![]() |
Cadê o Papademos pra eu poder apontar pra ele? |
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Som da Sexta Duplo - Robert Johnson e Pablo Casals
Na última quarta-feira, uma dia muito especial para a música fez 75 anos. Da NPR:
Robert Johnson, provavelmente o cantor e guitarrista de blues mais influente da história:
Pablo Casals, que redescobriu as fabulosas suítes para violoncelo de J.S. Bach.
Nov. 23, 1936, was a good day for recorded music. Two men, an ocean apart, each stepped up to a microphone and began to play. One was a cello prodigy who had performed for the queen of Spain; the other was a guitar player in the juke joints of the Mississippi Delta. But on that day, Pablo Casals and Robert Johnson each made recordings that would change music history.
Robert Johnson, provavelmente o cantor e guitarrista de blues mais influente da história:
Pablo Casals, que redescobriu as fabulosas suítes para violoncelo de J.S. Bach.
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
Brasil, pioneiro em metas para o PIB nominal?
![]() |
Que Santos Dumont inventou o avião é discutível, mas o escorredor de arroz é coisa nossa. |
a) O Banco Central do Brasil tem uma meta oficial de inflação, e, até que se prove o contrário, trabalha para respeitá-la (com todo o benefício da generosa banda de dois pontos percentuais: a inflação anual pode ser entre 2,5% e 6,5% e está "na meta").
b) A equipe econômica do governo adora falar em objetivos para crescimento. Começou com quase 6% ao ano (ver aqui). Ultimamente, tem se ouvido que 4% é "piso" para crescimento em 2012, e Fazenda e BC dia sim, dia também, dizem que têm cartas na manga na forma de novas medidas (ou na reversão de medidas contracionistas) para estimular a economia.
Juntando a + b... Não espero que ninguém de Brasília vá a público dizer que, sim, o Brasil tem uma meta implícita de crescimento de PIB nominal, e nem sei se alguém da Fazenda ou do BC está tão comprado com o que está sendo discutido na fronteira do mundo desenvolvido. Porém, oficializadas ou não, o efeito prático dessas posturas é importante:
- PIB nominal crescendo a 10% ao ano é espetacular para o perfil da dívida. A arrecadação sobe, os quocientes do tipo dívida / PIB derretem. Soma-se a isso um cenário de queda secular dos juros e alguma disciplina fiscal, e teremos, em não muito tempo, alguns dos melhores indicadores de sustentabilidade de dívida do mundo (OK, o mundo não anda exatamente bem nesse quesito, mas mesmo em absoluto o feito do Brasil terá sido bastante impresionante);
- Na linha de que é possível ser malabarista chinês e equilibrar todos os pratinhos ao mesmo tempo, acho crescente o risco do Brasil criar um ambiente propício para bolhas, com juros mais baixos e estímulos para vários setores da economia. Ainda estamos longe disso, mas é algo para se observar ao longo dos próximos meses / anos.
- Para quem acha que juros são fator de grande influência na inflação, num mundo onde o crescimento é mais difícil e o governo vai fazer de tudo para compensar com estímulo monetário / fiscal, aumenta o risco dos preços saírem do controle - mais ainda considerando o ponto de partida de hoje, com o mercado de trabalho apertado e câmbio valorizado.
- Partindo para o lado mais iconoclasta e abstrato: o nível de ilusão de controle no comando da economia brasileira, depois de anos de relativo sucesso, é enorme. Estamos na fase de achar que só o Brasil pode segurar o Brasil, e isso é parte da receita para grandes burradas de política econômica, na eventualidade das coisas não saírem muito exatamente como se previa e alguém resolver dobrar a aposta porque "a gente é bom pra caralho".
Marcadores:
Brasil,
inflação,
macroeconomia,
renda fixa
Frases do Dia - Há cento e poucos anos...
