quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Reservas, pra que te quero?

Texto desta semana para a Agência Estado.

O Banco Central do Brasil passou anos acumulando reservas internacionais, tirando do mercado parte do grande volume de dólares que entrou no país nos tempos de bonança nas contas externas e tentando atenuar a tendência decorrente de valorização do real. Em setembro do ano passado, essa conta parou de crescer, permanecendo ao redor de US$ 370 bilhões até hoje. Com o movimento recente no mercado de câmbio, começam as especulações sobre o destino desses dólares (e alguns euros, ienes, libras, etc. - há alguma, não muita, diversificação nas reservas). A desvalorização é bem-vinda para exportadores e os economistas autodenominados “desenvolvimentistas”, que há muito tempo pedem um real mais fraco. Porém, o longo período de fortalecimento da moeda certamente gerou interesses que dependem da continuação dessa conjuntura (ou ao menos de uma transição mais suave): por exemplo, agências de viagem, varejistas e o próprio BC, que deixará de contar com preços em queda de bens duráveis importados para atenuar a alta dos índices de inflação.

A resultante dessas forças pode fazer com que em breve haja pressão sobre o banco central para entregar reservas ao mercado e atenuar a alta do dólar--seria uma nova arma no “arsenal” que o ministro Mantega gosta de mencionar. Isso dependeria, porém, do BC tomar alguns grandes riscos: primeiro, criar condições de saída a um preço mais favorável do que o de equilíbrio pelo mercado para quem quiser tirar dinheiro do Brasil ; segundo, seria uma aposta num período de tempo relativamente curto de fortalecimento global do dólar--caso a tendência permaneça, a queda nas reservas pode alimentar um ataque especulativo, que consumiria mais reservas e levaria uma espiral de desvalorização acentuada. A história não é generosa com bancos centrais que tentaram lutar contra os mercados, com o caso mais famoso sendo o do Banco da Inglaterra ajudando a criar a fama e fortuna de George Soros e seus sócios, em setembro de 1992.

A pesquisa econômica recente coloca grande ênfase no papel estabilizador de reservas internacionais em países emergentes, sobretudo os que operam com câmbio flutuante (para os de câmbio fixo, é evidente a intenção de escolher uma taxa de câmbio que sirva aos principais interesses econômicos do país e defendê-la, como é o caso da China). Os motivos citados são diversos: aumentar o custo para os especuladores envolvidos em um ataque e reduzir a probabilidade desse tipo de evento; reduzir a violência dos ajustes de taxa de câmbio (o mais recorrentemente citado pelo nosso BC);  facilitar o desenvolvimento do mercado de dívida local, atraindo investidores estrangeiros; oferecer colateral para que empresas nacionais possam emitir dívida em moeda estrangeira. Todos eles, porém, apontam para certo consenso em manter as reservas em níveis relativamente elevados, e não liquidá-las em tempos de crise. A política de gestão de reservas, dessa maneira, não deve ter correlação com política fiscal, já que aquela não permite uma atuação anticíclica. Requer grande autonomia e certa humildade do BC para não tentar operar o mercado ou tentar escolher um nível de câmbio.

Até agora, o Brasil parece estar seguindo a teoria, deixando o câmbio se ajustar a partir de um nível de partida claramente sobrevalorizado e a uma situação de liquidez externa marginalmente desfavorável. Ainda que, caso continue o movimento das últimas semanas, a falta de novas ações passe a parecer inaceitável para parte do governo e da imprensa, é melhor que o trabalho do BC siga sendo apenas de suavizar as oscilações de mercado. Hora de simplesmente deitar-se sobre o tal colchão de reservas e aproveitar seus benefícios, ainda que eles não sejam facilmente perceptíveis quando a turbulência no mercado torna-se rotineira.

Agradeço a Samer Shousha pela discussão e pela revisão da literatura

4 comentários:

Anônimo disse...

E eis que o BC cede a pressão e anuncia ração diária...

Anônimo disse...

Interessante!
Você poderia dar algumas dicas sobre artigos que tratam do papel das reservas nos emergentes?
Além disso, se possível, algum livro que conte esses causos e histórias das apostas do Soros?

Valeu!

negao disse...

PJ, voce ta com muita cara de miriam leitao!!! bom artigo

Anônimo disse...

A resultante dessas forças pode fazer com que em breve haja pressão sobre o banco central para entregar reservas ao mercado e atenuar a alta do dólar--seria uma nova arma no “arsenal” que o ministro Mantega gosta de mencionar. Isso dependeria, porém, do BC tomar alguns grandes riscos: primeiro, criar condições de saída a um preço mais favorável do que o de equilíbrio pelo mercado para quem quiser tirar dinheiro do Brasil.

Nosso passivo externo bruto em março de 2.013 era de US$ 1,6 tri. Como o BC com US$ 370 bi pode sequer pensar em criar condições para que o capital externo deixe o País? Vai que ele se empolga e aceita....