segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A poupança brasileira e a Disney

Dizer que "o Brasil gastou sua poupança na Disney" gera uma manchete poderosa, juntando cultura pop, crítica a uma suposta tendência consumista do brasileiro médio e uma moral implícita, pela qual consumir é um pecado em um país que precisa tanto de poupança. Vai fazer sucesso nos círculos que gostam de analisar caricaturas e respostas prontas. É, porém, errado a ponto de poder ser questão de prova de introdução à macroeconomia de qualquer aluno de primeiro ano (nem precisa ser graduando em economia).


O brasileiro gastou, na Disney, em Paris ou em Timbuctu porque, primeiro, havia dólares disponíveis para serem comprados no mercado e, segundo, porque esses dólares ficaram baratos a ponto dessas viagens serem alternativas preferíveis a ir para Foz do Iguaçu ou Canoa Quebrada. Tudo isso foi facilitado porque o país passou bastante tempo tendo superávits em conta corrente, o que equivale a dizer que estava exportando poupança em moeda estrangeira - justo o contrário do que foi dito na matéria. Essa é uma identidade de contas nacionais vergonhosamente básica.

Por muito tempo o Brasil não precisava atrair fluxos internacionais ou tomar empréstimos em moeda estrangeira para obter dólares com intenção de investir ou consumir, tudo isso era financiado pelo comércio exterior, com folga (quem se endividou em dólares não foi o consumidor, foram empresas se aproveitando da janela de financiamento aparentemente barato). O problema recente é que essa folga acabou, e isso deve fazer com que também diminuam as viagens para a Disney que, naturalmente, ficaram mais caras com o câmbio mais desvalorizado que reflete a nova conjuntura.

Enfim, existem as mais diversas maneiras acertadas de criticar a condução da economia brasileira. Botar a culpa em quem, racionalmente e dados os incentivos, escolheu gastar em outra país não é uma delas. Ir menos a Disney não nos fará mais prósperos (se fosse fácil assim...).

18 comentários:

Anônimo disse...

Eu acho até que a ida dos brasileiros ao exterior foi muito positiva. Conhecendo outros lugares os brasileiros puderam ver e vivenciar uma outra realidade, onde o cidadao e o contribuinte eh tratado com respeito e as coisas funcionam. Começam a ver isto ja na fila de imigração. Sem duvida isto pode ter tido um impacto nas manifestações de junho.

Vítor Wilher disse...

É o que eu venho tentando dizer, mas certas coisas são difíceis de serem ditas. De 2003 a 2007, cinco em doze anos de superávit na conta corrente, nós tivemos essa bonança.

Incrível mesmo é verificar a pontualidade desse superávit. Na série do Banco Central, que é de 47/48, só doze anos tivemos superávit em conta corrente.

Se, de fato, exportamos poupança nesses cinco anos, o normal para a economia brasileira é o contrário. Com o consumo sendo 60% do PIB, os incentivos se dão em outra direção mesmo...

Abs,

Vítor Wilher
www.vitorwilher.com

Anônimo disse...

Acho que sua leitura da entrevista do paulo foi ao "pé da letra" e, portanto restrita. A imagem que ele usou (Disney) era uma referência à política de incentivo ao consumo do governo brasileiro e aos seus excessivos gastos correntes. Uma imagem apenas. Obviamente, não são os gastos com turismo e compras no exterior de turista brasileiros, embora recoirdes e com algum peso,que criaram os problemas que agora enfrentamos.

Anônimo disse...

Caro Drunkeynesian:

Em geral, concordo com tuas análises. Mas, neste caso, o Paulo Leme está certíssimo. No caso de, em um contexto externo favorável, não ter aumentado a poupança intera (via, por exemplo, superávit ou maior investimento no setor público, na área de infraestrutura) para ampliar a capacidade produtiva foi um erro histórico e hoje nosso crescimento potencial poderia ser bem maior. No lugar de elevar a poupança que o cenário internacional facilitava na bonança o consumo aumentou. O problema dos incentivos (via dólar barato, por exemplo) é a manifestação no sistema de preços desse problema. Um esforço de investimento e poupança não teria permitido um dólar tão barato. O ponto é que agora nos encontramos diante da volta da restrição externa e da falta de poupança interna para ampliar a capacidade produtiva. Voltamos ao eterno ciclo de stop-and-go.

Anônimo disse...

Caro blogueiro, decepcionante o seu comentário. Como disse o Anonimo as 13:18 de hoje : e se o país investisse em máquinas e equipamentos p/ o aumento da produção...;.