The average citizen wakes in the morning at the sound of an American alarm clock; rises from his New England sheets, and shaves with his New York soap, and Yankee safety razor. He pulls on a pair of Boston boots over his socks from West Carolina, fastens his Connecticut braces, slips his Waterbury watch into his pocket and sits down to breakfast... Rising from his breakfast table the citizen rushes out, catches an electric tram mande in New York, to Shepherds Bush, where he gets into a Yankee elevator, which takes him on to the American-fitted railway to the city. At his office of course everything is American. He sits on a Nebraska swivel chair, before a Michigan roll-top desk, writes his letter on a Syracuse typewriter, signing them with a New York fountain pen, and drying them with a blotting sheet from New England. The letter copies are put away in flies manufactured in Grand Rapids.
Um jornal londrino de 1902, reclamando da invasão de produtos americanos no Reino Unido (citado pela Sylvia Nasar no Grand Pursuit, que estou lendo). Trocando New York, New England e Boston por Shanghai, Shenzen e Guangzhou, quase dá pra imaginar o mesmo texto publicado num New York Post atual.
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Gráfico do Dia - Japão x EUA e Europa
De uma matéria na última The Economist que sugere que talvez o Japão não tenha sido, na última década, o completo fracasso econômico do qual às vezes se fala (pelo menos com relação ao resto do mundo desenvolvido).
Marcadores:
Ásia,
desenvolvimento,
EUA,
Europa,
macroeconomia,
The Economist
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Leituras pré-Dia do Peru
- Um exercício de futurologia de Niall Ferguson sobre a Europa. Provavelmente vai errar tudo, mas a narrativa é interessante e provocativa.
- Uma carta aberta para Jens Weidmann, presidente do Bundesbank.
- Muitos gráficos interessantes sobre a "Grande Desalavancagem".
- Os hedge funds estão ficando nus.
- Malcolm Gladwell aceita uma oferta do lado negro da força (dica do Bruno Borges).
- Mais uma adição para a lista de zumbis econômicos de John Quiggin: austeridade.
- Cinco livros para provar que a economia pode ser divertida.
- Burocratas e políticos, respectivamente, decidiram que água não hidrata e que pizza é um vegetal. What a wonderful world!
- O NY Times sobre a morte da película de celulóide.
- Quem nunca fez um dinheirinho atuando em filme pornô quando jovem e quebrado? Frank Sinatra fez.
- Forte candidata à frase do ano: "The excessive amount of semen stain on the floor cost thousands of pounds to be removed professionally and must be reflected in tuition fee rises for next year."
- Uma carta aberta para Jens Weidmann, presidente do Bundesbank.
- Muitos gráficos interessantes sobre a "Grande Desalavancagem".
- Os hedge funds estão ficando nus.
- Malcolm Gladwell aceita uma oferta do lado negro da força (dica do Bruno Borges).
- Mais uma adição para a lista de zumbis econômicos de John Quiggin: austeridade.
- Cinco livros para provar que a economia pode ser divertida.
- Burocratas e políticos, respectivamente, decidiram que água não hidrata e que pizza é um vegetal. What a wonderful world!
- O NY Times sobre a morte da película de celulóide.
- Quem nunca fez um dinheirinho atuando em filme pornô quando jovem e quebrado? Frank Sinatra fez.
- Forte candidata à frase do ano: "The excessive amount of semen stain on the floor cost thousands of pounds to be removed professionally and must be reflected in tuition fee rises for next year."
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Frases do dia - Don't Mess With the U.S.
The US can force monetization at the ECB. If the Colonel deems sado-fiscalism as a global systemic threat (which it is), the Fed could act. The Fed has an account at the ECB in Euros. When the pesky Europeans borrow dollars from us on currency swaps to fund their insolvent banks we get this lovely account. And right now the Euros just sit there! If things get messy we just jack the "unlimited" lines up, back up the forklift, and buy Euro area bonds. Lots of them. Say a trillion or two across all non-German markets. The Fed already owns nearly 100b in German and French bonds. And if anyone tries to default down the road, well we have a few hundred billion in European gold to confiscate in the basement of the NY Fed. And if that's not enough we just institute "annual fees" for NATO membership or start confiscating European assets in the US. If the shenanigans in Europe are going to mess up a US recovery, or even a presidential election, then there should be a serious US response. We did not spend all that money on the Marshall plan just to have Europe blow up the world again!
