terça-feira, 20 de agosto de 2013

O sinal e o ruído na inflação brasileira

Na semana passada iniciei uma coluna para a Broadcast da Agência Estado (em breve vai aparecer também na página do jornal na internet). Esta é a primeira; vou colocando as outras aqui depois que forem saindo lá.

Na última semana, parte do governo (que exclui o banco central, importante ressaltar) comemorou a pequena variação no IPCA em julho - 0,03%. “A queda da inflação é uma maravilha”, disse a presidente, como se fosse possível traçar uma tendência a partir de um ponto e tal queda fosse um fato consumado. Políticos, porém, não são os únicos a cometer esse tipo de erro, e a disponibilidade de dados de inflação no Brasil contribui para que a discussão seja muitas vezes pautada por ruídos, com a informação principal sendo esquecida ou convenientemente omitida.

Não conheço outro país do mundo que acompanhe inflação de forma tão obsessiva. Somadas as divulgações do IBGE, FGV e FIPE, quase todo dia são publicadas novas leituras de índices de inflação. Bancos, empresas e consultorias mobilizam uma legião de analistas que tentam extrair informação de coletas e monitores de preços diários para conseguir alguma vantagem no grande mercado de títulos e derivativos indexados. Por fim, a mídia amplifica esse ruído, por vezes evocando o risco de “acordar o dragão” e alimentando factoides, como a “inflação do tomate” que vimos no início deste ano. 

Se nos concentrarmos em dados de médio / longo prazo, é possível extrair alguns fatos da inflação brasileira que são mais úteis para a formulação de políticas do que acompanhar as divulgações diárias. Primeiro, a inflação cheia, medida pelo IPCA, tem sido surpreendentemente estável - a um nível alto, e, dirão os críticos, sujeita a mudanças de metodologia e “canetadas” do governo em alguns preços, notoriamente os de combustíveis e tarifas elétricas. Nos últimos cinco anos, a medida mensal do IPCA acumulado em doze meses teve mediana de 5,73%. Nos cinco anos anteriores, havia sido 5,63%. Não por acaso, a mediana das expectativas de mercado, pelo relatório Focus, aponta para uma variação do IPCA no ano-calendário de 2013 em 5,74% e em 5,85% para 2014. Parece seguro afirmar, portanto, que a inflação brasileira tem oscilado entre 5,5% e 6,0% anuais há bastante tempo, sem uma grande mudança de tendência perceptível. O mercado de inflação implícita, estimada pelas taxas pré-fixadas descontadas pelos juros de mercado das NTN-Bs, corrobora essa afirmação, costumeiramente atraindo vendedores quando a inflação esperada para períodos de dois ou mais anos ultrapassa 6%.

É na abertura dos componentes do índice que estão os principais problemas: há, sim, uma clara tendência de alta na inflação de serviços a partir do ínicio de 2008, com poucos sinais de arrefecimento (não é alívio caso “estabilize” subindo mais de 8% ao ano). Ao longo do tempo, isso foi compensado com forte queda na inflação de bens duráveis, interrompida recentemente com a alta do dólar. Se essas duas tendências, de alguma forma, se contrabalanceiam, a inflação ao longo de poucos meses (justamente a mais discutida e fonte de manchetes) acaba sendo definida pelo comportamento dos preços de alimentos, que depende de fatores pouco controláveis - clima e mercados de commodities globais, por exemplo. Em resumo, acabamos, na maior parte do tempo, tentando racionalizar sobre o imponderável - o que poderia ser aceitável em cadernos de esporte, mas tem pouco valor para a boa análise econômica.

Se aceitarmos a hipótese que a alta na inflação de serviços é efeito colateral de uma decisão deliberada de fortalecer os trabalhadores via indexação do salário mínimo, só é possível conceber uma inflação mais baixa quando essa política começar a ser desmontada, seja por outra decisão de política econômica ou por uma piora no mercado de trabalho. E se de fato o real estiver em meio a uma tendência mais longa de depreciação, seus efeitos nos preços de duráveis podem levar a inflação a um novo patamar - ou seja, é legítima a renovada preocupação com o pass-through do câmbio, e aí talvez esteja o sinal mais importante para os próximos meses.

8 comentários:

análise energia disse...

Eu também vejo um risco do negócio degringolar quando o governo não conseguir mais segurar as os preços administrados. As tarifas de energia elétria e de gasolina, por exemplo, estão pressionadas. E o transporte público...será que em 2014 não aumenta de novo?

Anônimo disse...

Uma vez escutei alguém dizer que economia funciona melhor como em uma maratona do que como em 100 metros rasos.