Paulo Simões Diniz disse...

Dizer que gastou a poupança na Disney é uma metáfora para dizer que o País preferiu consumir a poupar. De 1.995 até hoje só tivemos superávit em transações correntes entre 2.003 a 2.007. Nos demais anos aumentamos nosso passivo externo (IED, aplicação de renda fixa e variável, financiamento de fornecedores, empréstimos) e este fluxo foi dirigido preferencialmente para o consumo visto que o investimento vem patinando há anos. Com a diminuição da liquidez externa e com a falta de conversão do passivo externo em investimentos quando ele era abundante, chegou a hora de reduzir drasticamente o consumo para pagar juros/dividendos/lucros dos capitais recebidos assim como pagar as importações de bens e serviços que são maiores que as exportações. Acho que o Paulo Leme colocou o dedo na ferida.

Paulo Simões Diniz disse...

Tudo isso foi facilitado porque o país passou bastante tempo tendo superávits em conta corrente, o que equivale a dizer que estava exportando poupança em moeda estrangeira - justo o contrário do que foi dito na matéria. Essa é uma identidade de contas nacionais vergonhosamente básica.
Sempre tivemos duas restrições sérias ao investimento no País: inflação e falta de dólar. No período 2.003 a 2.007 estávamos com estes dois problemas resolvidos. Se o governo da época tivesse aberto o programa de privatização na área de infraestrutura nós importaríamos mais (a poupança não seria exportada), investiríamos mais e os problemas atuais talvez não existem dado o aumento da capacidade produtiva do País. Nada contra o aumento do consumo sustentável, precedido de investimentos. Tudo contra o excesso de consumo que ocorreu durante os últimos anos e cuja conta amarga uma hora chega.

Drunkeynesian disse...

O aumento de passivo externo veio sobretudo com investimento estrangeiro direto, o que, em teoria, não é financiamento ao consumo, mas sim empresas estrangeiras abrindo operações no Brasil. De novo, acho que analistas brasileiros têm hábito de ver consumo como pecado ou como detrimental ao investimento, como se o problema do país fosse que consome demais. Reconheço todos esses problemas que vocês listaram, mas dizer que foi o consumo que causou o agravou eles me parece errado.

Anônimo disse...

"Um esforço de investimento e poupança não teria permitido um dólar tão barato"

nao sõ teria como poderia atrair mais capital pa investimento, valorizando o cambio ainda mais...logo, nao resolveria a questao

Anônimo disse...

Eu sou o Anônimo das 13:18. Este comentário vai tanto para Drunkeynesian como para o Anônimo das 21:25.

Não vamos olhar o consumo como pecado, deixemos isso para as religiões. M as que o Brasil consumo muito consume ou, em outras palavras, poupa pouco. Historicamente a taxa de poupança no Brasil é de 20% (um pouco mais um pouco menos, segundo os anos). De ser certos os cálculos indicando que para sustentar uma taxa de crescimento de alguma coisa mais que 5% teríamos que investir 25% do PIB, o Brasil poupa pouco (ou consume muito). Ou, em outros termos, consume muito para financiar uma taxa de investimento de 25%. Quem consume (se é o Estado ou o setor privado é outra história), mais historicamente a taxa de poupança é de 20% do PIB. Não aumentando a taxa de poupança só uma alternativa para bancar uma taxa de investimento de 25%: aumentar o investimento externo mediante déficit em conta corrente. Puxar poupança externa. Como temos déficit em conta corrente (todo o demais constante) mediante preços relativos que induzam esse déficit (taxa de câmbio valorizada).

Vamos agora às identidades das contas nacionais. Vamos partir de uma situação de equilíbrio no qual a poupança interna é igual ao investimento (não temos déficit na conta corrente). Suponhamos que essa situação evolui para um déficit em conta corrente mas a poupança e o investimento permanecem constantes. Então temos que o déficit (poupança externa) não está financiando o investimento senão o consumo. Ou seja, não todo déficit em conta corrente financia investimento.

A questão que deve ser discutida é: por que durante o período da bonança externa,m em quanto o Brasil aumentou a taxa de po

Anônimo disse...

Se vc ver bem o Paulo Leme insinua que o Brasil torrou os IED na Disney! Veja bem agora temos três modalidades de IED: empréstimos intercompanhias, participação no capital e Disneylândia.

Anônimo disse...