Roteiro de ficção de David Zervos, do banco americano Jefferies, um pouco descontente com o que chama de "sadofiscalismo" e falta de ação dos europeus (os grifos no trecho são meus). O texto completo está aqui.
Tentando entender a crise na Europa (parte 4 e última)
Continuação da terceira parte.
9. Em resumo, as possibilidades de manutenção da União Européia implicam em maior integração do continente – seja com uma união fiscal ou com a adoção de uma política monetária que leve mais em conta o interesse das economias mais frágeis. Caso persista a ideia de “disciplinar” os países com situação fiscal pior, provavelmente esses optarão, no futuro (quando a austeridade e os anos de estagnação mobilizarem o eleitorado a votar em um candidato que defenda uma ruptura), por voltar às suas moedas nacionais, seguindo um script de desvalorização, crises cambiais e inflação bastante conhecido aqui ao sul do Equador.
Hoje acredito que a monetização é o cenário mais provável simplesmente por ser o que impõe menos custos no presente, e parece evidente que algo precisa ser feito - sem intervenção, provavelmente os mercados manterão os juros de vários países em níveis nos quais o financiamento da dívida torna-se impossível em pouco tempo. A partir daí, ou voltamos à crença no poder regenerativo do capitalismo (expressa no trecho do Kaletsky que coloquei no item 2) ou concluímos que o futuro é necessariamente pior do que o passado. Eu prefiro me refugiar na incapacidade humana de prever, sem deixar de concordar com o que o Tony Judt defendeu em seu penúltimo livro: há muito que conservar da Europa pós-II Guerra, e não parece sábio optar por uma alternativa cujas conseqüências são difíceis de serem previstas, mas dificilmente serão positivas e, no limite, arriscam um cenário algo parecido com o que levou a tanta destruição na primeira metade do século passado. Os alemães, que parecem gostar tanto de lembrar da República de Weimar, podiam lembrar também de um dos fatores que levou àquela situação: países com aura de autoridade moral tentando impor custos exagerados aos derrotados. Boas decisões de política econômica em tempos de crise tem mais a ver com adaptar as ações às circunstâncias do que seguir estritamente uma doutrina, creio ser essa a lição mais importante do passado.
10. A quantidade de material que está sendo produzida sobre a crise européia é imensa, em todas as qualidades e credos possíveis. Aqui os que acho mais interessantes (ou os que melhor alimentam meu confirmation bias):
- Uma longa apresentação do Deutsche Bank;
- Os aprendizados da crise, por Tyler Cowen (partes 1 e 2).
- Os textos de Gavyn Davies para o Financial Times.
- A página especial do Spiegel sobre a crise sempre tem artigos interessantes.
- A reportagem especial da The Economist.
- Uma perspectiva simplificada de teoria dos jogos, da Nomura.
- Uma visão de mercado do outro estrategista da Nomura, Bob "The Bear" Janjuah:
O que mais for surgindo eu compartilho aqui ou no Twitter.
11. Uma pergunta que eu não soube nem por onde começar a responder: por que ainda não ocorreu uma grande corrida bancária em alguns países da Europa? Qual incentivo tem o depositante de um banco grego (ou português, ou mesmo espanhol) para não tirar o dinheiro de lá e colocar num banco alemão ou holandês? O home bias é assim tão forte, ou tem algum outro possível fator sociocultural?
12. É isso. Agradeço muito pelo tempo de quem chegou até aqui e os comentários e sugestões de leituras nos posts anteriores. Aprendi muito pensando e escrevendo esses textos, espero que tenham servido para pelo menos despertar mais questionamentos.
9. Em resumo, as possibilidades de manutenção da União Européia implicam em maior integração do continente – seja com uma união fiscal ou com a adoção de uma política monetária que leve mais em conta o interesse das economias mais frágeis. Caso persista a ideia de “disciplinar” os países com situação fiscal pior, provavelmente esses optarão, no futuro (quando a austeridade e os anos de estagnação mobilizarem o eleitorado a votar em um candidato que defenda uma ruptura), por voltar às suas moedas nacionais, seguindo um script de desvalorização, crises cambiais e inflação bastante conhecido aqui ao sul do Equador.
