terça-feira, 3 de setembro de 2013

Expandindo os domínios

Hoje estreou no portal do Estadão O Andar do Economista Bêbado, a versão menos diletante deste blog. Apareçam por lá, também.

Delfim e a guerra cambial

Quando quer, Delfim é dos economistas mais lúcidos deste país. Por vezes, porém, é de um sabujismo que passa por cima de qualquer traço de honestidade intelectual. Hoje, no Valor, pede para os "críticos impertinentes fazerem justiça à retórica do ministro Guido Mantega", já que ele teria se provado correto quanto à "guerra cambial" promovida pelo Fed.

Ora, a guerra cambial não era uma tentativa de desvalorizar a própria moeda e colocar os vizinhos e parceiros comerciais em má situação? Na conveniência de Delfim, a lógica se inverteu: agora o Fed, ameaçando aumentar os juros, provoca desvalorização nas moedas dos emergentes (curiosamente, não no euro, libra, iene, etc). Não sabemos o que queremos, contra quem estamos lutando, de que lado estamos... mas estamos numa "guerra", e precisamos "lutar". A retórica é de propaganda de cerveja em época de Copa, e a tradição brasileira de tentar distribuir a culpa pelos próprios descaminhos econômicos tem um passado glorioso e um futuro promissor, como diria outro dos grandes tecnocratas da história do país.

Adiante, diz Delfim:

"O que os emergentes têm pela frente, portanto, não é um trilema. É um pobre dilema: impor controle à plena liberdade no movimento dos capitais ou entregar sua política monetária ao banco central americano, o Fed! Sua superação precisa de uma ordem internacional inteligente."

O Fed não é o maior BC do mundo desde anteontem, portanto, ou Delfim está certo, ou só é possível ter política monetária independente com controle de capitais (ignoremos os que têm conseguido fazê-lo). De novo, o inimigo está fora, é grande e não há nada que possamos fazer. Talvez a melhor solução seja mesmo alugar o Brasil (nós não vamo pagá nada, yeah).

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O fim do “duplo equilíbrio” nos juros?

Texto desta semana para a Agência Estado.


Entre as inúmeras explicações dadas para a persistência de juros reais altos no Brasil, a tese do “duplo equilíbrio” é das mais interessantes. Por ela, o país estaria preso em uma armadilha que se auto-alimenta: partindo de um nível alto de juros, o serviço da dívida é caro, requerendo um grande esforço fiscal e embutindo um risco grande para os títulos soberanos. O risco serve para justificar as taxas altas pedidas pelo mercado para carregar a dívida, e o preço dos títulos encontra equilíbrio a um nível de juros ainda mais alto, que deve ser sancionado pelo banco central na formulação da política monetária.

Para quebrar a armadilha, seria necessário um choque externo que colocasse os juros de partida num nível mais baixo. Isso reverteria o ciclo descrito acima: as taxas menores reduziriam os pagamentos de juros e o risco da dívida, levando o mercado a um novo equilíbrio, sem comprometer o controle da inflação.

Quaisquer que sejam os reais motivos que levaram o Banco Central do Brasil a, a partir de março de 2012, levar a taxa Selic aos níveis mais baixos em várias décadas, entre eles poderia estar uma justificativa “técnica”, embasada pela elegante teoria do “duplo equilíbrio” descrita acima. Se o experimento desse certo, Tombini e sua equipe entrariam para a história por terem, em uma decisão audaciosa, livrado os contribuintes brasileiros de transferirem bilhões de reais para os detentores da dívida ao longo do tempo. A combinação do ambiente de juros internacionais perto dos níveis mais baixos da história com anos de alguma disciplina fiscal, melhora notável do perfil da dívida (fim da dívida remunerada pela variação cambial e redução da emissão de LFTs) e acúmulo de reservas internacionais contribuiriam para aumentar a probabilidade de sucesso da mudança de rumo na política monetária.

Faltou, claro, combinar com a inflação, que foi o fator decisivo para que tal experimento começasse a ser revertido depois de pouco mais de um ano. Porém, o aumento da inflação deveria ter papel menos relevante na determinação dos juros reais--apenas levaria a uma alta na Selic que compensasse o desvio com relação à meta. Não foi o que ocorreu: os juros reais de longo prazo, medidos pela taxa de mercado das NTN-Bs, passaram pouco tempo ao redor de 3% (o que seria compatível com o objetivo declarado de levar os juros reais de um dia a 2%), e já voltam a flertar com o nível que parecia ser o equilíbrio anterior, ao redor de 6%.

