segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O fim do “duplo equilíbrio” nos juros?

Texto desta semana para a Agência Estado.


Entre as inúmeras explicações dadas para a persistência de juros reais altos no Brasil, a tese do “duplo equilíbrio” é das mais interessantes. Por ela, o país estaria preso em uma armadilha que se auto-alimenta: partindo de um nível alto de juros, o serviço da dívida é caro, requerendo um grande esforço fiscal e embutindo um risco grande para os títulos soberanos. O risco serve para justificar as taxas altas pedidas pelo mercado para carregar a dívida, e o preço dos títulos encontra equilíbrio a um nível de juros ainda mais alto, que deve ser sancionado pelo banco central na formulação da política monetária.

Para quebrar a armadilha, seria necessário um choque externo que colocasse os juros de partida num nível mais baixo. Isso reverteria o ciclo descrito acima: as taxas menores reduziriam os pagamentos de juros e o risco da dívida, levando o mercado a um novo equilíbrio, sem comprometer o controle da inflação.

Quaisquer que sejam os reais motivos que levaram o Banco Central do Brasil a, a partir de março de 2012, levar a taxa Selic aos níveis mais baixos em várias décadas, entre eles poderia estar uma justificativa “técnica”, embasada pela elegante teoria do “duplo equilíbrio” descrita acima. Se o experimento desse certo, Tombini e sua equipe entrariam para a história por terem, em uma decisão audaciosa, livrado os contribuintes brasileiros de transferirem bilhões de reais para os detentores da dívida ao longo do tempo. A combinação do ambiente de juros internacionais perto dos níveis mais baixos da história com anos de alguma disciplina fiscal, melhora notável do perfil da dívida (fim da dívida remunerada pela variação cambial e redução da emissão de LFTs) e acúmulo de reservas internacionais contribuiriam para aumentar a probabilidade de sucesso da mudança de rumo na política monetária.

Faltou, claro, combinar com a inflação, que foi o fator decisivo para que tal experimento começasse a ser revertido depois de pouco mais de um ano. Porém, o aumento da inflação deveria ter papel menos relevante na determinação dos juros reais--apenas levaria a uma alta na Selic que compensasse o desvio com relação à meta. Não foi o que ocorreu: os juros reais de longo prazo, medidos pela taxa de mercado das NTN-Bs, passaram pouco tempo ao redor de 3% (o que seria compatível com o objetivo declarado de levar os juros reais de um dia a 2%), e já voltam a flertar com o nível que parecia ser o equilíbrio anterior, ao redor de 6%.

Com esses resultados, sai enfraquecida a hipótese do equilíbrio duplo. Pior do que isso, as evidências apontam para a velha tese da “dominância fiscal” defendida por Olivier Blanchard*: o aumento nos juros tem sido acompanhado por uma depreciação no câmbio, como se a juros mais altos a dívida brasileira ficasse menos atrativa para o investidor global. Isso se explicaria por um maior risco de calote na dívida (como estamos tratando de dívida interna, essa probabilidade é melhor descrita como risco de mais depreciação no câmbio, controles de capital e aceleração da inflação para além do que o mercado precifica), que afastaria novos aplicadores e aumentaria o prêmio de risco para investimentos no país.

A saída da “dominância fiscal” é por via conhecida, ou seja, ortodoxa: aumentar o esforço fiscal, deixar o câmbio se ajustar, baixar a inflação e depois tentar um novo patamar para os juros. Parece ser para esse lado que o pêndulo está balançando, ainda que por uma somatória de forças conflitantes. Os meses do experimento ao tentar forçar um novo equilíbrio serviram, ao menos, para provar que a Selic alta não era nem de longe o principal obstáculo ao crescimento do país.


* Fiscal Dominance and Inflation Targeting: Lessons from Brazil, NBER Working Paper No. 10389

3 comentários:

Anônimo disse...

a teoria do duplo equilibrio nao seria a melhor explicacao para o que aconteceram nos juros depois de 2002? (e nao 2012 como no texto acima). No meu ver o ciclo de commodities foi o fator "externo" que permitiu nao somende uma queda de juros mas tambem uma maior flexibilidade na politica monetaria apos 2002. Ja o que aconteceu em 2012 foi barberagem mesmo.

ze

Anônimo disse...

Muito bom o texto, compartilho da análise.

Anônimo disse...

Só não entendi o salto entre "a política teve que ser revertida" e "enfraquece a hipótese do equilíbrio duplo". Até porque ver a atual depreciação do câmbio como reação aos juros subindo é, no mínimo, imprudência analítica.

O problema me parece mais que a mesma crise internacional que permitiu baixar os juros também travou mais o crescimento do que se pensava, e nisso atrapalhou o efeito fiscal da queda de juros e virou inflação. E o uso do dinheiro não foi pra investimentos públicos em infra-estrutura como deveria.

Enfim, não acho que o problema foi de diagnóstico, e sim do tratamento incompleto e da resistência da doença.

O que também não apaga o fato que não adianta baixar juros sem investir na infra-estrutura, e fazer reformas microeconômicas que façam os juros baixos levarem o rentista pro setor produtivo.