Hoje acredito que a monetização é o cenário mais provável simplesmente por ser o que impõe menos custos no presente, e parece evidente que algo precisa ser feito - sem intervenção, provavelmente os mercados manterão os juros de vários países em níveis nos quais o financiamento da dívida torna-se impossível em pouco tempo. A partir daí, ou voltamos à crença no poder regenerativo do capitalismo (expressa no trecho do Kaletsky que coloquei no item 2) ou concluímos que o futuro é necessariamente pior do que o passado. Eu prefiro me refugiar na incapacidade humana de prever, sem deixar de concordar com o que o Tony Judt defendeu em seu penúltimo livro: há muito que conservar da Europa pós-II Guerra, e não parece sábio optar por uma alternativa cujas conseqüências são difíceis de serem previstas, mas dificilmente serão positivas e, no limite, arriscam um cenário algo parecido com o que levou a tanta destruição na primeira metade do século passado. Os alemães, que parecem gostar tanto de lembrar da República de Weimar, podiam lembrar também de um dos fatores que levou àquela situação: países com aura de autoridade moral tentando impor custos exagerados aos derrotados. Boas decisões de política econômica em tempos de crise tem mais a ver com adaptar as ações às circunstâncias do que seguir estritamente uma doutrina, creio ser essa a lição mais importante do passado.
10. A quantidade de material que está sendo produzida sobre a crise européia é imensa, em todas as qualidades e credos possíveis. Aqui os que acho mais interessantes (ou os que melhor alimentam meu confirmation bias):
- Uma longa apresentação do Deutsche Bank;
- Os aprendizados da crise, por Tyler Cowen (partes 1 e 2).
- Os textos de Gavyn Davies para o Financial Times.
- A página especial do Spiegel sobre a crise sempre tem artigos interessantes.
- A reportagem especial da The Economist.
- Uma perspectiva simplificada de teoria dos jogos, da Nomura.
- Uma visão de mercado do outro estrategista da Nomura, Bob "The Bear" Janjuah:
With the late October 'deal' now in tatters, and with subsequent developments in Italy, in Greece, and in the market pricing of French risk, the future for the eurozone now seems to be all about the ECB and outright monetisation. It seems amazing that the same folks who insisted that Greece would not default, that the eurozone was solvent and was just going through a CDS-trader-driven liquidity squeeze, that kicking the can down the road was a viable plan, and who trumpeted the late-October deal, now think ECB monetisation is the solution. I would urge extreme caution, again. In my view, the eurozone can either go down the path of full political and fiscal integration, which clearly means a smaller neue-eurozone and default by the nations that don't fit in with this hard-money Germanic ideal or it can take the soft-money Latin/UK/US-style soft-money route, where the ECB agrees to unlimited monetisation. It is clearly a case of 'either, or', but not both. These are two divergent policy paths.
Germany appears to be adamant that full political and fiscal integration over the next decade (nothing substantive will happen over the short term, in my view) is the only option, and ECB monetisation is no longer possible. I really think it is that clear and simple. And if I am wrong, and the ECB does a U-turn and agrees to unlimited monetisation, I will simply wait for the inevitable knee-jerk rally to fade before reloading my short risk positions. Even if Germany and the ECB somehow agree to unlimited monetisation I believe it will do nothing to fix the insolvency and lack of growth in the eurozone. It will just result in a major destruction of the ECB's balance sheet which will force an ECB recap. At that point, I think Germany and its northern partners would walk away. Markets always want short, sharp, simple solutions. This is why the begging bowl is out for ECB unlimited monetisation. But, as in the immortal words of Messrs Jagger and Richards, "you can't always get want you want‟.
I firmly believe that any conditional or finite monetisation would actually be the worst idea (most of the downside, very little of the upside, of infinite monetisation), but probably the most likely 'compromise' if Germany were ever to 'give' on this issue.
O que mais for surgindo eu compartilho aqui ou no Twitter.