Com esses resultados, sai enfraquecida a hipótese do equilíbrio duplo. Pior do que isso, as evidências apontam para a velha tese da “dominância fiscal” defendida por Olivier Blanchard*: o aumento nos juros tem sido acompanhado por uma depreciação no câmbio, como se a juros mais altos a dívida brasileira ficasse menos atrativa para o investidor global. Isso se explicaria por um maior risco de calote na dívida (como estamos tratando de dívida interna, essa probabilidade é melhor descrita como risco de mais depreciação no câmbio, controles de capital e aceleração da inflação para além do que o mercado precifica), que afastaria novos aplicadores e aumentaria o prêmio de risco para investimentos no país.

A saída da “dominância fiscal” é por via conhecida, ou seja, ortodoxa: aumentar o esforço fiscal, deixar o câmbio se ajustar, baixar a inflação e depois tentar um novo patamar para os juros. Parece ser para esse lado que o pêndulo está balançando, ainda que por uma somatória de forças conflitantes. Os meses do experimento ao tentar forçar um novo equilíbrio serviram, ao menos, para provar que a Selic alta não era nem de longe o principal obstáculo ao crescimento do país.


* Fiscal Dominance and Inflation Targeting: Lessons from Brazil, NBER Working Paper No. 10389

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

É hora de vender dólar?

Os sinais contrários se acumulam... (minha opinião: talvez seja no curto prazo, mas o ajuste ainda não terminou).





quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Reservas, pra que te quero?

Texto desta semana para a Agência Estado.

O Banco Central do Brasil passou anos acumulando reservas internacionais, tirando do mercado parte do grande volume de dólares que entrou no país nos tempos de bonança nas contas externas e tentando atenuar a tendência decorrente de valorização do real. Em setembro do ano passado, essa conta parou de crescer, permanecendo ao redor de US$ 370 bilhões até hoje. Com o movimento recente no mercado de câmbio, começam as especulações sobre o destino desses dólares (e alguns euros, ienes, libras, etc. - há alguma, não muita, diversificação nas reservas). A desvalorização é bem-vinda para exportadores e os economistas autodenominados “desenvolvimentistas”, que há muito tempo pedem um real mais fraco. Porém, o longo período de fortalecimento da moeda certamente gerou interesses que dependem da continuação dessa conjuntura (ou ao menos de uma transição mais suave): por exemplo, agências de viagem, varejistas e o próprio BC, que deixará de contar com preços em queda de bens duráveis importados para atenuar a alta dos índices de inflação.

A resultante dessas forças pode fazer com que em breve haja pressão sobre o banco central para entregar reservas ao mercado e atenuar a alta do dólar--seria uma nova arma no “arsenal” que o ministro Mantega gosta de mencionar. Isso dependeria, porém, do BC tomar alguns grandes riscos: primeiro, criar condições de saída a um preço mais favorável do que o de equilíbrio pelo mercado para quem quiser tirar dinheiro do Brasil ; segundo, seria uma aposta num período de tempo relativamente curto de fortalecimento global do dólar--caso a tendência permaneça, a queda nas reservas pode alimentar um ataque especulativo, que consumiria mais reservas e levaria uma espiral de desvalorização acentuada. A história não é generosa com bancos centrais que tentaram lutar contra os mercados, com o caso mais famoso sendo o do Banco da Inglaterra ajudando a criar a fama e fortuna de George Soros e seus sócios, em setembro de 1992.

A pesquisa econômica recente coloca grande ênfase no papel estabilizador de reservas internacionais em países emergentes, sobretudo os que operam com câmbio flutuante (para os de câmbio fixo, é evidente a intenção de escolher uma taxa de câmbio que sirva aos principais interesses econômicos do país e defendê-la, como é o caso da China). Os motivos citados são diversos: aumentar o custo para os especuladores envolvidos em um ataque e reduzir a probabilidade desse tipo de evento; reduzir a violência dos ajustes de taxa de câmbio (o mais recorrentemente citado pelo nosso BC);  facilitar o desenvolvimento do mercado de dívida local, atraindo investidores estrangeiros; oferecer colateral para que empresas nacionais possam emitir dívida em moeda estrangeira. Todos eles, porém, apontam para certo consenso em manter as reservas em níveis relativamente elevados, e não liquidá-las em tempos de crise. A política de gestão de reservas, dessa maneira, não deve ter correlação com política fiscal, já que aquela não permite uma atuação anticíclica. Requer grande autonomia e certa humildade do BC para não tentar operar o mercado ou tentar escolher um nível de câmbio.