"Drunk", depois da bebedeira, vem a ressaca. Vc pode optar por beber mais para curá-la ou pode optar por encará-la de uma vez.
Você é bem inteligente, não acredito que vc não tenha entendido o texto (que é bem superficial). Acho mais fácil você ter lido apenas a manchete (que foi bem mal escolhida, por sinal) e a ter utilizado para desacreditar o texto, focando apenas na escolha pelo consumo em detrimento da poupança.
Uma pessoa escolher isso individualmente, td bem. Eu mesmo faço isso muitas vezes e aceito as consequências.
O problema é o governo fazer isso com o dinheiro de toda a população, afetando o presente e o futuro de todos nós... Logo quando tínhamos uma oportunidade excelente para deslanchar...
Abs e parabéns pelo blog.

Anônimo disse...

" No lugar de elevar a poupança que o cenário internacional facilitava na bonança o consumo aumentou."

Anônimo das 13:18 o consumo nao aumentou na bonanca, pelo contrario, foi depois dela (depois da crise de 2008)

olha o primeiro grafico desse relatorio:

http://www.itau.com.br/itaubba-pt/analises-economicas/publicacoes/macro-visao/brasil-ainda-precisa-de-poupanca-externa

Anônimo das 21:25

Drunkeynesian disse...

Eu li a entrevista toda, até concordo com 90% do que ele fala, mas não consigo deixar de achar que essa conclusão da Disney (que foi usada como manchete, mas efetivamente foi dita por ele) é equivocada. Só isso.

Unknown disse...

O aumento de passivo externo veio sobretudo com investimento estrangeiro direto, o que, em teoria, não é financiamento ao consumo, mas sim empresas estrangeiras abrindo operações no Brasil.

Mas o investimento no País não aumentou, ficou estagnado durante um período e depois caiu. Dentro do IED você tem os famosos empréstimos intercompanhias que foram usados por empresas estrangeiras e brasileiras para fazer carryover e ganhar dinheiro no mercado financeiro, sem investimento em atividades produtivas. Quanto ao restante do IED parte foi aplicado em expansão de atividades, parte na compra de empresas que não se expandiram, apenas trocaram de dono.

Unknown disse...

O aumento de passivo externo veio sobretudo com investimento estrangeiro direto, o que, em teoria, não é financiamento ao consumo, mas sim empresas estrangeiras abrindo operações no Brasil.

Mas o investimento no País não aumentou, ficou estagnado durante um período e depois caiu. Dentro do IED você tem os famosos empréstimos intercompanhias que foram usados por empresas estrangeiras e brasileiras para fazer carryover e ganhar dinheiro no mercado financeiro, sem investimento em atividades produtivas. Quanto ao restante do IED parte foi aplicado em expansão de atividades, parte na compra de empresas que não se expandiram, apenas trocaram de dono.

Grande parte dos capitais vieram de empréstimos para bancos (que usavam para financiar consumo via cartão de crédito ou capital de giro de curto prazo) ou aplicação em renda fixa (compra de títulos do governo que financiaram gastos correntes ou empréstimos do Tesouro para BB e CEF aplicarem no consumo).

Unknown disse...

De novo, acho que analistas brasileiros têm hábito de ver consumo como pecado ou como detrimental ao investimento, como se o problema do país fosse que consome demais. Reconheço todos esses problemas que vocês listaram, mas dizer que foi o consumo que causou o agravou eles me parece errado.

Ninguém é contra consumo, todos gostamos de consumir. Porém, consumo bom é consumo sustentável, financiado via exportações. Capitais estrangeiros são benvindos para serem utilizados como investimento na criação ou aumento de capacidade produtiva assim, no futuro, temos como pagar a remessa de lucros/juros/dividendos que estes capitais exigem. E com mais capacidade produtiva, além de pagarmos as rendas ao exterior, poderemos consumir mais.
Aumentar passivo externo para consumo vai causar desequilíbrio na hora que os capitais refluírem.

Anônimo disse...

Rud

Pessoal, o Paulo Leme foi um dos autores do paper 99 do Goldman Sachs em 2003. Nesse estudo ele previu um futuro de ouro para os BRICS. Agora ele vem justamente com essa analise de consumo excessivo e falta de poupança interna. Se bem que também acho que ele usou uma metáfora ao dizer que torramos tudo na Disney. Gastos externos de brasileiros no exterior são apenas a cereja no bolo. Essa farra do consumo interno em detrimento da falta de investimento que azedou as previsões do próprio Leme.