Na última semana, parte do governo (que exclui o banco central, importante ressaltar) comemorou a pequena variação no IPCA em julho - 0,03%. “A queda da inflação é uma maravilha”, disse a presidente, como se fosse possível traçar uma tendência a partir de um ponto e tal queda fosse um fato consumado. Políticos, porém, não são os únicos a cometer esse tipo de erro, e a disponibilidade de dados de inflação no Brasil contribui para que a discussão seja muitas vezes pautada por ruídos, com a informação principal sendo esquecida ou convenientemente omitida.
Não conheço outro país do mundo que acompanhe inflação de forma tão obsessiva. Somadas as divulgações do IBGE, FGV e FIPE, quase todo dia são publicadas novas leituras de índices de inflação. Bancos, empresas e consultorias mobilizam uma legião de analistas que tentam extrair informação de coletas e monitores de preços diários para conseguir alguma vantagem no grande mercado de títulos e derivativos indexados. Por fim, a mídia amplifica esse ruído, por vezes evocando o risco de “acordar o dragão” e alimentando factoides, como a “inflação do tomate” que vimos no início deste ano.
Se nos concentrarmos em dados de médio / longo prazo, é possível extrair alguns fatos da inflação brasileira que são mais úteis para a formulação de políticas do que acompanhar as divulgações diárias. Primeiro, a inflação cheia, medida pelo IPCA, tem sido surpreendentemente estável - a um nível alto, e, dirão os críticos, sujeita a mudanças de metodologia e “canetadas” do governo em alguns preços, notoriamente os de combustíveis e tarifas elétricas. Nos últimos cinco anos, a medida mensal do IPCA acumulado em doze meses teve mediana de 5,73%. Nos cinco anos anteriores, havia sido 5,63%. Não por acaso, a mediana das expectativas de mercado, pelo relatório Focus, aponta para uma variação do IPCA no ano-calendário de 2013 em 5,74% e em 5,85% para 2014. Parece seguro afirmar, portanto, que a inflação brasileira tem oscilado entre 5,5% e 6,0% anuais há bastante tempo, sem uma grande mudança de tendência perceptível. O mercado de inflação implícita, estimada pelas taxas pré-fixadas descontadas pelos juros de mercado das NTN-Bs, corrobora essa afirmação, costumeiramente atraindo vendedores quando a inflação esperada para períodos de dois ou mais anos ultrapassa 6%.
É na abertura dos componentes do índice que estão os principais problemas: há, sim, uma clara tendência de alta na inflação de serviços a partir do ínicio de 2008, com poucos sinais de arrefecimento (não é alívio caso “estabilize” subindo mais de 8% ao ano). Ao longo do tempo, isso foi compensado com forte queda na inflação de bens duráveis, interrompida recentemente com a alta do dólar. Se essas duas tendências, de alguma forma, se contrabalanceiam, a inflação ao longo de poucos meses (justamente a mais discutida e fonte de manchetes) acaba sendo definida pelo comportamento dos preços de alimentos, que depende de fatores pouco controláveis - clima e mercados de commodities globais, por exemplo. Em resumo, acabamos, na maior parte do tempo, tentando racionalizar sobre o imponderável - o que poderia ser aceitável em cadernos de esporte, mas tem pouco valor para a boa análise econômica.
Se aceitarmos a hipótese que a alta na inflação de serviços é efeito colateral de uma decisão deliberada de fortalecer os trabalhadores via indexação do salário mínimo, só é possível conceber uma inflação mais baixa quando essa política começar a ser desmontada, seja por outra decisão de política econômica ou por uma piora no mercado de trabalho. E se de fato o real estiver em meio a uma tendência mais longa de depreciação, seus efeitos nos preços de duráveis podem levar a inflação a um novo patamar - ou seja, é legítima a renovada preocupação com o pass-through do câmbio, e aí talvez esteja o sinal mais importante para os próximos meses.
8 comentários:
Eu também vejo um risco do negócio degringolar quando o governo não conseguir mais segurar as os preços administrados. As tarifas de energia elétria e de gasolina, por exemplo, estão pressionadas. E o transporte público...será que em 2014 não aumenta de novo?
Uma vez escutei alguém dizer que economia funciona melhor como em uma maratona do que como em 100 metros rasos.
O problema é que a política se sobrepõe aos interesses do país.
Cada ponto, ao invés da tendência, é discutido como se fosse a redenção ou o pico dos problemas do governo, qualquer que seja ele.