Até agora, o Brasil parece estar seguindo a teoria, deixando o câmbio se ajustar a partir de um nível de partida claramente sobrevalorizado e a uma situação de liquidez externa marginalmente desfavorável. Ainda que, caso continue o movimento das últimas semanas, a falta de novas ações passe a parecer inaceitável para parte do governo e da imprensa, é melhor que o trabalho do BC siga sendo apenas de suavizar as oscilações de mercado. Hora de simplesmente deitar-se sobre o tal colchão de reservas e aproveitar seus benefícios, ainda que eles não sejam facilmente perceptíveis quando a turbulência no mercado torna-se rotineira.

Agradeço a Samer Shousha pela discussão e pela revisão da literatura

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Estilo, Orwell, Eclesiastes e o acaso

Finalmente estou lendo o clássico Elements of Style. Essa passagem é de lá, e vale pelo insight, pelo Orwell e pela bela passagem da Bíblia sobre o acaso (no livro estava em duas colunas, então o que aparece lá como "left" aqui é o primeiro trecho):

To show what happens when strong writing is deprived of its vigor, George Orwell once took a passage from the Bible and drained it of its blood. On the left, below, is Orwell's translation; on the right, the verse from Ecclesiastes (King James version). 
Objective consideration of contemporary phenomena compels the conclusion that success or failure in competitive activities exhibits no tendency to be commensurate with innate capacity; but that a considerable element of the unpredictable must inevitably be taken into account. 
I returned, and saw under the sun, that the race is not to the swift, nor the battle to the strong, neither yet bread to the wise, nor yet riches to men of understanding, nor yet favor to men of skill; but time and chance happeneth to them all.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O sinal e o ruído na inflação brasileira

Na semana passada iniciei uma coluna para a Broadcast da Agência Estado (em breve vai aparecer também na página do jornal na internet). Esta é a primeira; vou colocando as outras aqui depois que forem saindo lá.

Na última semana, parte do governo (que exclui o banco central, importante ressaltar) comemorou a pequena variação no IPCA em julho - 0,03%. “A queda da inflação é uma maravilha”, disse a presidente, como se fosse possível traçar uma tendência a partir de um ponto e tal queda fosse um fato consumado. Políticos, porém, não são os únicos a cometer esse tipo de erro, e a disponibilidade de dados de inflação no Brasil contribui para que a discussão seja muitas vezes pautada por ruídos, com a informação principal sendo esquecida ou convenientemente omitida.

Não conheço outro país do mundo que acompanhe inflação de forma tão obsessiva. Somadas as divulgações do IBGE, FGV e FIPE, quase todo dia são publicadas novas leituras de índices de inflação. Bancos, empresas e consultorias mobilizam uma legião de analistas que tentam extrair informação de coletas e monitores de preços diários para conseguir alguma vantagem no grande mercado de títulos e derivativos indexados. Por fim, a mídia amplifica esse ruído, por vezes evocando o risco de “acordar o dragão” e alimentando factoides, como a “inflação do tomate” que vimos no início deste ano. 

Se nos concentrarmos em dados de médio / longo prazo, é possível extrair alguns fatos da inflação brasileira que são mais úteis para a formulação de políticas do que acompanhar as divulgações diárias. Primeiro, a inflação cheia, medida pelo IPCA, tem sido surpreendentemente estável - a um nível alto, e, dirão os críticos, sujeita a mudanças de metodologia e “canetadas” do governo em alguns preços, notoriamente os de combustíveis e tarifas elétricas. Nos últimos cinco anos, a medida mensal do IPCA acumulado em doze meses teve mediana de 5,73%. Nos cinco anos anteriores, havia sido 5,63%. Não por acaso, a mediana das expectativas de mercado, pelo relatório Focus, aponta para uma variação do IPCA no ano-calendário de 2013 em 5,74% e em 5,85% para 2014. Parece seguro afirmar, portanto, que a inflação brasileira tem oscilado entre 5,5% e 6,0% anuais há bastante tempo, sem uma grande mudança de tendência perceptível. O mercado de inflação implícita, estimada pelas taxas pré-fixadas descontadas pelos juros de mercado das NTN-Bs, corrobora essa afirmação, costumeiramente atraindo vendedores quando a inflação esperada para períodos de dois ou mais anos ultrapassa 6%.