11. Uma pergunta que eu não soube nem por onde começar a responder: por que ainda não ocorreu uma grande corrida bancária em alguns países da Europa? Qual incentivo tem o depositante de um banco grego (ou português, ou mesmo espanhol) para não tirar o dinheiro de lá e colocar num banco alemão ou holandês? O home bias é assim tão forte, ou tem algum outro possível fator sociocultural?
12. É isso. Agradeço muito pelo tempo de quem chegou até aqui e os comentários e sugestões de leituras nos posts anteriores. Aprendi muito pensando e escrevendo esses textos, espero que tenham servido para pelo menos despertar mais questionamentos.
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
Frases do dia - porque não ligar a impressora
"Some argue the euro can be saved only at the price of sacrificing monetary stability. This would be a momentous mistake. Putting the European Central Bank’s printing presses to work might at best bring some short-term relief. But it would have dire consequences, both raising inflation and dissipating vitally important incentives for reform. In the end we would end up with a depreciated currency and an even more destabilised eurozone. The ECB’s independence and firm commitment to price stability are of paramount importance to Europe’s economy."
Guido Westerwelle, ministro do exterior da Alemanha, no Financial Times de hoje.
Marcadores:
bancos centrais,
citações,
crise,
Europa
Tentando entender a crise na Europa (parte 3)
Continuação da segunda parte.
6. Tudo isso observado, ainda acredito (com grande risco de me provar errado, claro) que os políticos alemães, com as opções que têm em mãos, acabarão deixando de lado a ortodoxia irrestrita do velho Bundesbank e aprovando um plano de monetização de dívida parecido com o que fizeram, sob o rótulo mais palatável de “afrouxamento quantitativo”, Japão, EUA e Reino Unido (a tentativa atual é de fazer isso via o fundo de establização, EFSF, mas creio que esse mecanismo, que envolve alavancagem e emissão de dívida continental, é complexo e pouco eficiente comparado ao que pode fazer um banco central em pouco tempo). Isso poderia levar de volta os juros dos países mais problemáticos (os PIIGS, todos negociando taxas acima de 6% para os títulos de dez anos) para níveis mais baixos e quebrar o ciclo vicioso que descrevi anteriormente. O primeiro efeito colateral, talvez não tão indesejado, seria alguma desvalorização no euro, nada que ponha a moeda em risco de colapso (a julgar pelos outros exemplos). Afastados os riscos de calotes e quebras generalizadas e com uma nova rodada de estímulo monetário, a Europa poderia voltar a pensar em seus problemas estruturais (ou mesmo tentar acreditar que o passar do tempo vai resolvê-los, como propôs o Kaletsky). Se isso acontecer, ficará em segundo plano outra pergunta extremamente relevante: qual o real custo de aumentar radicalmente a base monetária?
7. O velho Keynes, no clássico As Consequências Econômicas da Paz, escreveu (na tradução de Sérgio Bath para a edição da UnB):
A citação de Lênin é supostamente apócrifa (ver aqui), mas o restante é uma descrição quase profética do que ocorreria na Alemanha alguns anos depois (o livro é de 1919) e do que, supostamente, assusta tanto os alemães até hoje. O porém é que o mundo de hoje não tem a menor cara de inflacionário, com o crescimento rodando abaixo do potencial na maior parte dos países, uma massa enorme de desempregados e aparente excesso de capacidade instalada (além de muito mais estabilidade política do que no período entre guerras). Além disso, as últimas experiências de monetização de dívida (as três citadas acima) não desencadearam processos inflacionários (ainda, dirão alguns), negando a idéia que imprimir dinheiro é caminho certo para hiperinflação: parece ser, sim, um passo necessário, mas não suficiente.
8. O Japão é o caso mais antigo de aplicação de “afrouxamento quantitativo”, e talvez sirva como mapa do que pode ocorrer com o EUA, Reino Unido e Zona do Euro daqui para frente. O Banco do Japão pratica juros zero desde 1999 e anunciou pela primeira vez um programa de compra de títulos em 2001, tentando combater um cenário de risco de deflação que persiste até hoje. Desde o estouro da bolha de crédito (com reflexos no Nikkei e no mercado imobiliário), em 1990, o desempenho da economia e das empresas tem sido, no melhor dos casos, medíocre. Nesse tempo, a dívida bruta do país passou de 68% para 245% do PIB. Apesar disso, o Japão segue sendo rico (com desemprego baixo / alta renda per capita), e, paradoxalmente, os juros longos seguem em patamares muito baixos (menos de 1%, para títulos de 10 anos) e o iene bastante valorizado.
