e correndo relativamente pouco risco. Os novos fluxos compram esses papéis a taxas de mercado perto de inflação mais 4,5% ao ano, o que vai fazer com que esses fundos sejam levados a tomar mais risco (comprando ações e títulos privados, investindo em fundos multimercado, imóveis, commodities e o que mais passar pela frente) ou reavaliem suas contas atuariais, provavelmente concluindo que o rombo é maior ou virá antes do que se esperava. Correr os riscos mencionados acima não é nenhuma garantia de que a diferença entre a meta atuarial e os retorno dos fundos será preenchida; dependendo da qualidade da gestão, justo o contrário.
- A tendência que parece estar se desenhando é: dinheiro deixando de financiar o setor público para investir no setor privado. No melhor dos casos, finalmente o Brasil conseguirá dar um grande passo no desenvolvimento do mercado de capitais (ações, dívida corporativa, dívida imobiliária, etc), o financiamento da atividade econômica passará a depender menos do governo e a remuneração dos investimentos refletirá uma taxa de mercado, proporcional ao risco tomado; no pior, como no mundo desenvolvido, as más decisões de investimento não serão punidas (investidores salvos pelo governo) e o custo do dinheiro ficará distorcido de outra maneira. Esse, porém, será assunto para daqui a alguns bons anos (mas meu lado Cassandra não pode deixar de achar que cairemos nesse pior caso) .
- A queda nos juros deixa evidente quão ridículas são as taxas cobradas por alguns fundos de baixo risco (ver a
Folha de hoje). Também deveria ser uma bonança para fundos multimercado, que buscam retorno absoluto.
- Quedas nos juros, num primeiro momento, são boas para bancos - reduzem o custo de captação e marcam as carteiras de crédito pré-fixado a juros de mercado mais favoráveis. Resta saber qual vai ser a conclusão da suposta "cruzada contra o spread bancário". Sigo com a impressão de que o governo não tem incentivos para atacar os lucros dos bancos privados (nem acho que deveria fazer isso diretamente), mas posso estar enganado. De qualquer maneira, parece claro o aumento do risco para os bancos públicos, que, na prática, vão acabar cedendo créditos piores para reforçar uma postura de política econômica. Podendo, eu aproveitaria o momento para vender ações do Banco do Brasil e comprar Itaú, que foi muito punido pelos mercados no mês passado por ser o primeiro banco a demonstrar mais cautela com o atual ponto no ciclo de crédito.
Na melhor tradição da célebre frase de
Rudiger Dornbusch, o cenário para os juros no Brasil está mudando muito mais rápido do que se achava possível. Para quem reclamava de inação, já no segundo ano de mandato a equipe de Dilma está tomando (grandes, dirão alguns) riscos. Tenho pouca dúvida de que as medidas vão na direção correta; saber se o tempo para elas já havia chegado, para quem respeita fatos antes de qualquer teoria, só será possível em alguns meses ou anos.
P.S. Parece que alguém em Brasília tem um certo apego pelo
capítulo 24 da
Teoria Geral (o da célebre expressão "eutanásia do rentista") - "só" faltaria começar a mexer na estrutura tributária :
Thus we might aim in practice (there being nothing in this which is unattainable) at an increase in the volume of capital until it ceases to be scarce, so that the functionless investor will no longer receive a bonus; and at a scheme of direct taxation which allows the intelligence and determination and executive skill of the financier, the entrepreneur et hoc genus omne (who are certainly so fond of their craft that their labour could be obtained much cheaper than at present), to be harnessed to the service of the community on reasonable terms of reward.
P.P.S. Não tinha visto antes de escrever este post, mas quase toda a edição da
revista ValorInveste que acompanha o jornal de hoje (e depois fica à venda nas bancas) é sobre esse tema, num tom mais otimista. Vale a leitura.