É na abertura dos componentes do índice que estão os principais problemas: há, sim, uma clara tendência de alta na inflação de serviços a partir do ínicio de 2008, com poucos sinais de arrefecimento (não é alívio caso “estabilize” subindo mais de 8% ao ano). Ao longo do tempo, isso foi compensado com forte queda na inflação de bens duráveis, interrompida recentemente com a alta do dólar. Se essas duas tendências, de alguma forma, se contrabalanceiam, a inflação ao longo de poucos meses (justamente a mais discutida e fonte de manchetes) acaba sendo definida pelo comportamento dos preços de alimentos, que depende de fatores pouco controláveis - clima e mercados de commodities globais, por exemplo. Em resumo, acabamos, na maior parte do tempo, tentando racionalizar sobre o imponderável - o que poderia ser aceitável em cadernos de esporte, mas tem pouco valor para a boa análise econômica.

Se aceitarmos a hipótese que a alta na inflação de serviços é efeito colateral de uma decisão deliberada de fortalecer os trabalhadores via indexação do salário mínimo, só é possível conceber uma inflação mais baixa quando essa política começar a ser desmontada, seja por outra decisão de política econômica ou por uma piora no mercado de trabalho. E se de fato o real estiver em meio a uma tendência mais longa de depreciação, seus efeitos nos preços de duráveis podem levar a inflação a um novo patamar - ou seja, é legítima a renovada preocupação com o pass-through do câmbio, e aí talvez esteja o sinal mais importante para os próximos meses.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A poupança brasileira e a Disney

Dizer que "o Brasil gastou sua poupança na Disney" gera uma manchete poderosa, juntando cultura pop, crítica a uma suposta tendência consumista do brasileiro médio e uma moral implícita, pela qual consumir é um pecado em um país que precisa tanto de poupança. Vai fazer sucesso nos círculos que gostam de analisar caricaturas e respostas prontas. É, porém, errado a ponto de poder ser questão de prova de introdução à macroeconomia de qualquer aluno de primeiro ano (nem precisa ser graduando em economia).


O brasileiro gastou, na Disney, em Paris ou em Timbuctu porque, primeiro, havia dólares disponíveis para serem comprados no mercado e, segundo, porque esses dólares ficaram baratos a ponto dessas viagens serem alternativas preferíveis a ir para Foz do Iguaçu ou Canoa Quebrada. Tudo isso foi facilitado porque o país passou bastante tempo tendo superávits em conta corrente, o que equivale a dizer que estava exportando poupança em moeda estrangeira - justo o contrário do que foi dito na matéria. Essa é uma identidade de contas nacionais vergonhosamente básica.

Por muito tempo o Brasil não precisava atrair fluxos internacionais ou tomar empréstimos em moeda estrangeira para obter dólares com intenção de investir ou consumir, tudo isso era financiado pelo comércio exterior, com folga (quem se endividou em dólares não foi o consumidor, foram empresas se aproveitando da janela de financiamento aparentemente barato). O problema recente é que essa folga acabou, e isso deve fazer com que também diminuam as viagens para a Disney que, naturalmente, ficaram mais caras com o câmbio mais desvalorizado que reflete a nova conjuntura.

Enfim, existem as mais diversas maneiras acertadas de criticar a condução da economia brasileira. Botar a culpa em quem, racionalmente e dados os incentivos, escolheu gastar em outra país não é uma delas. Ir menos a Disney não nos fará mais prósperos (se fosse fácil assim...).

sábado, 17 de agosto de 2013

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Grafico do Dia - Produtividade

Da Folha de hoje. E deve ser inedito que alguem da CNI explique isso sem jogar a culpa no cambio:

"O baixo desempenho do Brasil resulta de questões de natureza regulatória e problemas associados à formação fraca dos trabalhadores", diz José Augusto Fernandes, diretor de políticas e estratégia da entidade.


P.S. Desculpas pela falta de acentos, ainda nao tive paciencia para configurar o teclado novo.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

O Brasil de volta a tempos de déficit comercial

Enquanto governado pelo Partido dos Trabalhadores, o Brasil não conheceu nenhum ano de déficit comercial: o último registrado foi em 2000, encerrando uma série de seis déficits anuais consecutivos que seguiram o Plano Real. A forte depreciação do real em 2001 e 2002 contribuiu para uma nova série de superávits, que ganhou força com o início do melhor ciclo de alta dos preços das exportações brasileiras em muitas décadas. Hoje, a combinação de um já dado arrefecimento nos preços de commodities (e uma possível reversão no ciclo secular de alta) com anos de crescimento nas importações deve levar a um saldo comercial próximo a zero neste ano (o último consenso de mercado, pelo relatório Focus do Banco Central, é de um superávit de pouco mais de US$ 5 bilhões).

O restante do texto está no Comex do Brasil.