No caso japonês, o equilíbrio depende de uma grande capacidade de gerar superávits externos, que afasta qualquer possibilidade de crise cambial e seus efeitos (muito conhecidos por aqui). Além disso, é necessário que os poupadores japoneses mantenham o dinheiro no país, e que a sociedade tenha aprendido a viver com baixa mobilidade social e total simbiose entre empresas e bancos com o governo. Convém também não pensar muito no futuro, sobretudo nas próximas gerações. Não há a menor perspectiva de que a situação fiscal do país melhore ou que as empresas sejam capazes de voltar ao lucro, e os cidadãos parecem estar razoavelmente bem com isso.
Sem pensar muito, dá para imaginar que esse modelo seria benvindo em muitos países da Europa: enriquecemos, tivemos poucos filhos e podemos nos dedicar a uma decadência lenta e razoavelmente opulenta. A Itália, por exemplo, tem uma demografia muito parecida com a do Japão: alta expectativa de vida (77 anos para homens, 83 para mulheres), baixa fertilidade (1,4 filho por mulher), população decrescente (deve cair até 2015) e envelhecida (idade média da população de 42 anos, só mais baixa no mundo que a do Japão). Diferenças regionais à parte, imagino que, se perguntado, o italiano médio escolheria “progredir de vez e virar japonês”, como já profetizava o Ultraje a Rigor. Entretanto, essa decisão não é possível, com a limitação evidente do país nas contas externas. A Itália tem conta corrente deficitária desde 1999, com tendência de mais deterioração. A garantia de moeda estável e pouco risco inflacionário, nessa situação, depende da permanência do país na Zona do Euro; uma nova lira (que equilibraria a conta corrente) provavelmente seria, periodicamente, desvalorizada e atacada, o que estragaria o sonho do dolce far niente.
O agregado dos países do euro não tem grandes problemas externos – a Alemanha e a Holanda, muito superavitárias, compensam os grandes déficits de Itália, Espanha e companhia, grosso modo (neste ano o déficit em conta corrente da zona do euro deve ser algo como 0,5% do PIB). Portanto, uma decisão eventual de monetizar dívida e chutar de vez a lata para longe (assumindo que em algum momento no futuro a monetização implicará em custos) teria que ser algo coordenado, com uma conciliação de interesses – os países “ricos” se convencendo de que vale a pena financiar a unidade do continente (pelo menos durante o tempo para as economias mais frágeis se reerguerem e desmontarem a rede de privilégios que quebrou os respectivos tesouros nacionais). Curiosamente esse é o mesmo tipo de pensamento que levou, em outras circunstâncias, à criação da União Européia; seria uma questão de pensar se, após o ocorrido nas últimas décadas, ainda deve-se atribuir um valor alto à estabilidade. A partir daí, a nova questão a ser respondida é quanto isso custará para o crescimento futuro do continente, ou o quanto é possível aceitar a idéia que crescimento pode deixar de ser, por um bom tempo, a grande prioridade de política econômica (e se é possível promover alguma justiça social sem crescimento). Essa, porém, não vou me arriscar a responder, por enquanto (até porque este texto já está muito maior do que o razoável).
O grande condicional para esse item todo é realmente ainda estarmos longe do fim de um longo período deflacionário. Se, por qualquer motivo (há vários bons no ar), a inflação voltar no mundo desenvolvido, a agonia dos credores deixa de ser diluída por muitos anos e passa a ser urgente, e os bancos centrais e governos terão um grande fator adicional de preocupação. Não seria bonito, definitivamente.