Não se discute a velocidade da curva, possíveis inflexões, etc.
Por exemplo, ainda relacionam inflação em 12 meses versus SELIC. Burrice maior não há.
Qual a taxa SELIC necessária para agir sobre o passado?
Mas, é só escutar qualquer comentário de "econojornalista" que brota esta pérola.
A conclusão que chego é que estes comentaristas não são burros. São politicamente mal intencionados mesmo.
Um comentário relacionando esse com um post mais abaixo: no médio e longo prazo, como se esgotou o exército de reserva, não é concebível um aumento da produtividade que venha a mudar os termos dessa dinâmica? Ao invés do mercado de trabalho ser liderado pelos serviços (já inchados, talvez), a indústria mais moderna pode voltar a contratar, mudando o patamar de produtividade (contando com o novo patamar do câmbio).
De qualquer maneira, uma conclusão alvissareira do seu post; o governo demonstrou grande flexibilidade em se ajustar e usar dos mais diversos mecanismos pra manter a inflação abaixo do teto, e provavelmente vai fazer de tudo pra que não ultrapasse nem um único ano. Uma regularidade perene dessas já deve ser contabilizada pelo investidor realista, não?
O que interessa é o futuro. O passado só interessa para saber o que pode acontecer. Neste sentido, o passado condena, pois este governo fez tudo para deteriorar as expectativasdos agentes econômicos:
•Mudanças constantes e de difícil justificativa dos marcos regulatórios;
•Tabelar txas de retorno de concessões;
•Maquiagem de estatísticas, contabilidade pública e indicadores;
•Utilização de bancos públicos para fugir à transparência orçamentária;
•Represamento de tarifas (energia, combustíveis, transporte, pedágios, etc);
•Aparelhamento partidário de orgãos de governo, empresas públicas e agencias regulatórias;
•Estrutura administrativa inchada a começar pelo absurdo número de Ministérios;
•Pressão sobre o BACEN
•Metas risíveis de cortes de gastos frente a evidente expansão fiscal;
•Desonerações pontuais e efêmeras;
Enfim, este governo não precisa de ajuda da imprensa, que na minha opinião tem sido até por demais condescendente, para perder a credibilidade e a confiança dos investidores.
Sem controle de preços e tarifas já estaria rodando a 8%!
Continue o bom trabalho, mas não deixa mais passar esses furos!
Abraço do fiel leitor
Essa conclusão é meio rasteira, como se o BC não tivesse feito nada se a leitura do IBGE tivesse sido mais alta...
O problema do investidor realista é tentar avaliar o que são escapadas e o que são delitos voluntários. Ruído ou sinal, como o Drunk apontou. O cavalo de pau nos juros em 2011 (que eu achei positivo até! fiquei feliz quase como quando eu vi meu filho andando de bicicleta pela primeira vez! o Brasil virou moçinho! mas achei que o BC deveria ter parado de cair os juros pouco abaixo de 9% e subido os juros em jan-13! nada é perfeito) pode ter dado parcialmente com os burros nágua pela força surpreendente do mercado de trabalho e pelo ímpeto nada surpreendente da Fazenda em atuar também. Investidor realista, me diga: foi um erro de diagnóstico ou foi a velha crença que o mercado tem uma obsessão rentista pela inflação baixa? A atuação anti-cíclica do mantegão foi mal ajustada ou é fruto de uma idéia de que demanda gera investimento, que se dane os fiscalistas neo-liberais afinal estamos melhores (??) que os USA, que o Estado deve liderar e mover o capital em nome do progresso...
A inflação veio de 5% para 6,5% e não seria nada demais se o investidor realista não estivesse lotado de dúvidas mais profundas. Mas não devemos nos preocupar, o capital voltará assim que os yields e a taxa cambial proporcionarem uma boa gordura! Acredito realmente que o capital estrangeiro estaria dando tchau mesmo que o Friedman comandasse a parada por aqui. Mas a diferença é que com o velho liberal a volta da bufunfa ocorreria antes e a economia sofreria um pouco menos.
Maradona
O BC não fez mais nada porque a leitura não veio mais alta...
Mas todos sabemos que o controle de tarifas não pode continuar indefinidamente.
E portanto a inflação que nós vemos hoje é "de mentirinha" mesmo.
Isso não teria espaço em um país sério, é uma pena o pouco destaque dado ao assunto, que em si é bem mais perigoso que o próprio descontrole inflacionário.
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