O problema é que a política se sobrepõe aos interesses do país.
Cada ponto, ao invés da tendência, é discutido como se fosse a redenção ou o pico dos problemas do governo, qualquer que seja ele.

Não se discute a velocidade da curva, possíveis inflexões, etc.

Por exemplo, ainda relacionam inflação em 12 meses versus SELIC. Burrice maior não há.
Qual a taxa SELIC necessária para agir sobre o passado?

Mas, é só escutar qualquer comentário de "econojornalista" que brota esta pérola.
A conclusão que chego é que estes comentaristas não são burros. São politicamente mal intencionados mesmo.

Dionísio disse...

Um comentário relacionando esse com um post mais abaixo: no médio e longo prazo, como se esgotou o exército de reserva, não é concebível um aumento da produtividade que venha a mudar os termos dessa dinâmica? Ao invés do mercado de trabalho ser liderado pelos serviços (já inchados, talvez), a indústria mais moderna pode voltar a contratar, mudando o patamar de produtividade (contando com o novo patamar do câmbio).

De qualquer maneira, uma conclusão alvissareira do seu post; o governo demonstrou grande flexibilidade em se ajustar e usar dos mais diversos mecanismos pra manter a inflação abaixo do teto, e provavelmente vai fazer de tudo pra que não ultrapasse nem um único ano. Uma regularidade perene dessas já deve ser contabilizada pelo investidor realista, não?

Anônimo disse...

O que interessa é o futuro. O passado só interessa para saber o que pode acontecer. Neste sentido, o passado condena, pois este governo fez tudo para deteriorar as expectativasdos agentes econômicos:
•Mudanças constantes e de difícil justificativa dos marcos regulatórios;
•Tabelar txas de retorno de concessões;
•Maquiagem de estatísticas, contabilidade pública e indicadores;
•Utilização de bancos públicos para fugir à transparência orçamentária;
•Represamento de tarifas (energia, combustíveis, transporte, pedágios, etc);
•Aparelhamento partidário de orgãos de governo, empresas públicas e agencias regulatórias;
•Estrutura administrativa inchada a começar pelo absurdo número de Ministérios;
•Pressão sobre o BACEN
•Metas risíveis de cortes de gastos frente a evidente expansão fiscal;
•Desonerações pontuais e efêmeras;

Enfim, este governo não precisa de ajuda da imprensa, que na minha opinião tem sido até por demais condescendente, para perder a credibilidade e a confiança dos investidores.

Anônimo disse...

Sem controle de preços e tarifas já estaria rodando a 8%!

Continue o bom trabalho, mas não deixa mais passar esses furos!

Abraço do fiel leitor

Drunkeynesian disse...

Essa conclusão é meio rasteira, como se o BC não tivesse feito nada se a leitura do IBGE tivesse sido mais alta...

Maradona disse...

O problema do investidor realista é tentar avaliar o que são escapadas e o que são delitos voluntários. Ruído ou sinal, como o Drunk apontou. O cavalo de pau nos juros em 2011 (que eu achei positivo até! fiquei feliz quase como quando eu vi meu filho andando de bicicleta pela primeira vez! o Brasil virou moçinho! mas achei que o BC deveria ter parado de cair os juros pouco abaixo de 9% e subido os juros em jan-13! nada é perfeito) pode ter dado parcialmente com os burros nágua pela força surpreendente do mercado de trabalho e pelo ímpeto nada surpreendente da Fazenda em atuar também. Investidor realista, me diga: foi um erro de diagnóstico ou foi a velha crença que o mercado tem uma obsessão rentista pela inflação baixa? A atuação anti-cíclica do mantegão foi mal ajustada ou é fruto de uma idéia de que demanda gera investimento, que se dane os fiscalistas neo-liberais afinal estamos melhores (??) que os USA, que o Estado deve liderar e mover o capital em nome do progresso...
A inflação veio de 5% para 6,5% e não seria nada demais se o investidor realista não estivesse lotado de dúvidas mais profundas. Mas não devemos nos preocupar, o capital voltará assim que os yields e a taxa cambial proporcionarem uma boa gordura! Acredito realmente que o capital estrangeiro estaria dando tchau mesmo que o Friedman comandasse a parada por aqui. Mas a diferença é que com o velho liberal a volta da bufunfa ocorreria antes e a economia sofreria um pouco menos.
Maradona

Anônimo disse...

O BC não fez mais nada porque a leitura não veio mais alta...

Mas todos sabemos que o controle de tarifas não pode continuar indefinidamente.

E portanto a inflação que nós vemos hoje é "de mentirinha" mesmo.

Isso não teria espaço em um país sério, é uma pena o pouco destaque dado ao assunto, que em si é bem mais perigoso que o próprio descontrole inflacionário.