6. Tudo isso observado, ainda acredito (com grande risco de me provar errado, claro) que os políticos alemães, com as opções que têm em mãos, acabarão deixando de lado a ortodoxia irrestrita do velho Bundesbank e aprovando um plano de monetização de dívida parecido com o que fizeram, sob o rótulo mais palatável de “afrouxamento quantitativo”, Japão, EUA e Reino Unido (a tentativa atual é de fazer isso via o fundo de establização, EFSF, mas creio que esse mecanismo, que envolve alavancagem e emissão de dívida continental, é complexo e pouco eficiente comparado ao que pode fazer um banco central em pouco tempo). Isso poderia levar de volta os juros dos países mais problemáticos (os PIIGS, todos negociando taxas acima de 6% para os títulos de dez anos) para níveis mais baixos e quebrar o ciclo vicioso que descrevi anteriormente. O primeiro efeito colateral, talvez não tão indesejado, seria alguma desvalorização no euro, nada que ponha a moeda em risco de colapso (a julgar pelos outros exemplos). Afastados os riscos de calotes e quebras generalizadas e com uma nova rodada de estímulo monetário, a Europa poderia voltar a pensar em seus problemas estruturais (ou mesmo tentar acreditar que o passar do tempo vai resolvê-los, como propôs o Kaletsky). Se isso acontecer, ficará em segundo plano outra pergunta extremamente relevante: qual o real custo de aumentar radicalmente a base monetária?
7. O velho Keynes, no clássico As Consequências Econômicas da Paz, escreveu (na tradução de Sérgio Bath para a edição da UnB):
Atribui-se a Lênin a declaração de que a melhor maneira de destruir o sistema capitalista é destruindo a moeda. Com um processo contínuo de inflação os governos podem confiscar uma parte importante da riqueza dos seus cidadãos, secreta e furtivamente. Com esse método eles não só confiscam, mas o fazem arbitrariamente; é um processo que empobrece a muitos mas na verdade enriquece uns poucos. Esse deslocamento arbitrário de riqueza fere não só a segurança mas a confiança na equidade da distribuição de renda. Aqueles a quem o sistema traz vantagens além do que merecem, e mesmo do que esperam ou desejam, passam a ser “aproveitadores” – objeto de ódio da burguesia, que a inflação empobreceu, não menos do que o proletariado. À medida que a inflação se desenvolve, e o valor da moeda flutua de mês a mês, as relações permanentes entre credores e devedores, fundamento do capitalismo, se desorganizam até quase perderem o sentido. E o proceso de aquisição de valor degenera em uma loteria de azar.
Não há dúvida de que Lênin tinha razão. Não há meio mais seguro e mais sutil de subverter a base da sociedade do que corromper a sua moeda – processo que empenha todas as forças ocultas da economia na sua destruição, de modo tal que só uma pessoa em cada milhão consegue diagnosticar.
A citação de Lênin é supostamente apócrifa (ver aqui), mas o restante é uma descrição quase profética do que ocorreria na Alemanha alguns anos depois (o livro é de 1919) e do que, supostamente, assusta tanto os alemães até hoje. O porém é que o mundo de hoje não tem a menor cara de inflacionário, com o crescimento rodando abaixo do potencial na maior parte dos países, uma massa enorme de desempregados e aparente excesso de capacidade instalada (além de muito mais estabilidade política do que no período entre guerras). Além disso, as últimas experiências de monetização de dívida (as três citadas acima) não desencadearam processos inflacionários (ainda, dirão alguns), negando a idéia que imprimir dinheiro é caminho certo para hiperinflação: parece ser, sim, um passo necessário, mas não suficiente.
8. O Japão é o caso mais antigo de aplicação de “afrouxamento quantitativo”, e talvez sirva como mapa do que pode ocorrer com o EUA, Reino Unido e Zona do Euro daqui para frente. O Banco do Japão pratica juros zero desde 1999 e anunciou pela primeira vez um programa de compra de títulos em 2001, tentando combater um cenário de risco de deflação que persiste até hoje. Desde o estouro da bolha de crédito (com reflexos no Nikkei e no mercado imobiliário), em 1990, o desempenho da economia e das empresas tem sido, no melhor dos casos, medíocre. Nesse tempo, a dívida bruta do país passou de 68% para 245% do PIB. Apesar disso, o Japão segue sendo rico (com desemprego baixo / alta renda per capita), e, paradoxalmente, os juros longos seguem em patamares muito baixos (menos de 1%, para títulos de 10 anos) e o iene bastante valorizado.
No caso japonês, o equilíbrio depende de uma grande capacidade de gerar superávits externos, que afasta qualquer possibilidade de crise cambial e seus efeitos (muito conhecidos por aqui). Além disso, é necessário que os poupadores japoneses mantenham o dinheiro no país, e que a sociedade tenha aprendido a viver com baixa mobilidade social e total simbiose entre empresas e bancos com o governo. Convém também não pensar muito no futuro, sobretudo nas próximas gerações. Não há a menor perspectiva de que a situação fiscal do país melhore ou que as empresas sejam capazes de voltar ao lucro, e os cidadãos parecem estar razoavelmente bem com isso.
Sem pensar muito, dá para imaginar que esse modelo seria benvindo em muitos países da Europa: enriquecemos, tivemos poucos filhos e podemos nos dedicar a uma decadência lenta e razoavelmente opulenta. A Itália, por exemplo, tem uma demografia muito parecida com a do Japão: alta expectativa de vida (77 anos para homens, 83 para mulheres), baixa fertilidade (1,4 filho por mulher), população decrescente (deve cair até 2015) e envelhecida (idade média da população de 42 anos, só mais baixa no mundo que a do Japão). Diferenças regionais à parte, imagino que, se perguntado, o italiano médio escolheria “progredir de vez e virar japonês”, como já profetizava o Ultraje a Rigor. Entretanto, essa decisão não é possível, com a limitação evidente do país nas contas externas. A Itália tem conta corrente deficitária desde 1999, com tendência de mais deterioração. A garantia de moeda estável e pouco risco inflacionário, nessa situação, depende da permanência do país na Zona do Euro; uma nova lira (que equilibraria a conta corrente) provavelmente seria, periodicamente, desvalorizada e atacada, o que estragaria o sonho do dolce far niente.
O agregado dos países do euro não tem grandes problemas externos – a Alemanha e a Holanda, muito superavitárias, compensam os grandes déficits de Itália, Espanha e companhia, grosso modo (neste ano o déficit em conta corrente da zona do euro deve ser algo como 0,5% do PIB). Portanto, uma decisão eventual de monetizar dívida e chutar de vez a lata para longe (assumindo que em algum momento no futuro a monetização implicará em custos) teria que ser algo coordenado, com uma conciliação de interesses – os países “ricos” se convencendo de que vale a pena financiar a unidade do continente (pelo menos durante o tempo para as economias mais frágeis se reerguerem e desmontarem a rede de privilégios que quebrou os respectivos tesouros nacionais). Curiosamente esse é o mesmo tipo de pensamento que levou, em outras circunstâncias, à criação da União Européia; seria uma questão de pensar se, após o ocorrido nas últimas décadas, ainda deve-se atribuir um valor alto à estabilidade. A partir daí, a nova questão a ser respondida é quanto isso custará para o crescimento futuro do continente, ou o quanto é possível aceitar a idéia que crescimento pode deixar de ser, por um bom tempo, a grande prioridade de política econômica (e se é possível promover alguma justiça social sem crescimento). Essa, porém, não vou me arriscar a responder, por enquanto (até porque este texto já está muito maior do que o razoável).
O grande condicional para esse item todo é realmente ainda estarmos longe do fim de um longo período deflacionário. Se, por qualquer motivo (há vários bons no ar), a inflação voltar no mundo desenvolvido, a agonia dos credores deixa de ser diluída por muitos anos e passa a ser urgente, e os bancos centrais e governos terão um grande fator adicional de preocupação. Não seria bonito, definitivamente.
Gráfico do dia - corrida para o buraco
Os juros de dez anos da Itália e Espanha voltaram a patamares parecidos, para nenhum alívio dos dois países. Eu acho o crédito da Espanha mais frágil; façam suas apostas.
Assinar:
Postagens (Atom)